sábado, 21 de novembro de 2009

Trova LXXVI - José Lucas de Barros (RN)

Montagem sobre imagem de http://ncego.blogspot.com

Andreia Donadon-Leal (Seus 25 Anos)



Ainda lembro dos seus primeiros passos: indecisos, trôpegos, corpo desequilibrando, e eu com os braços estendidos estimulando-a a continuar. Um sorriso inocente nos pequenos lábios rosados, pele amorenada, olhos negros e cabelos lisos. Era uma miniatura de gente, uma boneca tentando equilibrar-se para dar os primeiros passos. Chorava pouco e quando eu retornava no final da tarde do trabalho, cansado, estressado e algumas vezes muito aborrecido, abria a porta silenciosamente para não fazer barulho e meus olhos brilhavam ao vê-la sentada no tapete com as pernas cruzadas; algumas bonecas espalhadas pelo chão, suas mãozinhas ocupadas com pequenos brinquedos, despreocupada como se nada mais existisse naquele momento. E não existia mesmo... Eu parado com a cabeça encostada no alisar da porta, deslumbrado com a cena que me acalentava. As linhas de expressão logo se suavizavam e os olhos brilhavam, dizia Maria. Perdi a conta de quantas vezes fiquei parado, estático à porta, querendo imortalizar aquela imagem. A pasta pesada, às vezes, caía sem querer de minha mão e dispersava sua concentração e estado mágico em seu mundo de criança. Logo largava todos os brinquedos e ia engatinhando ao meu encontro. Eu dava apenas dois passos curtos, pois sabia que gostava de me receber na entrada da porta. Sua mãe esperava pacientemente minha disposição e felicidade retornando. Sentava no chão com você e brincávamos com os minúsculos brinquedos até seus olhos cerrarem vencidos pelo sono.

No primeiro dia de aula não consegui conter o impulso de sair do outro lado da cidade e levá-la pessoalmente à escola. A merendeira rosa nas mãos pequeninas, a mochila pendurada nas costas, vestida de uniforme azul e branco do colégio, cabelo preso com duas marias chiquinhas cor de rosa. Estava crescendo... Não dei a honra a sua mãe de levá-la no primeiro dia. Era importante vê-la entrando com segurança na sala de aula e eu recomendando à professora que tivesse mil e um cuidados, por que era uma criança dócil, muito frágil e tímida. Devo ter repetido umas sete vezes o número do meu telefone, caso fosse necessário contactar-me.

Os outros dias me contentava em buscá-la, quando não ficava até tarde no escritório. Você adorava me ver caminhando pacientemente pelo pátio da escola. Corria euforicamente ao meu encontro e contava de um fôlego só como foram às aulas, os trabalhos e as brincadeiras. Quase tive um ataque do coração, quando saíamos tranquilamente da escola, você perguntou-me repentinamente:

- Pai? Como se faz um bebê? De onde eles vêm?

Sabia que despertaria para esses tipos de perguntas, mas não esperava que fosse prematuramente. Maria ria de meu pudor excessivo, falando que as perguntas se tornariam mais constrangedoras com o tempo. Eu fechava os olhos e passava as mãos sobre a cabeça, preocupado.

- Pai? O que é sexo?

- Pai, por que a terra é redonda e meu quarto é quadrado?

- Pai, quem inventou Deus? A professora disse que quem inventou o mundo foi Deus, então quem inventou ele?

Essas interrogativas aos cinco anos, e eu embasbacado no meio do caminho, retornando da escola para casa com você. As perguntas aumentavam, os níveis também e eu tentando dar um caráter romântico a tudo. Sua mãe me reprovava com veemência. Os anos foram passando; eu e sua mãe, mais velhos e cansados. Você já não queria que eu a buscasse na escola.

- Não precisa pai. Venho caminhando com minhas colegas.

Estava ficando independente e não precisava tanto de mim.

Os quinze anos vieram e a festa de debutante também. Foi uma belíssima noite: vestido rosa, cabelos soltos, coroa na cabeça, dançando com suas colegas no meio do salão. Estava virando uma moça. O tempo correu como um filme em projeção acelerada, e eu só queria que fosse mais devagar, um pouco mais devagar e nunca tivesse que acordar daquele sonho. Depois da valsa, um guri ensimesmado e estranho, pegou-a dos meus braços. O jeito que olhou-a me fez recordar das minhas primeiras investidas amorosas e entrei num inferno astral.

- Será que Flora já beijou alguma vez, Maria?

Sua mãe olhou-me como se eu estivesse proferindo a pergunta mais absurda e fora de moda do mundo:

- O que está acontecendo com você, José? É uma adolescente despontando para a vida. É óbvio que já beijou. Sabia que ano retrasado menstruou?

Lembro desses momentos somente nos sonhos. Foram especiais e não retornam. Um dia sem repetição, uma chance para cada etapa da vida. Compreendi? Se eu compreendi? Tive que tentar compreender para não sofrer ao extremo.

- Nossa filha é uma mulher agora, Zé! Entrou para universidade! Veio a primeira notícia que comemoramos com muito orgulho.

- Está namorando com fulano, Zé!

- Está namorando com beltrano, Zé!

- Hoje não dorme em casa, Zé!

- Compreenda sua filha, Zé! Não é mais uma criança.

- Ficará uma semana fora... Ficará um mês...

- Vai para o exterior...

E eu suportando, por que sabia que minha menina voltaria para casa, para o quarto cor de rosa, com a prateleira repleta de bonecas e muitos brinquedos intactos que comprei ao longo dos anos. Voltaria para os meus sonhos, entraria pela porta gritando:

- Pai, mãe, cheguei!

Contaria tudo de um fôlego só, depois Maria faria um jantar especial com direito a sobremesa e eu contaria uma história. Era seu pedido quando ficava muito tempo fora de casa. Estava quase se formando: medicina, e esse era o meu maior trunfo e orgulho. Estufava o peito, quando meus amigos perguntavam o que minha filha estava fazendo.

- Quase médica!

Quando vi um rapaz alto, entrando em casa e você me apresentando como seu namorado, tomei o mesmo susto quando perguntou-me como eram feitos os bebês.

- Esse não é aquele guri da festa de seus quinze anos, Flora? Perguntei de cenho cerrado.

- É pai, o mesmo!

Apertei a mão do rapaz mais do que deveria e fiquei olhando-o por um tempo, até escutar a voz de Maria:

- Zé? Solta a mão dele!

- Hã? Desculpe...

- Não foi nada...

Saí da sala e fui para o quarto emburrado e de lá gritei:

- Hoje não vou jantar! Tenham um bom apetite, estou com dores no estômago...

Maria balançou a cabeça, reprovando minha atitude infantil. Relembro do meu ciúme de pai com certa graça e humor. Sabia que esse momento chegaria, fazia parte da vida como a morte fazia parte do ciclo. Se pudesse voltaria o tempo... Se pudesse... Mas o tempo é incorruptível, não tem volta e as coisas são irreversíveis.

Ajeito a gravata no espelho, enxugo as lágrimas que teimosamente insistem em despencar dos olhos, ajeito o paletó e escuto uma batidinha com três toques familiares me despertando.

- Pai? Está na hora...

- Está linda, minha filha.

Abro a porta do carro para ela entrar. Tomo a direção e no trajeto espio no retrovisor seu semblante, feliz e deslumbrante. Foi tão rápido... Muito rápido... Pego-a pelas mãos, subo as escadas de braços dados para conduzi-la até o altar. Antes de escutar os primeiros acordes da marcha nupcial, acordo com o barulho estridente do despertador e pego seu retrato amarelado e desbotado no criado-mudo: um bebê de um ano. Maria não acordou. Estava meio surda e tomava continuamente muitos remédios, inclusive para dormir, o sono era pesado e sem sonhos. Não reprovava Maria. O rosto e os olhos estavam sem vida há mais de duas décadas. Eu não teria que trabalhar, completei sessenta e nove anos, Flora, e nem parece que o tempo passou tão depressa. Até hoje sonho como teria sido sua infância e mocidade. Sua vida... Faz vinte e cinco anos... Vinte e cinco anos que você morreu e hoje é parte dos meus sonhos. A cada dia tento compreender as coisas irreversíveis da vida. Tento compreender... Tento...

Fontes:
J.B. Donadon-Leal (Jornal Aldrava Letras e Artes)
Imagem = http://ciberjornal.wordpress.com/

Andreia Donadon Leal premiada em Paranavaí - PR

Prefeito Municipal Rogério Lorenzetti entrega
troféu Barriguda a Andreia Donadon-Leal.

A mineira de Mariana, Andreia Aparecida Silva Donadon Leal esteve em Paranavaí, no dia 14 de novembro, onde recebeu o prêmio de primeiro lugar no Prêmio Nacional de Contos do 44º FEMUP - 2009, pelo seu conto "Seus 25 Anos" (veja postagem acima).

A cerimônia de entrega da premiação teve um momento inesquecível - a leitura dos 4 contos primeiros classificados. A leitura aconteceu na Biblioteca Municipal, às 15 horas, sob coordenação da Professora Rosi Sanga, coordenadora de Atividades Artísticas da Fundação Cultural de Paranavaí.

Após a leitura, os presentes puderam conversar com os autores.

A grande festa aconteceu às 20 horas no Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa, com a apresentação das 12 músicas finalistas, dos declamadores dos 12 poemas classificados.

Nos intervalos dessas apresentações aconteceu a entrega dos prêmios para os ganhadores do Concurso de Contos. Andreia Donadon Leal recebeu o troféu Barriguda das mãos do Prefeito Municipal Rogério Lorenzetti.

O FEMUP é uma promoção da Fundação Cultural de Paranavaí, PR, e é um dos mais importantes Festivais artísticos do país, integrando num só festival, as modalidades de música, contos, poesia e declamação, premiando na modalidade Regional e na Nacional.

Fontes:
Prof. J.B. Donadon-Leal (Jornal Aldrava Letras e Artes)
Foto de J. B. Donadon-Leal.

Lançamento do Livro Antologia do Papo Literário


O Programa Papo Literário está completando um ano de exibição. Para comemorar a data, a Tv Ceará e a Premius Editora estão lançando a Antologia do Papo Literário, organizada pelas jornalistas Yolanda Markan, Joselita Feitosa e Mônica Silveira.

A obra reúne as poesias que inspiraram os clipoemas do programa, onde os textos ganharam imagens e áudio em linguagem televisiva. No livro estão mais de 80 poesias de autores cearenses, nacionais e até internacionais. Nomes famosos e jovens talentos, autores dos mais variados estilos e temáticas.

A publicação tem prefácio de Guto Benevides e apresentação de Yolanda Markan.

O coquetel de lançamento será no próximo dia 24 de novembro, no Ideal Clube, ao lado do restaurante, a partir das 20 horas.

Com a Antologia, o Papo Literário presta uma homenagem aos poetas que abrilhantaram o programa e marca essa trajetória de um ano de divulgação da literatura através da televisão.

Neste primeiro ano, a revista eletrônica literária da TVC conseguiu mostrar diferentes aspectos da literatura, desde a forma clássica, até a virtual . Entrevistou diversos escritores renomados (Ana Miranda, Juarez Leitão, Lira Neto, Barros Pinho, Batista de Lima,Ubiratan Aguiar, Jorge Tufic, Ruy Câmara, Rosa Alice Branco, Pedro Salgueiro, Nilto Maciel e muitos outros). Um dos primeiros autores a incentivar o programa foi Affonso Romano de Sant'Anna, que passou a ser padrinho do Papo Literário.

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro (Portal CEN)

Lairton Trovão de Andrade (Torrente de Trovas)

Clique sobre as imagens para ampliar ----
Fontes:
ANDRADE, Lairton Trovão de. Luz das Trovas I. Portal CEN. 2007.
ANDRADE, Lairton Trovão de. Luz das Trovas II. Portal CEN. 2007.
ANDRADE, Lairton Trovão de. Luz das Trovas III. Portal CEN. 2008.
ANDRADE, Lairton Trovão de. Sinos de Trovas II. Portal CEN. 2006
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Lairton Trovão de Andrade (1943)


Filho de Boanerges Trovão de Andrade e Ana Vizotto de Andrade, é poeta e trovador brasileiro, bacharel e licenciado em Filosofia Pura.

Nasceu no dia 28 de fevereiro de 1943, em Pinhalão, município interiorano do Norte Pioneiro do Paraná, Brasil.

Dedicou sua vida ao ensino escolar, tendo lecionado Filosofia, Psicologia e História, além de outras disciplinas.

Tornou-se professor efetivo do Estado do Paraná, através de concurso público.

Editou sete livros - cinco de poesias e dois de reflexões filosóficas, além da participação em diversas antologias literárias.

Possui também mais de uma dezena de livros eletrônicos no Portal CEN - 'Cá Estamos Nós'.

Além disso, concluiu o Curso de Música, tornando-se organista e compositor.

Escreveu a música e a letra do Hino Oficial de Pinhalão, a música e a letra do Hino da Padroeira de Pinhalão, a música e a letra do Hino Oficial do Portal CEN - 'Cá Estamos Nós', a música e a letra da Canção ao Portal CEN - 'Cá Estamos Nós', uma missa polifônica, em três vozes mistas, além de outras composições musicais.

É dirigente e organista do Coral Bento XVI da Igreja Matriz de Pinhalão.

Nos momentos de folga, como professor aposentado, curte a vida em contato com a natureza, ainda bela e rica, da sua terra natal.

Entidades a que pertence:
– União Brasileira de Trovadores - UBT – Delegado de Pinhalão.
– Portal CEN – Cá Estamos Nós – Marinha Grande/ Portugal.
– Liga dos Amigos do Portal CEN – Marinha Grande/ Portugal.
– Movimento - Poetas Del Mundo – Cônsul de Pinhalão.
– Movimento de Poetas e Trovadores - Porto Alegre /RS.
– Grupo Mahavydia – Rio de Janeiro, RJ.
– Grupo Trovabela – Porto Alegre, RS.
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Seus livros virtuais podem ser baixados gratuitamente do Portal CEN em http://www.caestamosnos.org/autores/autores_l/lairtondeandrade_ebook.htm
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Fonte:
O Autor.

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas (Letra S)


salus populi suprema lex esto
Latim: A salvação do povo seja a suprema lei. Máxima do Direito Romano.

sancta sanctorum
Latim: O santo dos santos. O lugar mais secreto do templo de Jerusalém, onde só entrava o sumo-sacerdote quando em funções.

sans-culotte
Francês: Sem calção. Apelativo por que eram tratados os revolucionários de 1789, por usarem calças em vez de calções.

sans peur et sans reproche
Francês: Sem medo e sem censura. Sem temor e com a consciência tranqüila.

sapienti sat
Latim: Basta para o sábio; ele não precisa de muitas explicações.

sapiens filius laetificat patrem
Latim: O filho sábio alegra o pai (Provérbios, X, 1).

sapientis est mutare consilium
Latim: É próprio do sábio mudar de parecer. Sabe reconhecer os erros.

Scilicet
Latim: (cílicet) Isto é.

scintilla contempta excitavit magnum incendium
Latim: Pequena centelha ateou um grande incêndio. Coisas pequenas podem ter graves conseqüências.

scribitur ad narrandum, non ad probandum
Latim: Escreve-se para narrar e não para provar. Quintiliano estabelece assim a diferença entre a história e a eloqüência (Inst. Orat. X, 1, 31).

sede vacante
Latim: Estando vaga a sede. Usado principalmente no Direito Canônico.

sedia gestatoria
Italiano: Cadeira especial em que se conduz o papa nas grandes solenidades.

self-governement
Inglês: Governo próprio. Como o dos Estados e municípios brasileiros que gozam de autonomia.

semel emissum volat irreparabile verbum
Latim: A palavra uma vez pronunciada voa irreparável.

senatus populusque romanus
Latim: O senado e o povo romano. Divisa da antiga república romana.

se non è vero, è bene trovato
Italiano: Se não é verdade foi bem inventado.

servum pecus
Latim: Rebanho servil. Assim classifica Horácio os plagiadores (Epístolas, I, 19).

sic itur ad astra
Latim: Assim se vai aos astros. Expressão virgiliana muito empregada durante as descobertas aeronáuticas.

sic transit gloria mundi
Latim: Assim passa a glória do mundo. Reflexão da Imitação de Cristo que nos convida a desprezar as glórias mundanas.

similia similibus curantur
Latim: Os semelhantes curam-se pelos semelhantes. Med Lema da homeopatia que se opõe à alopatia cujo princípio é: contraria contrariis curantur.

sine die
Latim: Sem dia. Adiar sine die, isto é, sem data fixa.

sine ira et studio
Latim: Sem ódio e sem preconceito. É a diretriz de Tácito para aqueles que desejam escrever a História; sem parcialidade.

sine qua non
Latim: Sem a qual não. Diz da condição essencial à realização de um ato.

sinite parvulos venire ad me
Latim: Deixai vir a mim os pequeninos. Palavras com que Jesus (Mt. XIX, 14) manifesta sua predileção para com as crianças e para com os humildes.

sint ut sunt aut non sint
Latim: Que sejam como são ou deixem de existir. Resposta do Geral dos jesuítas, Padre Ricci, a alguém que lhe propunha modificar os estatutos da Companhia.

si parla italiano
Italiano: Fala-se italiano. Encontrada em estabelecimentos comerciais.

sit pro ratione voluntas
Latim: A vontade sirva de razão. Verso de Juvenal que demonstra até onde podem ir os caprichos dos prepotentes longe de seguir a lógica, preferem impor o seu ponto de vista mesmo com prejuízo próprio ou de terceiros.

sit tibi terra levis
Latim: Que a terra te seja leve; lê-se nas inscrições tumulares.

si vis me flere, dolendum est primum ipsi tibi
Latim: Se queres que eu chore, começa tu também por chorar. Conselho de Horácio ao ator dramático, citado por todos os autores de retórica e eloqüência (Arte Poética, 102-103).

si vis pacem, para bellum
Latim: Se queres a paz, prepara a guerra. Aforismo ainda hoje seguido pelas nações, que procuram fortalecer-se a fim de evitar uma eventual agressão.

sola apis mel conficit
Latim: Somente a abelha faz mel: cada qual no seu ofício.

sola Deus salus
Latim: Deus (é) a única salvação.

sola nobilitas virtus
Latim: A virtude (é) a única nobreza.

sol lucet omnibus
Latim: O Sol brilha para todos.

solve senescentem
Latim: Solte o velho. Conselho horaciano, que compara o escritor ao cavalo, que depois de velho deve aposentar-se, a fim de não sucumbir na luta.

spiritus ubi vult spirat
Latim: O espírito sopra onde quer. A inspiração divina não procede da vontade humana mas de Deus. São palavras de Cristo (Jo. III, 8).

spiritus promptus est, caro infirma
Latim: O espírito é pronto, a carne é fraca. Assim Cristo aconselha os apóstolos à vigilância e oração (Mt. XXVI, 36-41).

sponte sua
Latim: Por sua própria iniciativa.

stabat mater
Latim: A mãe estava de pé. Canto litúrgico da semana da paixão e festas de Nossa Senhora das Dores, que descreve os sofrimentos de Maria Santíssima ante o martírio de Jesus Cristo.

stare sulla corda
Italiano: Aguentar-se na corda. Equilibrar-se em uma situação instável. Corresponde a: dançar na corda bamba.

Statim
Latim: Imediatamente. No início das receitas médicas, indica que há urgência em aviá-las.

statu quo
Latim: Estado em que. Estado anterior à questão de que se trata.

stricto sensu
Latim: No sentido restrito.

struggle for life
Inglês: Luta pela vida. Expressão empregada por Darwin para explicar a seleção das espécies.

stultitiam simulare loco summa prudentia est
Latim: Simular tolice às vezes é grande prudência. Aforismo de Catão.

stultorum infinitus est numerus
Latim: O número dos tolos é infinito (Eclesiastes, I, 15).

sub conditione
Latim: Sob a condição; com a condição de.

sub Jove
Latim: Debaixo de Júpiter; ao relento.

sub judice
Latim: Sob o juízo. Direito: Diz-se da causa sobre a qual o juiz ainda não se pronunciou.

sublat a causa, tollitur effectus
Latim: Eliminada a causa, desaparece o efeito. Não existe efeito sem causa.

sub lege libertas
Latim: Liberdade dentro da lei. Liberdade sem lei degenera em licenciosidade.

sufficit diei malitia sua
Latim: A cada dia basta o seu mal. Cristo aconselha-nos a não nos preocuparmos com o futuro, que está nas mãos de Deus (Mt. VI, 34).

sui generis
Latim: Do seu gênero; peculiar, singular. Designa coisa ou qualidade que não apresenta analogia com nenhuma outra.

sui juris
Latim: Do seu direito.
Direito: Diz-se da pessoa livre, capaz de determinar-se sem depender de outrem.

summum jus, summa injuria
Latim: Excesso de direito, excesso de injustiça.
Direito: Axioma jurídico que nos adverte contra a aplicação muito rigorosa da lei, que pode dar margem a grandes injustiças.

sunt lacrimae rerum
Latim: Existem as lágrimas das coisas. Expressão de Virgílio (Eneida, I, 462). Nos grandes infortúnios até os seres inanimados parecem chorar.

suo jure
Latim: Por seu direito; por direito próprio.

suo tempore
Latim: Em seu tempo. No momento oportuno.

super flumina Babylonis
Latim: Junto dos rios de Babilônia. Assim começa o Salmo 137, no qual o profeta-rei chora os sofrimentos do povo eleito, exilado em Babilônia.

sursum corda
Latim: Corações ao alto. Locução proferida pelo sacerdote ao iniciar o prefácio da missa, convidando os fiéis a prepararem suas almas para a participação no sacrifício.

suscipe Sancta Trinitas
Latim: Recebei, ó Santíssima Trindade. Oração que o celebrante faz durante a missa, após o lavabo.

suscipe Sancte Pater
Latim: Recebei, ó Pai Santo. Oração pela qual o sacerdote oferece a hóstia a ser consagrada durante a missa.

sus Minervam docet
Latim: O porco ensina a Minerva. Diz-se sempre que alguém pretende ensinar a outrem aquilo em que ele é especializado. Equivale a: ensinar o pai-nosso ao vigário.

sustine et abstine
Latim: Sofre e abstém-te. Princípio de espiritualidade, que consiste em suportar os incômodos da vida e abster-se de tudo que não seja absolutamente necessário.
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LETRA R
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Fonte:
Por Tras das Letras
http://www.portrasdasletras.com.br/

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte IX



I. — Canção de Rolando

1. — Tema da canção

Carlos Magno deve negociar com o rei muçulmano de Saragoça que pede paz. Ganelon, o traidor, permite que Marsile cerque a retaguarda comandada por Rolando. Quando este se decide a pedir socorro a seu tio, todos os bravos, inclusive Olivier e o arcebispo Turpin, morrem. Carlos Magno aniquila os sarracenos e em Aix-la-Chapelle. Ganelon é esquartejado.

2. — Tema histórico

Einhard escreve em aproximadamente 800 (Vita Karoli, IX) que o emir da Saragoça solicitou o auxílio de Carlos contra os príncipes muçulmanos (777 em Paderborn) No dia 19 de abril de 778 Carlos Magno atravessa os Pireneus, toma Pampelune e malogra-se em Saragoça. No dia 15 de agosto de 778 sua retaguarda é surpreendida pelos bascos no desfiladeiro de Roscenvales. Carlos não pode castigar os montanheses.

Desta forma, para os bascos, a imaginação popular teria substituído os sarracenos, inimigos arraigados dos cristãos.

Conforme a versão árabe de Ibn-al-Athir (século XIII), os sarracenos aliciados junto aos francos, teriam auxiliado os bascos.

Gaston Paris adere a esta opinião e diz que Einhard registrou um fato inexato para poupar o amor-próprio dos francos.

3. — Arquivos históricos

Estes acontecimentos são ainda anotados nos Anais de Angilbert, em 778, na crônica do astrônomo Limousin Vita Kludovici.

Eis a crônica do frade de Silos (aproximadamente 1110), ato da fundação da abadia de Saint-Pede-Gèneres em Bearn (1096); história eclesiástica de Fleury (1109); epístola III de Raoul le Tourtier (antes de 1114); Les exploits de Tancrède (As proezas de Tancredo), de Raoul de Caen (1112-1118). Uma cruz adorna a gola de Cize antes de 1106 e é mencionada numa Carta Episcopal de Baiona, em 980; os arquivos de Pampelune (1127), falam de uma capela erguida por Carlos Magno nesse local de carnificina.

4. — Os personagens históricos

Rolando era verossimilmente um conde de la Marche da Bretanha. Carlos, que na realidade tem apenas trinta e sete anos, torna-se o imperador da “Barba florida”. A lenda deforma os fatos e, para melhor expor a bravura de Rolando, quatrocentos mil sarracenos combatem vinte mil francos.

Costuma-se relacionar também esses acontecimentos históricos a Guilherme, duque de Septimânio, de Toulouse e de Aquitânia, que, em 793 foi derrotado pelos sarracenos, em Villedaigne. Em 806, Guilherme retirou-se para o mosteiro de Gellone onde morreu em odor de santidade (28 de maio de 812). O mosteiro fez sua apologia e assim foi inspirada a lenda.

5. — Os manuscritos

A versão assonante do manuscrito de Oxford (quatro mil versos em decassílabos do início do século XII) é a mais conhecida. Bédier localiza-a entre 1080 e 1134. Para Gregório, essa versão prender-se-ia ao episódio de Baligant. A de decassílabos assonantes conservada na biblioteca de São Marcos, em Veneza, está muito próxima do texto de Oxford (manuscrito IV, fundo francês). Nas versões rimadas, notamos o manuscrito de Châteauroux; outro grupo compreende textos semelhantes (manuscrito VII, São Marcos, em Veneza; Biblioteca Nacional de Lião, Cambridge.

O Rolando alemão foi escrito por Konrad (Ruolandes liet) conforme o texto de Oxford; o mesmo se dá com a versão norueguesa redigida em, aproximadamente, 1240, por ordem do rei da Noruega Haakon V (Capítulo VIII da Karlamagnussaga). Deve-se ainda registrar uma versão galesa (século XIV), dos poemas ingleses, neerlandeses, latinos (Carmen de prodicione Guenonis), ou os dois poemas de Apt em língua provençal (estudados por Mario Roques).

6. — O autor

O último verso do poema de Oxford: Ci falt la geste que Turoldus déclinet fez com que se procurasse o sentido de “déclinet” que tanto pode significar procurar, refundir ou recitar. Faral (Les jongleurs en France, 1910) mostrou essa aristocracia das clérigos menestréis. Turold seria então um “pelotiqueiro considerado autor”, provavelmente de origem normanda. Na tapeçaria de Bayeux aparece um Turold que se julgou ser um padre, beneditino de Fécamp, filho do antigo preceptor de Guilherme, o Conquistador (Génin). Tavernier pensa no bispo de Bayeux, nascido entre 1055 e 1060.

Para Boissonnade (1923), esse clérigo pelotiqueiro, de caráter independente e fé profunda, oriundo de Avranchin, teria sido o companheiro de Roger de Seis ou Sai; seus nomes são encontrados numa Carta do capítulo Notre-Dame de Tudela.

7. — Origem

Sendo a teoria das cantilenas destruída por Rajna, a crítica de Bédier parece tornar-se definitiva. A importância dos santuários situados entre Blaye e Roscenvales — la Via Tolosana — é confirmada na lenda que envolve a vida secular de Guilherme. Os louvores religiosos, conservados nos anais de 1124 com os atos de doação, certamente excitaram ainda mais a imaginação do poeta de profissão do que a magra informação contida nos anais carolíngios.

É por essa razão que Mireaux, baseando-se no Guide des Pèlerins (1140) investiga se o olifante exposto em Saint-Seurin de Bordéus existia antes da canção ou se foi originado por ela. Boissonnade liga o evento da nossa canção às empreitadas das cruzadas francesas na Espanha nos séculos XI e XII.

8. — Valor da lenda

As canções evocam personagens históricos. Para Pauphilet (Romania, LIX, 1933), o principal personagem continua a ser Carlos Magno. Mas para Mireaux, a obra de Turold visaria a glória e os desígnios de Henrique Plantageneta tornando sua a concepção cisterciense da cruzada.

Todavia, as memórias evocadas pelo autor são as que mais nos interessam. Mário Roques (Romania, n.o 263, julho de 1940), mostrou a preocupação do poeta perante as verdades materiais e psicológicas. É enfim uma obra de criação poética na qual os temas tornaram-se imortais.

Essa lenda simboliza também as guerras efetuadas por Carlos Martel e principalmente as de Carlos Magno a fim de realizar a unificação do catolicismo; para agradecê-lo por este fato, o Papa Leão III coroou Carlos Magno imperador, no dia de Natal no ano 800.

9. — Sucessão literária

Se A. Fabre (campeão 1941) mostrou que La chanson de Roland era a origem e a base da Chanson de Sainte-Foy, Le dit de la bande d’Igor é o tema russo em homenagem aos “príncipes que se bateram pelos cristãos contra os exércitos pagãos”.

O assunto inspira o romance de Gabien, as Conquestes de Charlemagne de David Aubert. Mas depois de Spagna, o Morgante de Pulci (1485) dirige Rolando para o burlesco. O ideal mundano aparece mais desenvolvido no Roland amoureux. Mas Boiardo falece (1494) deixando sua obra inacabada. Ariosto vê apenas em Rolando um amante enganado, mas seu Roland furieux (1516-1532) influencia Mairet; Quinault (1685) compõe com a música de Lully. Vigny, ao escrever Le cor (1825) pensa na narração de Turpin; Monin (1832) atrai a atenção dos letrados com seu Roman de Roncevaux, enquanto Francisque Michel estudava o manuscrito de Oxford.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Trova LXXV - Antonio Manuel Abreu Sardenberg (São Fidélis/RJ)

Montagem da trova sobre arte de Nelli Neto e desenho do site de Sardenberg

Claudia Schroeder (Caldeirão Literário do Rio Grande do Sul)



JANTAR

A música estranha
o vinho pálido-branco
o aspargo
a couve-chinesa
(o menu para um a francesa).
Ah, como são tristes
os pratos
de porção única
quando há espaço
para dois
na mesa.

Esta poesia obteve o segundo lugar no Concurso de Poesias Helena Kolody 2009
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PÁLPEBRAS

Quando as pálpebras dobram duplamente
é porque estou velha.
É porque estou anja, calejada, já eterna.
É porque sou passada do tempo
mesmo que o cônjuge me ache linda
ao vento.
Quando o espelho mostra que o meu piscar
faz duas dobras
eu vejo tudo o que sobra
tudo o que fica
e o que me conforta.
Vejo que o tempo não passou:
está passando
bem na minha porta.
Mas não tenho mais fôlego
para trocar de endereço.
Ele me acha, mesmo assim:
tem um pacto com os correios dos anos.
E então eu tento não piscar resoluta
para que as pálpebras não se dobrem
absolutas.
Mas elas o fazem bem no risco
entre a sombra
e a pele virgem:
uma dobra entre a fronteira da maquiagem
e da estiagem
do tempo sobre a minha pele.
Quando há dobras nas pálpebras
o meu eu se dobra
para o tempo
agora.
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EM BRANCO

As minhas canetas sem carga
deixaram tudo em branco:
os bilhetes
as cartas
o papel da pipoca perdido no banco.
Só podiam ver o escrito
tocando os dedos.
(O afundar da ponta da caneta sem tinta
deixou escrito o que eu tinha a dizer:
todos os meus segredos.)
E a vida ficou em braile às avessas.

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Sobre a Autora
Claudia Schroeder é publicitária de formação e escritora de coração. Publicou um livro aos 14 anos e outro aos 17 na sua cidade natal, no interior do Rio Grande do Sul. Contribuiu com revistas e foi colunista de um jornal da mesma cidade dos 16 aos 19 anos. Expôs seus quadros em 2004 e em 2005 expôs textos, poesias e pinturas na Exposicão P.O.A – Pacífico Oceano Atlântico, projeto de Claudia e do artista plástico chileno Jorge Moraga em Santiago do Chile e em 2006, na Galeria de Arte do DMAE em Porto Alegre. Foi uma das criadoras da primeira Galeria Virtual de Arte do Brasil, que não está mais no ar. Hoje é Gerente de Criação de uma agência de propaganda, mas continua escrevendo poemas, romances, pequenos textos e poesias infantis.
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Fontes:
Secretaria de Cultura do Paraná.
http://pequenamorte.com/
Imagem = http://www.vale9conto.com.br

José Neres (O “boom” da Literatura Maranhense”)


Não é nenhum exagero afirmar que até a terceira década do século XIX não se pode falar em literatura maranhense, embora haja registros históricos de produção poética no Maranhão, principalmente em São Luís. Tudo, porém, feito de forma assistemática, sem o mínimo interesse de atingir as demais regiões brasileiras.

Data de 1832 o poema que oficialmente dá início ao “boom” da literatura maranhense. Trata-se de “Hino à Tarde”, de autoria de Odorico Mendes. Sílvio Romero, declara sobre tal poema que nunca o pôde “ler sem boa e saudosa emoção”. A partir daí, o Maranhão, que era aparentemente uma terra sáfara para as letras começa a produzir uma boa quantidade de escritores de grande talento, chegando sua capital a receber o honroso epíteto de Atenas Brasileira, em homenagem à quantidade e à diversidade de valores intelectuais surgidos em tão pouco tempo.

Tão importante é a produção literária do Romantismo maranhense na vida literária brasileira que José Veríssimo, um dos mais exigentes críticos da literatura nacional, dedica todo o décimo primeiro capítulo de seu mais importante livro ao estudo dos valores artísticos do Maranhão, tecendo elogiosos comentários às publicações de Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes, Lisboa Serra e Franco de Sá. O título do referido capítulo não poderia ser mais sugestivo: “Gonçalves Dias e o Grupo Maranhense”.

Na mesma época, Sílvio Romero, em sua História da Literatura Brasileira, não poupa páginas ao escrever sobre os românticos maranhenses, tratando de forma especial a produção de Joaquim Serra, Trajano Galvão, Gentil Braga e Sousândrade, além de também estudar os nomes já assinalados por José Veríssimo. O ilustre crítico sergipano chama mesmo a afirmar que “ o Maranhão é uma de nossas províncias onde o espírito popular é mais vivaz”, mas reconhecendo também a diversidade cultural e intelectual da província, já que os escritores eram tão diferentes que “o laço que os prende é terem nascido na mesma terra e vivido quase todos no mesmo tempo”.

Mas não foram apenas os escritores citados acima que mereceram destaque dentre os tantos que participaram do Grupo Romântico Maranhense. Merecem citação também Maria Firmina dos Reis, nossa primeira escritora, autora do, infelizmente, quase desconhecido romance Úrsula; Antônio Henriques Leal, brilhante biógrafo, a quem se deve farto material sobre a vida e a obra dos principais intelectuais do século XIX; José Cândido de Morais, o Farol, combativo jornalista que, dono de um estilo vibrante, desafiou os poderosos da época; Joaquim Gomes de Sousa, um dos maiores matemáticos do Brasil; Belarmino de Matos, o famoso tipógrafo que imprimiu grande parte das obras de seus contemporâneos; e tantos outros intelectuais, que não se limitavam à arte literária, mas sim compunham um verdadeiro quadro cultural de múltipla abrangência.

Desse belo momento da história literária do Maranhão não restaram apenas saudades, mas também inúmeras obras que continuam despertando o interesse tanto dos que lêem por diversão como dos que pesquisam as letras nacionais. Além dos Cantos de Gonçalves Dias, do Guesa (de Sousândrade), do Pantheon Maranhense (de Henriques Leal), do Jornal de Timon (de João Lisboa) e das eruditas traduções de Odorico Mendes, muitas outras obras merecem leituras e estudos. É o caso de, por exemplo, de A Casca da Caneleira, novela organizada por Joaquim Serra, mas que foi escrita a 22 mãos, contando com capítulos escritos por Gentil Braga, Raimundo Filgueiras, Marques Rodrigues, Trajano Galvão, Sotero dos Reis, Henriques Leal, Dias Carneiro, Sabbas da Costa, Caetano Cantanhede, e Sousândrade, além do organizador do volume; do romance Úrsula, que marca um novo modo de abordar o negro na ficção e dos poemas sertanejistas de Trajano Galvão e Gentil Braga.

Também devem ser lidas as peças teatrais de Gonçalves Dias, principalmente Leonor de Mendonça, reconhecida por Décio de Almeida Prado como uma das melhores produções da dramaturgia nacional.

Aquele áureo período não mais voltará. Vale a pena, porém, como resgate do momento áureo do Maranhão, reproduzir algumas das palavras de José Veríssimo, ao comparar os poetas maranhenses do Romantismo com os fluminenses do mesmo período literário. O crítico paraense, após enumerar os cinqüenta e dois membros do nosso Grupo Romântico diz:”O que o situa e o distingue na nossa literatura e o sobreleva a essa mesma geração é a sua mais clara inteligência literária, a sua maior largueza espiritual. Os maranhenses não têm os blocos devotos, a ostentação patriótica, a afetação moralizante do grupo fluminense, e geralmente escrevem melhor que estes.”

Fonte:
José Neres. Literatura Maranhense. Disponível em http://joseneres.sites.uol.com.br/

Odorico Mendes (Hino à Tarde)



Que amável hora! Expiram os favônios;
Transmonta o Sol; o rio se espreguiça;
E, a cinzenta alcatifa desdobrando
Pelas azuis diáfanas campinas,
Na carroça de chumbo assoma a tarde...
Salve, moça tão meiga e sossegada;
Salve, formosa virgem pudibunda,
Que insinuas cos olhos doce afeto,
Não criminosa abrasadora chama!
Em ti repousa a triste humana prole
Do trabalho do dia, nem já lavra
Juiz severo a bárbara sentença,
Que há de a fraqueza conduzir ao túmulo.
Lasso o colono, mal avista ao longe
A irmã da noite coa-lhe nos membros
Plácido alívio: — posta a dura enxada,
Limpa o suor que em bagas vai caindo..
Que ventura! A mulher o espera ansiosa
Cos filhinhos em braço, e já deslembra
O homem dos campos a diurna lida;
Com entranhas de pai ledo abençoa
A progênie gentil que a olho pula.
Não vês como o fantasma do silêncio
Erra, e pára o bulício dos viventes?
Só quebra esta mudez o pastor simples,
Que, trazendo o rebanho dos pastios,
Coa suspirosa frauta ameiga os bosques...
Feliz! que nunca o ruído dos banquetes
Do estrangeiro escutou, nem alta noite
Foi à porta bater de alheio alvergue.
Acha no humilde colmo os seus penates,
Como acha o grande em soberbões palácios.

Ali também no ouvido lhe estremecem
De mãe, de amigo os maviosos nomes;
Conviva dos festins da natureza,
Vê perfazerem-se as funções mais altas:
— O homem nascer, morrer, e deixar prantos...
Agora ia entre prados, após Laura,
O ardido vate magoando as cordas;
E a selvática virgem, recolhendo
A grave dor cristã, que a assoberbava
Do mancebo cedia à paixão nobre,
Grande e sublime, como os troncos do ermo...
Ai! mísera Atalá!... mas rasga o fogo,
E o sino soa pelas brenhas broncas.
Tarde, serena e pura, que lembranças
Não nos vens despertar no seio d'alma?
Amiga terna, diz-me, onde colhes
O bálsamo que esparges nas feridas
Do coração? Que apenas dás rebate,
Cala-se a dor; só geras no imo peito
Mansa melancolia, qual ressumbra
Em quem sob os seus pés tem visto as flores
Irem murchando, e a treva do infortúnio
Ante os olhos medonha condensar-se.
Longe dos pátrios lares, quem não sente
Os arrebóis da tarde contemplando
Um súbito alvoroço? Então pendíamos
Dos contos arroubados que verteram
Propícios deuses nos maternos lábios;
E branda mão apercebia o berço
Em que ternos vagidos
Infausto anúncio de vindouras penas.
Sobre o poial sentada a fiel serva
Que vezes atentei chamando ao pouso
A ave tão útil que arrebanha os filhos,
E adeja e canta, e pressurosa acode!
Coa turba de inocentes companheiros,
Agora sobre a encosta da colina,
A casta Lua como mãe saudávamos,
E suplicando que nos fosse amparo,
Em jubilosa grita o ar rompíamos.
Mas da puerícia o gênio prazenteiro
Já transpôs a montanha; e com seus risos
Recentes gerações vai bafejando.
A quem ficou a angústia que moderas,
Ó compassiva tarde? Olha-te o escravo,
Sopeia em si os agros pesadumes:
Ao som dos ferros o instrumento rude
Tange, bem como em África adorada,
Quando (tão livre) o filho do deserto
Lá te aguardava; e o eco da floresta,
Da ave o gorjeio, o trépido regato,
Zunindo os ventos, murmurando as sombras,
Tudo, em cadência harmônica, lhe rouba
A alma em mágico sonho embevecida.
Não mais, ó musa, basta; que da noite
Os pardos horizontes se tingiram,
E me pesa e carrega a escuridade.
Oh! venha a feliz era que da pátria
Nessas fecundas, dilatadas veigas
Tu mais suave a lira me temperes
Da singela Eponina acompanhado
Na escura gruta que nos cava o tempo
Hei de ao vale ensinar canções melífluas
Nos lindos olhos, nos mimosos beiços,
Nos alvos pomos, no ademã altivo
Irei tomar as cores que retratem
Da natureza os íntimos segredos.
Do ardor da esposa; do sorrir da filha;
Do rio que espontâneo se oferece
Da terra que dá fruto sem o arado
Da árvore agreste que na densa grenha
Abriga da pendente tempestade
A sobreolhar aprenderei haveres,
A fazer boa sombra ao peregrino,
A dar quartel a errado viandante
Lá estendendo pelos livres ares
Longas vistas, nas dobras do futuro,
Entreverei o derradeiro dia...
Venha; que acha os despojos do homem justo
Ó esperança, toma-me em teus braços;
Com a imagem da pátria me consola!
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte VIII



CAPÍTULO III

AS CANÇÕES DE GESTA

As canções de gesta nasceram na excitação religiosa e guerreira; os frades e os prestidigitadores desenvolveram seu suporte histórico, a ficção embrionária num objetivo preciso. Não são obras coletivas; gentes de ofício fixaram uma obra maduramente pensada. Bédier demonstrou a influência exercida pela vida dos santos, e a marcha dessas epopéias nas vidas dos santuários; pois que essas obras morais deviam reter e “explorar o peregrino”.

1. — Histórico das teorias sobre a origem

1. Em 1830, para Fauriel, Wolf, Herder e Edgar Quinet, a lenda vem de um canto popular contemporâneo ao evento histórico. A poesia nasceu espontaneamente; esses contos são “Ilíadas em potência”

2. Os irmãos Grimm “germanizaram” as canções de gesta. Essa poesia popular exprime a alma da coletividade; não é escrita por um poeta, mas pelo povo. Os escribas apenas a coletaram. J. J. Ampère é da mesma opinião;

3. Em 1835, Leroux de Lincy denomina de Cantilenas os velhos cantos populares. Essa teoria das origens faz parte do ensino com as Histoires de la littérature française de Demogeot (1851) e de Gérusez (1852);

4. Gaston Paris admite essa origem mas controla os cantos que seriam de origem merovíngia e não tudesca;

5. Em 1884, Pio Rajna mostra que a canção de gesta é o término da epopéia merovíngia herdeira da epopéia franca; foi adaptada somente para a aristocracia germânica. (Carlos Magno fala alemão). Rajna arruina a teoria das cantilenas e mostra que a epopéia era composta de longos poemas estruturais. Mayer conserva a tradição oral, Gaston Paris, a noção do canto lírico-épico;

6. Bédier observa a importância dos santuários situados nas estradas das grandes peregrinações que conduzem para São Tiago de Compostela. Assim sendo, a igreja é o berço das canções de gesta. que nada mais são do que “a história poética de uma estrada”. Bédier traçou a “estrada dos santuários”. A chanson de Fierabras foi composta pela abadia de Saint-Denis para que melhor se venerasse o Cravo da Cruz e a Coroa de Espinhos do Cristo.

2. — Situação dos ciclos

Indicamos sumariamente a composição de três ciclos principais:

A) Gesta do rei Carlos Magno — É o ciclo mais nobre; narra guerras santas efetuadas pelo Imperador. A título de indicação citaremos como a mais antiga canção de gesta a Chanson de Roland.

Observemos a descrição das guerras santas: Da Itália (Canções d’Aspremont, d’Otinel, as Canções Enfances d’Ogler, de Balan, de Jean de Lanson, de Bete et Milon); da Palestina (Canção de Miran, Pèlerinage à Jerusalém, o Chevalier au Cygne, Chanson d’Antioche); da Bretanha a fim de libertar as sete igrejas (Chanson d’Aiquin); contra os Saxônios (Chanson de Saisnes); da Espanha (Chanson de l’Entrée en Espagne, de La prise de Pampelune, de Pierabras, e d’Agolant, de Roland, de Galien, d’Anseis).

B) A gesta de Garin de Monglane — São as pesquisas de Luis, filho de Carlos Magno, apoiado pelo cavaleiro Guilherme. Não tratando deste ciclo, daremos alguns dados.

1. O coroamento de Luís — Poema do século XII que marca a chegada de Luis em Aix-la-Chapelle. Guilherme Fierebrace — o verdadeiro herói — combate até Corsolt, o gigante. Cogitou-se historicamente no conde de Toulouse, Guilherme, que foi defensor das marchas meridionais contra os sarracenos. Ao retirar-se para o mosteiro em 806, tornou-se São Guilherme do Deserto; nossos dados limitam-se a esta descrição. Guilherme morreu antes do coroamento de Luís.

2. O carreto de Nimes — Por ocasião da distribuição de méritos e feudos, Guilherme foi esquecido pelo rei. Reivindica então o direito de conquistar a Espanha e o reinado de Nimes. Penetra em Nimes disfarçado num vendedor de barris de sal onde estão escondidos, na realidade, seus soldados. (O que nos faz lembrar o cavalo de pau da Ilíada ou As mil e uma noites).

Guillaume au court nez (Guilherme de nariz curto) é um herói popular; a narração é truculenta, pitoresca e cômica. Notemos o episódio da morte do cavaleiro Renouart no qual o autor pensa no ciclo arturiano ao falar da fada Morgana e do rei Artur. Guilherme está ainda presente na Prise d’Orange (Tomada de Orange), Aliscans.

Os ascendentes de Guilherme estão presentes com:

1. Aymeri de Narbonne — Cinco mil versos decassilábicos atribuídos a Bertrand de Bar-sur-Aube (Princípio do século XIII), divididos em cinco manuscritos anônimos. Aymeri, depois de haver conquistado Narbonne partiu para a Itália a fim de desposar Hermengarda, irmã do rei dos Lombardos. Deve reconquistar dos sarracenos aquilo que lhe pertencia.

Com o Département des enfants d’Aymeri vemos a luta de seus sete filhos contra os sarracenos. Aymeri morre combatendo os Centauros (os Sagitários); seus quatro mil versos têm o titulo La mort d’Aymeri de Narbonne.

Victor Hugo lembrou-se dessa lenda em Aymerillot (A lenda dos séculos).

2. Girardo de Viena — Durante sete anos Girardo é sitiado em Viena por Carlos Magno. Oliver combate ao lado de Girardo. Ora, Rolando apaixona-se por Aude, irmã de Oliver. A fim de terminar a guerra, Rolando e Oliver empenham-se num combate implacável; um anjo aparta os combatentes e Rolando esposa Aude.

Baseado nesse tema, Victor Hugo escreve Le mariage de Roland (O casamento de Rolando), La Légende des siècles (A lenda dos séculos).

Mas os descendentes de Guilherme deram origem a: Les enfances de Vivien (As infâncias de Vivien), Foucon de Candis, La batalhe Loquifer (A batalha Loquifer), Rénier enquanto que seus irmãos estão presentes no Bovon de Commarcis, Le siége de Barbastre (O sitio de Barbastre), Guibert d’Andrenas ou La prise de Cordoue (A tomada de Córdoba). C) A gesta de Doon de Mogúncia — É a narração da revolta dos cavaleiros rebeldes de Carlos Magno. Estudaremos melhor na Chevalerie d’Ogier os Quatre fils Aymon (Os quatro filhos Aymon), lenda justamente célebre e que é prosseguida por Maugis d’Aigremont e La mort de Maugis (A morte de Maugis).

O orgulho, a loucura, o exagero formam o fundo dessas canções onde rancores imperdoáveis nasceram (Chanson d’Aubri le Bourguignon, de Basin, de Girard de Roussillon, de Gormond). Mas, às vezes, os barões já não lutam contra Carlos Magno e sim entre si (Raoul de Cambrai, Les Lorrains).

Observemos que a história de Gormond e Isambard foi composta pelo, abade Hariulf, em 1088, conforme a crônica de Saint-Riquier. É pois ainda um santuário que guardou a tradição doa invasores escandinavos que ameaçaram a França em 879. E exato que um dos Wikings se chamava Gormond, que seus bandos devastaram Ponthieu em 2 de fevereiro de 881, e que no dia 3 de agosto de 881, Luis III os desalojou. As crônicas anglo-saxônicas mencionam um Gormond estabelecido em Circester em 879 e um clérigo cometeu o contra-senso de confundir os dois Gormond.

D) Finalmente os empresários dos espetáculos desejaram satisfazer os públicos mais vulgares. As canções de gesta se transformaram em melodramas. Surgiu o tema da inocência perseguida (Elie de Saint-Gilles, Doon de La Roche...), o das damas oprimidas (Berthe aux grands plods, Les enfances Doon, Orson de Beauvais). São peças moralistas onde se assiste ao castigo do crime.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Trova LXXIV - Isabella Sartori Decarli (Bandeirantes/PR)

Imagens obtidas na internet com montagem de José Feldman

Nilto Maciel (A Arca)


De longe, avistei a aglomeração, e a curiosidade me arrastou para ela. Talvez algum mágico estivesse a encantar a pequena multidão. Podia tratar-se de comício, também. Avancei mais curioso, atento aos aplausos e modos daquela gente. Não, ninguém engabelava ninguém, e todos vestiam trapos sujos. Um cheiro de lixo mandou-me dar meia volta e volver. Porém meus olhos queriam inventar o mágico ou o político, e me grudaram às costas do último molambudo.

– Morreu galego?

O bruto fez ouvidos de mercador. Refiz a pergunta, de trás para frente, a rir de mim mesmo. Você me respondeu? Nem ele. Como podia estar muito distraído, toquei-lhe o braço, com ira. Não se virou, mas desfiou um metro de porcarias. Só depois virou a cabeça para trás e me fitou demoradamente. Dei um passo para a esquerda e postei-me às costas de um que bodejava e erguia os braços. Que diabo! Um terceiro, cheio de rugas e cãs, não parava de rir. Mais outro olhou-me. De seus olhos vermelhos escorria muita água. Aquilo já me assustava e perturbava. Não, não me amedrontava. Ora, nenhum daqueles coitados parecia ofensivo. E menos eu compreendia onde me achava. Claro, diante de uma casa em formato de arca, metido no meio de um magote de mazelentos. E no interior da tal arca? Saí a pedir licença a um e outro, a abrir alas, até alcançar a porta. O porteiro sorriu-me e convidou-me a entrar. Que alívio! Pacatos e inteligentes frequentadores de exposições fumavam e parolavam, requintadas senhoras furoavam intrigas entre si, bisonhos críticos parodiavam-se, risonhos e educados todos, bem vestidos e corados, alvos e adornados.

Dirigi-me a um gorducho de cara e jeito de sabido e indaguei o significado daquela multidão lá fora. Ele não me soube dar resposta, encenou uma exposição de motivos sobre o que acontecia do lado onde se achava. Ouvi por três vezes a palavra tranquilidade. Como eu lhe virasse o rosto, indicou-me um respeitável senhor sentado a um birô. Parti no rumo do venerando homem e repeti a pergunta. Para quê? Ele se enfureceu. Porém, antes de me agredir, levantou-se, como se despertasse de um sonho bom, e se disse sentir-se obrigado a ir chamar a polícia. E pôs-se a andar de um lado para outro. “Ora, são os mazelentos de segunda, terceira e quarta categorias que desejavam ser expostos. Impossível! Não adianta esse protesto absurdo. A exposição é de mazelas de primeira ordem, conforme o senhor pode ver.” E apontou para as quatro paredes. Só então percebi as peças expostas. A arca havia sido construída especialmente para a exposição. Relacionou os nomes das mazelas principais, representadas ali por figuras humanas. Agradeci as informações e juntei-me aos demais frequentadores. Remirei-os. Diante das peças expostas, trocavam opiniões. Uma lustrosa senhora, diante de um homem vestido de chagas, suspirava: “Maravilhoso! Maravilhoso! Maravilhoso!” Tentei ser polido e voltei-me para a exposição em si. Pernetas, manetas, coxos, cegos, leprosos, anões, gigantes, deformados compunham a galeria de mazelentos. Não seriam estátuas, manequins de gesso, plástico, bronze? Só então relacionei os protestos da multidão do lado de fora à explicação do diretor da Exposição. Sim, o chagado se retorcia. Logo, a amostra se constituía de seres vivos. Cheguei a deixar transparecer minha emoção. “Ah! estão vivos?” Um prestimoso senhor tratou de me ensinar que “logicamente, pois é a Primeira Exposição de Mazelas. De nada valeriam elas, se não fossem em seres humanos.” Procurei atenuar minha ignorância. Aqueles pedestais, as poses, a rigidez das figuras, tudo dava a impressão de estarmos diante de imagens, como as de museus, igrejas, jardins. O homem deixou-me a falar só, e eu terminei fugindo dos o lhos do outro – o exposto.

Adiante, outro mazelento sorria para uma criança, que o admira va. Ria e fazia trejeitos, caretas, mungangos. O rico menino encabulou-se e dirigiu-se ao pai: “Olhe, ele está rindo para mim.” Ao que o pai respondeu, asperamente: “É um mentecapto. Não se preocupe.” Noutro estande, um hermafrodita servia de motivo à briga de dois intelectuais a discutirem deuses e deusas. Para meu espanto, falavam ora em latim, ora em grego. E se maculavam disso e daquilo, entre risinhos e citações épicas, piscadelas e expressões vulgares: cachorro da moléstia, filho de uma égua, cabra da peste.

Eu, mal entendedor, tratei de pular fora daquilo, antes do dilúvio.

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/

Antônio da Conceição Ferreira (Projeto Cultura no Ônibus em Brasília)

Ciente de que a cultura é um fator de grande importância para a formação do cidadão, para que o homem tenha consciência de si mesmo, para construção do conhecimento, para o entretenimento, para a estruturação de uma sociedade mais igualitária e competitiva e conhecedor de um fato, no mínimo alarmante, de que os brasileiros não possuem o hábito de ler e em muitos casos não compreendem o que lêem, resolvi criar uma proposta que tem como principal objetivo o incentivo à leitura, entendimento, escrita e divulgação da cultura.

Outro aspecto da minha proposta é que os locais escolhidos para oferecer cultura através da leitura são os ônibus do Sistema Coletivo do Distrito Federal, com o intuito, inclusive, de tornar mais aprazível o deslocamento das pessoas que utilizam esse tipo de transporte.

Objetivos

O objetivo central do Projeto é incentivar a leitura, a escrita, o entendimento, ampliar os lastros culturais e proporcionar acesso a livros em coletivos.

* Proporcionar aos usuários do transporte coletivo ampliação de seus lastros culturais e a oportunidade de entretenimento, a diversão salutar e descobrimento do maravilhoso mundo da leitura;
* propiciar mais comodidade e tornar mais prazerosas as viagens de ônibus no Distrito Federal;
conceder condições de diversão e novos aprendizados aos usuários de transporte coletivo;
* incentivar o entendimento e a escrita através da proposta de que os leitores que se interessarem produzam resumos dos livros que acabaram de ler. Isso fará com que esses resumos sejam utilizados por outros leitores que terão uma iniciação na leitura através de textos compilados e menores;
* transformar o espaço dos ônibus em verdadeiros pontos de cultura e lazer;
* encontrar e gerar alternativas de sustentação financeira para a viabilização e reaplicação do Projeto;
* oferecer às crianças não-alfabetizadas livros infantis com ilustrações e gibis, para despertar desde cedo o prazer pela leitura;
* promover campanhas para arrecadação de livros e materiais escolares que serão doados a alunos carentes da rede pública de ensino;
* promover ações de arrecadação de livros para ampliação do acervo;
* estabelecer parcerias com livrarias e bibliotecas com o intuito de ampliar e atualizar o acervo disponível, com a contrapartida de divulgar essas instituições dentro dos livros (através de marcadores de páginas) ou mesmo no porta-livros, através de cartazes ou outra divulgação.

Metas

Estabelecer um porta-livros em pelo menos um ônibus de cada linha (destino) da rede de transporte coletivo do Distrito Federal.
Atender 1000 crianças (em caráter inicial) para serem beneficiadas com as doações de material escolar e livros recolhidos dentro dos próprio coletivos, em campanhas de conscientização de usuários e arrecadação.

Desenvolvimento da idéia.

* Serão instalados porta-livros móveis, com capacidade aproximada para 40 peças (entre livros e revistas) dentro dos ônibus;
* serão cadastrados dentro dos ônibus todos os interessados e após esse cadastro será permitido o acesso às obras;
* O usuário terá duas opções (mediante cadastro):
- ler dentro do próprio ônibus ou
- tomar o livro por empréstimo;
* serão disponibilizados espaços publicitários (incluindo os próprios livros através de marca-páginas) para empresas interessadas em apoiar o projeto, que poderão utilizar como ferramentas para divulgação de seus produtos, respeitando sempre a legislação vigente e primando pela ética e pelo bom senso;
* serão criados depósitos centrais nas cidades satélites para armazenamento do acervo a ser colocado nos ônibus. Aos voluntários caberá a atualização dos porta-livros, preferencialmente pela manhã.

Sobre o Idealizador do Projeto

Antônio da Conceição Ferreira
36 anos de idade, nascido no Maranhão e chegou ao Distrito Federal no ano de 1993, vindo de uma família de humildes agricultores. Estudou em escolas públicas, superando grandes dificuldades, tendo por vezes apelado a colegas para conseguir livros e materiais emprestados para que pudesse seguir com seus estudos. Sempre foi ligado à leitura, apesar de não haver um incentivo a isso nas instituições onde estudou.

Não possui formação superior mas pretende avançar com seus estudos até atingir esse objetivo.
Conhece os benefícios que a leitura proporciona ao ser humano e também a dificuldade que as pessoas de baixa renda têm para adquirir livros e terem acesso à cultura.

Trabalha desde o ano 2000 em uma empresa de transporte coletivo na função de cobrador. Nesse contexto convive diariamente com pessoas humildes, estudantes em busca de seus sonhos, crianças, adolescentes e adultos que muitas vezes percorrem grandes distâncias para irem estudar, trabalhar, passear e que permanecem entre quarenta minutos e uma hora e meia dentro do ônibus, sem opção alguma de lazer ou entretenimento.

Tem dois filhos e busca diariamente incentivá-los a ler, estudar e produzir conhecimento, pois sabe que sem cultura em um ambiente competitivo, como é o mundo de hoje, eles não terão grandes possibilidades de se realizarem.

Acredita muito na leitura como forma de mudança social e busca cada vez mais difundir esse maravilhoso hábito.

Fonte:
http://culturanoonibus.blogspot.com/

Márcia Denser (Eu me amarro em livros de contos!)

Uma revista pediu a vinte escritores brasileiros (eu incluída) a lista dos dez melhores livros de contos. Escritos em qualquer época, em qualquer língua. No fundo é aquela bibliografia de sustentação do escritor - os livros que ele relê – e que possui um caráter quase imutável, permanente, eterno. Falando francamente nem sempre posso atender a esse tipo de solicitação – e para mim já são muitas, vocês nem imaginam – contudo alguma mola secreta deve ter sido acionada porque parei, pensei puxa, dez livros de contos? eu me amarro em livros de contos! De forma que uma hora depois estava feito.

A lista:

1 - Todos os Fogos, o Fogo de Júlio Cortázar.
Este livro é a suma da contística cortazariana - e JC contista se insere entre os melhores do mundo na literatura contemporânea – sobretudo quanto ao exercício duma técnica refinadíssima posta a serviço da originalidade, o que dá textos como A auto-estada do sul, Senhorita Cora, A Ilha do Meio-Dia, o conto título.

2 - Ficções de Jorge Luís Borges.
Bom, este é outro. Suma da contística borgiana que, por sua vez, é um dos melhores do mundo, etc. Maravilha da ficção posto que escrita em forma de ensaios. Apócrifos. Hilariantes. Impagáveis. Divinos.

3 - Música Para Camaleões de Truman Capote.
Neste livro, TC, talvez sem o saber (sem premeditar), dá o melhor de si, confiram Mojave, Pequenos Ataúdes,Um dia de trabalho ou Olá, Desconhecido: simplesmente brilhantes!

4 - Nove Histórias de J.D. Salinger.
Quando se é mais jovem, mais inexperiente, se gosta mais. Depois, hum, nem tanto. Salinger tem umas obsessões, umas exclusões, um jeito ianque e judeu demais de ser mascarado. Mas continua terrivelmente eficiente, podem apostar. Irretocável. Foi a "tecnologia do futuro" em matéria de diálogos. Ainda é. Foi também a evolução de Hemingway que, devido a J.D., saiu da minha lista.

5 - Feliz Ano Novo de Rubem Fonseca.
Zé Rubem é, de longe, o grande contista brasileiro contemporâneo. Beneficiando-se da leitura acumulada dos"tough writers" - os escritores durões - constitui o esplendor da nossa prosa urbana em sua intensidade máxima. A merda que, graças ao mercado editorial, depois só produziu romances idiotas, vazios, tijolaços cheios de nada. Desses que só servem para escorar os outros livros na estante. Meu Zé, meu Rubem.

6 - O Aleph de Jorge Luís Borges.
Por que nessa coletânea se inclui aquele que considero a obra-prima de JLB: O Imortal.

7 - Três Contos de Gustave Flaubert.
A leitura de Herodíade é absolutamente necessária para qualquer um que se julgue escritor.

8 - Alguém Que Anda Por Aí de Júlio Cortázar.
Um dos últimos do grande mestre. Experimente Queríamos tanto a Glenda e o conto título. Dum refinamento abissal.

9 - Notas da Arrebentação de Marcelo Mirisola.
Mirisola é o grande prosador brasileiro que surge nos anos 90, genial, intuitivo. Sua proeza maior? Elevar o clichê, o banal, todo o lixo verbal produzido pela cultura de mercado à categoria de fenômeno estético. Por mim, o sujeito já podia quebrar o lápis e parar!

10 - Histórias dos Mares do Sul de Somerset Maugham.
Para quem gosta de literatura, a escolha é óbvia. Pensem em Chuva, Mackintosh, Honolulu! Mas para quem não gosta, azar, não vou ter saco de explicar!

Muita gente vai estranhar as ausências de William Faulkner – meu favorito mas um desastre como contista – e James Joyce por Retrato dum artista quando jovem, seu único livro de contos – que não inclui mesmo porque não quero me fazer de besta, nem posar de culta.
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Sobre a Autora

Márcia Denser é paulistana. Publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.

Fontes:
http://www.cronopios.com.br/
Imagem = montagem de José Feldman

Lisboa distribuirá livros nos ônibus para incentivar leitura



A primeira leitura será distribuída no próximo dia 19 e se trata de um capítulo do livro Querido Gabriel, uma carta de um pai a um filho que sofre de autismo, do escritor norueguês Halfdan Freihow.

A empresa pública de transporte de Lisboa Carris e a editora Objetiva lançaram uma iniciativa para distribuir capítulos de livros nos ônibus da capital portuguesa com o objetivo de aumentar o número de leitores.

A primeira leitura será distribuída no próximo dia 19 e se trata de um capítulo do livro Querido Gabriel, uma carta de um pai a um filho que sofre de autismo, do escritor norueguês Halfdan Freihow. O livreto terá 16 páginas e será produzido em formato de bolso (10x15cm), informa a BBC Brasil.

Segundo Alexandre Vasconcelos e Sá, da Objetiva, serão distribuídos 25 mil livros com capítulos ou trechos de livros que a editora está lançando.

Ele explica que o livreto distribuído no transporte público funciona como um “aperitivo”, impulsionando o leitor e usuário do transporte a comprar o livro.

O objetivo, segundo Alexandre, é aumentar o número de leitores em Portugal. Atualmente, Portugal é o país com menor número de leitores da União Europeia. Ele disse que, de acordo com as estatísticas, 54% dos portugueses não leem livros.

A empresa de transportes portuguesa tem 750 ônibus e 55 bondes que transportam diariamente 600 mil passageiros.

A editora investirá de 3 mil euros (R$7,7 mil) para cada livro e a empresa Carris ficará encarregada da distribuição.

Outras obras

Segundo a editora, a distribuição será direcionada e feita com base nos estudos de tráfego da empresa transportadora. Dessa forma, é possível identificar quais as linhas que transportam mais turistas, idosos, jovens, além dos horários de maior movimento para direcionar a leitura que mais interessaria os usuários.

A lista das obras que serão publicadas e distribuídas nos ônibus de Lisboa já está definida. Depois da obra de Freihow, em dezembro será a vez de um trecho do livro A Estirpe, do cineasta mexicano Guillermo del Toro. A lista inclui ainda um título brasileiro, "Eu que amo tanto", da jornalista Marília Gabriela.

De acordo com a Carris, a parceria com a Objetiva faz parte de uma tentativa de fazer com que mais pessoas passem a deixar o carro em casa para andar em Lisboa. Segundo a empresa este é apenas um de vários projetos que têm a meta de mudar a imagem da transportadora, para fazer com que as pessoas usem mais o transporte público.

Outro investimento da empresa é ter perfumes nos ônibus. Nos veículos novos, estão sendo introduzidas três fragrâncias, com cheiros típicos portugueses: canela, manjericão e o cheiro do Rio Tejo.

Fonte:
http://www.portugaldigital.com.br/

Adolfo Caminha (1867 - 1897)



Adolfo Caminha (Aracati, 1867 - Rio de Janeiro, 1897), sempre lembrado como o criador de romances exponenciais do naturalismo, como A Normalista e Bom-Crioulo, escreveu contos de alta qualidade. Integrou a Padaria Espiritual no primeiro ano da agremiação.

Segundo Sânzio de Azevedo, no ensaio “Uns Poucos Contos”, do livro Adolfo Caminha (Vida e Obra), o autor de Tentação teria deixado 15 contos, informação colhida em Gastão Penalva. Esses contos são “Velho Testamento”, “A mão de mármore”, “Pesadelo”, “Minotauro”, “O exilado”, “Flor do vício”, “A última lição”, “Estado d’alma”, “No convento”, “O beijo”, “Elas”, “O grumete”, “Joaninha”, “Amor de fidalgo” e “Vencido”. Destes, somente 11 foram reunidos em livro, em 2002, por Sânzio de Azevedo, sob o título Contos, pela Editora da UFC, precedido de um ensaio do mesmo estudioso: “Onze Contos de Adolfo Caminha”.

Na primeira narrativa o protagonista divide o espaço e o tempo com Virgínia. O espaço do presente (momento da narração) é uma sala, um atelier de escritor, e nele um quadro pintado, representando um busto de mulher. O protagonista fuma charuto, vê a pintura e relembra momentos de sua juventude. Num segundo momento as duas personagens passeiam, a cavalo, pelo campo. Virgínia se sente mal, tem febre, está prestes a morrer. No entanto, o narrador surpreende o leitor, ao revelar – no desfecho – tratar-se de um sonho.

Dos onze contos, apenas três são narrados na primeira pessoa; os outros, na terceira: “Minotauro”, “O Exilado”, “A Última Lição”, “Estados d’alma”, “No Convento”, “Elas...”, “Joaninha” e “Amor de Fidalgo”. A primeira pessoa é sempre homem, como o sonhador apaixonado de “Velho Testamento”, o narrador-testemunha de “A Mão de Mármore” e o também sonhador de “Pesadelo”. As mulheres de Caminha são sempre sofridas. Também os homens são sofridos, atolados no passado, nas dores do amor. Como o Plínio Varela, de “Amor de Fidalgo”, abandonado pela amante e no dia seguinte encontrado “no meio da rua, sem pinta de sangue no rosto, sujo de lama, imundo, como mais vil dos bêbados”. Elas morrem cedo, doentes, enfraquecidas, como a Virgínia do primeiro conto, que, num passeio à floresta, diz sentir “um vulcão dentro de mim” e, logo depois, o narrador a vê com “um brilho estranho nos olhos, fria, gelada...”

Amor e morte caminham juntos, fazem parte do mesmo enredo, às vezes macabro, como em “A Mão de Mármore”. Talvez se possa dizer também macabro o conto “No Convento”, com a morte misteriosa do noviço Oscar de Miranda, que enlouquece e morre a jorrar sangue pela boca.

Quando não é a morte propriamente dita, é a sua antecessora: a desilusão amorosa a ferir a mulher de tristeza, solidão, num casamento feito de amarras, como em “Elas...”

O enredo no contista Adolfo Caminha às vezes é frouxo, esgarçado, como no “Minotauro”. Um triângulo amoroso como muitos outros, especialmente no romantismo. Já em “A Última Lição” o leitor se depara com um enredo mais rico, mais entrançado e, ao mesmo tempo, mais sutil, a lembrar o Machado de Assis de “Uns Braços”. Outras vezes nem se percebe enredo, como em “Pesadelo”. Um homem sonha (a história é o sonho ou o pesadelo do narrador) e é acordado pela mulher. O sonho, no entanto, é uma parábola: “a dura realidade dos filósofos é preferível ao sonho, ao sonho azul dos poetas...”

Algumas narrativas curtas de Caminha se situam claramente no Rio de Janeiro. No “Minotauro” o par Cipriano Gouveia e Nicota vivia numa casa no Engenho Novo, sob “o inconstante céu fluminense”, ele afastado do burburinho do centro da cidade, da rua do Ouvidor, “por onde nem sequer passava ao voltar da repartição”.

Em “A Última Lição” o casal seguiu, em carruagem, para a Tijuca, onde foi morar. Em “Estados d’alma” Almeida contempla os morros de Santa Teresa, “coqueiros de longas palmas”, “todo esse admirável trecho da natureza fluminense”. E, na descrição da paisagem, vai revelando ao leitor a cidade maravilhosa: “Para lá dos Inválidos, n’outro plano mais elevado, por trás do cemitério de Catumbi, a vista atingia a ponta culminante de uma montanha angulosa e obtusa, varando a transparência do ar lavado: era o nariz do gigante que se vê do mar, o Corcovado, uma espécie de focinho de animal monstruoso farejando as nuvens...” E, já para o final da narrativa, volta o personagem a “contemplar a paisagem, o Corcovado, o Pão d’Açúcar, a igrejinha da Glória agachada por trás dos morros” (...).

Em “Amor de Fidalgo” Plínio Varela instala Carolina Mendes num “esplêndido palacete em Botafogo”. Em outros contos o leitor poderá também perceber o ambiente da velha corte. Há, porém, um conto, “Joaninha”, ambientado no Nordeste, exatamente em Oeiras, Piauí. Leia-se a descrição: “S. José de Arouca, outrora Riachão da Magdalena, ficava a seis léguas de Oeiras, numa eminência, dominando, com o seu belo aspecto de arraial sertanejo, uma vastíssima extensão glauca de floresta virgem, e ao longe, diluindo-se gradativamente num crepúsculo de bruma, trêmulo e desmaiado, o perfil indistinto, o vago contorno da Serra Grande, quase perdida na distância, simbólica e misteriosa como uma esfinge do deserto.” Nos demais contos Adolfo Caminha preferiu não deixar claro a localização das tramas.

Nessas narrativas há o predomínio da narração sobre a descrição e o diálogo. A narração inicia e conclui todas elas. Umas vezes são narrações de pequenos atos ou gestos. Outras, breves descrições psicológicas. Há também narrações entremeadas de descrições de ambientes. Em alguns casos o início da narração se dá no pretérito perfeito; em outros, no imperfeito.

Adolfo Caminha é narrador contido e fino, como também se observa em “A Última Lição”. Neste, do ponto de vista de narrador onisciente, a narração se faz em blocos superpostos de ações, sempre intercalada de breves e essenciais diálogos. A descrição de ambientes mais uma vez se dá com precisão, sem excesso de detalhes, suficiente para neles, ambientes, enquadrar as personagens.

Naquele conto que é quase um poema – “Pesadelo” – a narração se confunde com a descrição, ou não é uma coisa nem outra. Veja-se o primeiro parágrafo: “Crepúsculo de maio. Nevoento e triste, o feio aspecto da paisagem que meus olhos contemplam numa espécie de abstração enferma, lembra-me, – branca de neve – alvo sudário amortalhando gigantes”. Quase no final o narrador, já acordado, transcreve a única fala, que não é dele, mas da mulher (ausente no sonho): “– Acorda, preguiçoso, olha que é dia! Vamos, levanta!”

Os diálogos são breves e sempre em linguagem escrita, muitas vezes erudita, de leitor dos clássicos. Como no primeiro conto, em que o narrador transcreve uma fala de Virgínia e dele: “– Sabes o que me parece isto? perguntei. – Isto o quê? – Este pedaço de floresta abrindo para o mar e nós dois quebrando a monotonia do verde? Faz-me lembrar a primeira página do Velho Testamento...” Mais adiante essa lembrança do paraíso levará o narrador a se referir às cenas do Jardim do Éden, quando Adão e Eva “pecavam no seio da natureza”. Mas tudo em Caminha é tenuidade, como em todos os realistas ainda eivados de romantismo.

Mesmo no conto nordestino, em que Joaninha, a filha do fogueteiro, se pronuncia uma vez, mesmo aí a fala não é a de linguagem oral. A moça, talvez analfabeta, fala assim: “– E o Sr. Vigário por que não vem a Arouca todos os dias?” E completa: “É um passeio... Este povo ama-o tanto...” É certo que somente mais tarde, quando do Modernismo e do Regionalismo, os narradores passaram a incorporar a linguagem oral, especialmente a do campo, nas falas dos personagens.

As descrições de Caminha também não são exageradas, nem extensas. São necessárias ou dão às narrativas um quê de poético, como se viu nas transcrições de linhas atrás. Assim se vê em “Minotauro”, na descrição do jardim da casa. A natureza em contraste com a cidade, talvez por influência do Eça de A Cidade e as Serras.

Há dois contos singulares no conjunto em estudo. Um, “O Exilado”, pode ser visto como uma narrativa de marinhista e estranha, de ambiente bem diverso daqueles dos outros contos. E não somente o ambiente (uma ilha), como o enredo (um homem solitário e um cachorro). Além disso, subdivida em sete flashes ou episódios

A descrição física do protagonista, se é que se pode falar de protagonista, é feita com detalhes. Juan Herrera, o exilado espanhol, é um personagem lendário ou imaginário (em oposição a realista) na ficção de Adolfo Caminha. Também estranha é “No Convento”. E mais uma vez um ambiente diverso dos lugares da maioria dos contos: um convento de frades. O enredo é igualmente singular, embora ainda afeito ao tema predominante no contista – amor e morte. Porém um amor enlouquecido ou envolto em loucura. No entanto, a morte misteriosa.

O desenlace nos contos do criador de A Normalista, quando o conflito se dá no terreno do sonho, é o que se verifica na maioria das histórias desse tipo, isto é, o sonhador acorda, como se pode verificar em “Velho Testamento” e “Pesadelo”, dando fim ao drama.

Em “A Mão de Mármore”, com seu quê de tétrico, o epílogo, na voz do narrador-testemunha, é a constatação de lágrimas nas faces do protagonista diante da mão de mármore da amante morta. “Minotauro” chega ao fim em breve e irônica narração: “começou a chuviscar”, Gouveia, o marido, se retira do jardim, seguido de Nicota, a esposa, e do amigo Bandeira, braço dado a ela. Nada romântico, um tanto realista.

O desenlace em “O Exilado”, já sem a presença do personagem, que, após ver agonizar o cachorro de estimação, saiu a caminhar, “como uma sombra que se esvai, entre as penedias da ilha”, leva o leitor a imaginar uma paisagem marinha que aos poucos se vai desfazendo. O apego à paisagem levou o contista a dar a “Estados d’alma” desfecho inaudito: o protagonista, ao saber da morte do pai, tem reação incomum (“sem uma lágrima no olhar e sem um gesto de dor”, voltou a contemplar a paisagem), e o narrador conclui o conto pintando o “vasto céu sem nuvens”.

O final de “A Última Lição” é realista, embora com uns contornos românticos, assim como o de “Elas...” e “Amor de Fidalgo”. O desenlace de “No Convento” e “Joaninha” tem ares naturalistas.

A manipulação da linguagem nesses contos traz a marca do Adolfo Caminha de A Normalista, embora se saiba que no final do século 19 o conto ainda fosse precariamente cultivado pelos escritores brasileiros, à exceção de Machado de Assis. Se Caminha não alcançou o grau de mestre na ourivesaria da narrativa curta, pelo menos nos legou estas poucas mas belas jóias.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Considerações sobre Contos. Fortaleza, 2005.