sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 4

Nesse momento foram feitas as apresentações e antes que alguém pudesse dizer fosse o que fosse a senhora Jodie Richter, disse-lhe com desenvoltura:

Jodie Richter: -  Senhor Luís Carlos, quero dizer-lhe que o considero um dos melhores pintores do nosso tempo, senão o melhor. Mas também quero igualmente dizer-lhe que eu, e o meu marido, o Dr. Roger Richter, decidimos romper com esse mistério do quadro "A Deusa e o Mar"! O senhor vai vender-nos esse quadro, não é verdade?!
Luís: -  Receio que a vá desapontá-la, minha senhora, pois eu não vendo aquele quadro. Aliás, toda a gente o sabe...

Nesse momento, Luís Carlos lembrou-se de onde conhecera aquele rosto, o rosto do Dr. Roger Richter, e assim disse-lhe de uma maneira desconcertante, que fez a admiração das pessoas a quem se dirigia diretamente, e também de todos os outros visitantes que, entretanto tinham rodeado o grupo.

Luís: -  Como sabe, não vendo aquele quadro por preço nenhum, minha senhora. Mas, se a senhora e o seu marido têm grande interesse nele, talvez possamos chegar acordo...

Dr. Roger: -  Sim, sim estou até muito interessado. Passo por um dos maiores colecionadores de Nova Iorque, e estou na disposição de pagar o preço que pedir. Para mais creio que o conheço, não me recordo é de onde?...

Luís: -  Eu também estou a reconhecê-lo, doutor, não me lembro de onde, ou será de onde o doutor me conheceu?... Mas continuo a dizer-lhe que aquele quadro não tem preço em dinheiro, e por isso não o vendo. No entanto, o quadro pode ser seu e de sua esposa...

Dr. Roger: -  Não o estou a compreender, se não vende o quadro...

Luís: -  Eu ofereço-lhe aquele quadro, se o doutor quiser prestar-me um alto favor, que mais ninguém no mundo me poderá fazer, senão o senhor!

Dr. Roger: -  Cada vez compreendo menos. Então o Luís Carlos oferece-me o quadro, em troco de quê?!

O Dr. Roger Richter entreolhou-se sem compreender o alcance das palavras de Luís Carlos. À volta do grupo, estabeleceu-se um burburinho, pois a decisão do pintor espantou toda a gente. Por fim o doutor perguntou-lhe:

Dr. Roger: -  Concretamente, o que precisa que eu faça, para merecer a oferta daquela obra de arte?!

Luís: -  Doutor está aqui muita gente e segundo me informou o meu associado, tanto o senhor como sua esposa, já visitaram a exposição.

Dr. Roger: -  Sim, só passamos por cá para ver se o encontrava pessoalmente.

Luís: -  Então que diz se fôssemos dar um pequeno passeio?... Está uma noite maravilhosa e Lisboa, é uma cidade maravilhosa à noite. Aceita?...

O casal apressou-se a dizer que se tratava de uma boa ideia, e os três abandonaram a sala de exposições. O Daniel, o associado do pintor, foi então literalmente submerso por perguntas, vindas de todos os lados. Mas não sabia realmente como responder à curiosidade daquela gente indiscreta, que pensava que ele devia de estar no segredo das atividades do seu amigo. Bem garantia a toda a gente que nada sabia do que se estava a passar entre Luís Carlos e os americanos, mas ninguém acreditava nele.

Entretanto, passeando na noite lisboeta, mais apetecível que possa imaginar, caminhavam vagarosamente, o casal americano e Luís Carlos.

Em determinada altura, o pintor perguntou ao médico:

Luís: -  Então, doutor, ainda não se lembra ainda de onde nos conhecemos?

Dr. Roger: -  Luís Carlos confesso que não me lembro...

Luís: -  Pois eu, logo que entrou na exposição, o reconheci logo. Não admira, porque para mim, houve só um Dr. Roger Richter. Para o senhor, houve já milhares de Luís Carlos...

Dr. Roger: -  Não estou a compreender, ou o senhor já foi meu doente? Espere, espere, já sei: Bombaim, durante aquele terrível terremoto! O pintor, "o Português" como lhe chamavam. Agora bem me lembro só o nome é que não fixei, mas ainda tenho presente o meu diagnóstico: esmagamento da clavícula e do fêmur e também a fratura de quatro costelas. Eram quatro não era Sr. Luís Carlos?

Luís: -  Exatamente foram quatro costelas partidas quer perfuram os pulmões. Foram momentos horríveis aqueles que lá passei, mas tive a sorte do doutor, também se encontrar na Índia e em ter ido parar às suas mãos. Caso contrário, andaria hoje por esse mundo, arrastando a minha invalidez, se não tivesse morrido.

Dr. Roger: -  Ora, ora. Fiz apenas a minha obrigação

Luís: -  O doutor não tinha qualquer obrigação, pois, por mero acaso é que nesse momento trágico se encontrava em Bombaim. Eu encontrava-me lá a aprender a pintar. Nessa altura ainda tinha o coração cheio de beleza...

Jodie: -  Ah sim?! ... E agora, já não tem o coração cheio de beleza?! ... Eu atrevo-me a pensar que o seu coração está agora mais cheio de beleza, como nunca esteve e não devo estar enganada.

Dr. Roger: -  Bem, meu amigo, uma vez que já nos apresentámos, não encontro qualquer motivo para não falarmos francamente. Então, quais são as condições para que aquele quadro ser meu?

Luís: -  É simples: basta que o doutor opere uma pessoa de umas fracturas antigas, parece que são na bacia e numa perna.

Dr. Roger: -  E se eu a operar, dá-me aquele quadro?!

Luís: -  È exatamente com diz.

Dr. Roger: -  Vamos lá ver, eu não conheço o caso, além disso, se operação não tiver êxito?

Luís: -  Tenho absoluta confiança em suas mãos e no seu brio profissional!

Dr. Roger: -  E, a pessoa em questão tem muita idade?

Luís: -  É uma jovem de 18 anos.

Jodie: -  Luís Carlos desculpe-me a indiscrição, mas a pessoa em causa, por acaso é o modelo do seu quadro "A Deusa e o Mar"? ... Adivinhei?!

Luís: -  Sim, a senhora adivinhou, é ela!

Dr. Roger: -  Mas eu não posso aceitar intervir, sem primeiro fazer uma observação à doente...

Luís: -  O doutor fará todas as observações que precisar. Apenas lhe peço que me dê a sua palavra de honra, de nunca mencionar o meu nome a Sandra Cristina, nem a seus pais.

Dr. Roger: -  Então a pequena chama-se Sandra Cristina. Sim, pode contar com a minha discrição.

Luís: -  Então, dar-lhe-ei o endereço onde ela e os pais moram... 

Dr. Roger: -  Mora cá em Portugal?

Luís: -  Mora e numa linda terra, que se chama São Pedro de Moel, e é uma das mais belas praias de Portugal.

Dr. Roger: -  Está certo. Em princípio aceito...

Luís: -  O doutor arranjará maneira de comunicar com ela, e de lhe propor a operação, sem lhe levar dinheiro. Feito isso, e sem esperar pelos resultados finais da sua intervenção, eu remeter-lhe-ei o quadro "A Deusa e o Mar" para a sua casa em Nova Iorque. Combinado? ...

Dr. Roger -  Está combinado!

Os dois homens apertaram as mãos, o acordo estava feito.  Luís Carlos quando nessa noite entrou no seu apartamento, no moderno bairro do Restelo, ia sem se conter nas pernas, pois estava completamente embriagado.

Bebia muito desde que regressara de São Pedro de Moel, na esperança de se esquecer da presença, do riso e da voz, do perfume e da beleza de Sandra Cristina. Cada dia mais e mais era vencido e dominado pelo poderoso encanto da rapariga que o traíra. Melhor, que ele julgava que o traíra com requintes de malvadez. Nessa noite, porém, a sua bebedeira era de esperança, se é que se pode classificar assim uma bebedeira. Ele tinha a esperança de poder arrancar Sandra Cristina ao seu grande e tremendo complexo. O seu imenso amor por ela, não exigia nada em troca, nem sequer que ela soubesse que ele interviera no milagre da sua cura. Tinha fé, pois o Dr. Richter era o maior especialista do mundo, em enxertos ósseos. A sua voz e a sua autoridade, eram bem conhecidas na Europa e nas Américas, e Luís Carlos dava-se por feliz, que o grande especialista fosse um admirador da pintura. Poderia assim proporcionar a Sandra Cristina, a possibilidade de uma cura radical. Não queria nada em troca, nem mesmo se detinha no pensamento mesquinho de se ela merecia ou não, aquilo que pensava. Amava-a, reconhecia-o a cada momento, e, quando alguém ama alguém, deve ser bom para esse alguém.

Decerto, que ela não pensaria assim a seu respeito, e sendo assim, era sinal que o não tinha amado! Mas que culpa teria ela de o destino ter sido assim?... Lembrou-se ainda de que na última Primavera, fora ao Porto, e, quando o automóvel passou por São Pedro de Moel, pudesse ter oportunidade de vê-la. Gostava de vê-la, ao menos uma vez, pois o seu coração rebentava de dor e de saudade. E conseguiu por sorte vê-la.

Mas, mais valia que a não tivesse visto. Vira-a ao pé da estação da Rodoviária, de braço dado com um rapaz que a tratava familiarmente por tu. Estaria já casada?... Mas casada ou não, ela havia de sofrer muito pelo seu defeito físico. E, se ele conseguira subir ao cume da fama e da fortuna pelas suas pinturas, isso em parte devia-o a ela, pela sua incomparável beleza, e pelo nobilíssimo sentimento que ela soubera inspirar-lhe e ele conseguira transpor para a tela.

Por isso, casada ou solteira, Sandra Cristina teria a sua parte da nos efeitos produzidos pelo seu quadro. Já fora suficiente que não lho tivesse mandado, e o houvesse substituído por aquela cópia apressada...

continua...
 
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O Autor

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