I. — Canção de Rolando
1. — Tema da canção
Carlos Magno deve negociar com o rei muçulmano de Saragoça que pede paz. Ganelon, o traidor, permite que Marsile cerque a retaguarda comandada por Rolando. Quando este se decide a pedir socorro a seu tio, todos os bravos, inclusive Olivier e o arcebispo Turpin, morrem. Carlos Magno aniquila os sarracenos e em Aix-la-Chapelle. Ganelon é esquartejado.
2. — Tema histórico
Einhard escreve em aproximadamente 800 (Vita Karoli, IX) que o emir da Saragoça solicitou o auxílio de Carlos contra os príncipes muçulmanos (777 em Paderborn) No dia 19 de abril de 778 Carlos Magno atravessa os Pireneus, toma Pampelune e malogra-se em Saragoça. No dia 15 de agosto de 778 sua retaguarda é surpreendida pelos bascos no desfiladeiro de Roscenvales. Carlos não pode castigar os montanheses.
Desta forma, para os bascos, a imaginação popular teria substituído os sarracenos, inimigos arraigados dos cristãos.
Conforme a versão árabe de Ibn-al-Athir (século XIII), os sarracenos aliciados junto aos francos, teriam auxiliado os bascos.
Gaston Paris adere a esta opinião e diz que Einhard registrou um fato inexato para poupar o amor-próprio dos francos.
3. — Arquivos históricos
Estes acontecimentos são ainda anotados nos Anais de Angilbert, em 778, na crônica do astrônomo Limousin Vita Kludovici.
Eis a crônica do frade de Silos (aproximadamente 1110), ato da fundação da abadia de Saint-Pede-Gèneres em Bearn (1096); história eclesiástica de Fleury (1109); epístola III de Raoul le Tourtier (antes de 1114); Les exploits de Tancrède (As proezas de Tancredo), de Raoul de Caen (1112-1118). Uma cruz adorna a gola de Cize antes de 1106 e é mencionada numa Carta Episcopal de Baiona, em 980; os arquivos de Pampelune (1127), falam de uma capela erguida por Carlos Magno nesse local de carnificina.
4. — Os personagens históricos
Rolando era verossimilmente um conde de la Marche da Bretanha. Carlos, que na realidade tem apenas trinta e sete anos, torna-se o imperador da “Barba florida”. A lenda deforma os fatos e, para melhor expor a bravura de Rolando, quatrocentos mil sarracenos combatem vinte mil francos.
Costuma-se relacionar também esses acontecimentos históricos a Guilherme, duque de Septimânio, de Toulouse e de Aquitânia, que, em 793 foi derrotado pelos sarracenos, em Villedaigne. Em 806, Guilherme retirou-se para o mosteiro de Gellone onde morreu em odor de santidade (28 de maio de 812). O mosteiro fez sua apologia e assim foi inspirada a lenda.
5. — Os manuscritos
A versão assonante do manuscrito de Oxford (quatro mil versos em decassílabos do início do século XII) é a mais conhecida. Bédier localiza-a entre 1080 e 1134. Para Gregório, essa versão prender-se-ia ao episódio de Baligant. A de decassílabos assonantes conservada na biblioteca de São Marcos, em Veneza, está muito próxima do texto de Oxford (manuscrito IV, fundo francês). Nas versões rimadas, notamos o manuscrito de Châteauroux; outro grupo compreende textos semelhantes (manuscrito VII, São Marcos, em Veneza; Biblioteca Nacional de Lião, Cambridge.
O Rolando alemão foi escrito por Konrad (Ruolandes liet) conforme o texto de Oxford; o mesmo se dá com a versão norueguesa redigida em, aproximadamente, 1240, por ordem do rei da Noruega Haakon V (Capítulo VIII da Karlamagnussaga). Deve-se ainda registrar uma versão galesa (século XIV), dos poemas ingleses, neerlandeses, latinos (Carmen de prodicione Guenonis), ou os dois poemas de Apt em língua provençal (estudados por Mario Roques).
6. — O autor
O último verso do poema de Oxford: Ci falt la geste que Turoldus déclinet fez com que se procurasse o sentido de “déclinet” que tanto pode significar procurar, refundir ou recitar. Faral (Les jongleurs en France, 1910) mostrou essa aristocracia das clérigos menestréis. Turold seria então um “pelotiqueiro considerado autor”, provavelmente de origem normanda. Na tapeçaria de Bayeux aparece um Turold que se julgou ser um padre, beneditino de Fécamp, filho do antigo preceptor de Guilherme, o Conquistador (Génin). Tavernier pensa no bispo de Bayeux, nascido entre 1055 e 1060.
Para Boissonnade (1923), esse clérigo pelotiqueiro, de caráter independente e fé profunda, oriundo de Avranchin, teria sido o companheiro de Roger de Seis ou Sai; seus nomes são encontrados numa Carta do capítulo Notre-Dame de Tudela.
7. — Origem
Sendo a teoria das cantilenas destruída por Rajna, a crítica de Bédier parece tornar-se definitiva. A importância dos santuários situados entre Blaye e Roscenvales — la Via Tolosana — é confirmada na lenda que envolve a vida secular de Guilherme. Os louvores religiosos, conservados nos anais de 1124 com os atos de doação, certamente excitaram ainda mais a imaginação do poeta de profissão do que a magra informação contida nos anais carolíngios.
É por essa razão que Mireaux, baseando-se no Guide des Pèlerins (1140) investiga se o olifante exposto em Saint-Seurin de Bordéus existia antes da canção ou se foi originado por ela. Boissonnade liga o evento da nossa canção às empreitadas das cruzadas francesas na Espanha nos séculos XI e XII.
8. — Valor da lenda
As canções evocam personagens históricos. Para Pauphilet (Romania, LIX, 1933), o principal personagem continua a ser Carlos Magno. Mas para Mireaux, a obra de Turold visaria a glória e os desígnios de Henrique Plantageneta tornando sua a concepção cisterciense da cruzada.
Todavia, as memórias evocadas pelo autor são as que mais nos interessam. Mário Roques (Romania, n.o 263, julho de 1940), mostrou a preocupação do poeta perante as verdades materiais e psicológicas. É enfim uma obra de criação poética na qual os temas tornaram-se imortais.
Essa lenda simboliza também as guerras efetuadas por Carlos Martel e principalmente as de Carlos Magno a fim de realizar a unificação do catolicismo; para agradecê-lo por este fato, o Papa Leão III coroou Carlos Magno imperador, no dia de Natal no ano 800.
9. — Sucessão literária
Se A. Fabre (campeão 1941) mostrou que La chanson de Roland era a origem e a base da Chanson de Sainte-Foy, Le dit de la bande d’Igor é o tema russo em homenagem aos “príncipes que se bateram pelos cristãos contra os exércitos pagãos”.
O assunto inspira o romance de Gabien, as Conquestes de Charlemagne de David Aubert. Mas depois de Spagna, o Morgante de Pulci (1485) dirige Rolando para o burlesco. O ideal mundano aparece mais desenvolvido no Roland amoureux. Mas Boiardo falece (1494) deixando sua obra inacabada. Ariosto vê apenas em Rolando um amante enganado, mas seu Roland furieux (1516-1532) influencia Mairet; Quinault (1685) compõe com a música de Lully. Vigny, ao escrever Le cor (1825) pensa na narração de Turpin; Monin (1832) atrai a atenção dos letrados com seu Roman de Roncevaux, enquanto Francisque Michel estudava o manuscrito de Oxford.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores
1. — Tema da canção
Carlos Magno deve negociar com o rei muçulmano de Saragoça que pede paz. Ganelon, o traidor, permite que Marsile cerque a retaguarda comandada por Rolando. Quando este se decide a pedir socorro a seu tio, todos os bravos, inclusive Olivier e o arcebispo Turpin, morrem. Carlos Magno aniquila os sarracenos e em Aix-la-Chapelle. Ganelon é esquartejado.
2. — Tema histórico
Einhard escreve em aproximadamente 800 (Vita Karoli, IX) que o emir da Saragoça solicitou o auxílio de Carlos contra os príncipes muçulmanos (777 em Paderborn) No dia 19 de abril de 778 Carlos Magno atravessa os Pireneus, toma Pampelune e malogra-se em Saragoça. No dia 15 de agosto de 778 sua retaguarda é surpreendida pelos bascos no desfiladeiro de Roscenvales. Carlos não pode castigar os montanheses.
Desta forma, para os bascos, a imaginação popular teria substituído os sarracenos, inimigos arraigados dos cristãos.
Conforme a versão árabe de Ibn-al-Athir (século XIII), os sarracenos aliciados junto aos francos, teriam auxiliado os bascos.
Gaston Paris adere a esta opinião e diz que Einhard registrou um fato inexato para poupar o amor-próprio dos francos.
3. — Arquivos históricos
Estes acontecimentos são ainda anotados nos Anais de Angilbert, em 778, na crônica do astrônomo Limousin Vita Kludovici.
Eis a crônica do frade de Silos (aproximadamente 1110), ato da fundação da abadia de Saint-Pede-Gèneres em Bearn (1096); história eclesiástica de Fleury (1109); epístola III de Raoul le Tourtier (antes de 1114); Les exploits de Tancrède (As proezas de Tancredo), de Raoul de Caen (1112-1118). Uma cruz adorna a gola de Cize antes de 1106 e é mencionada numa Carta Episcopal de Baiona, em 980; os arquivos de Pampelune (1127), falam de uma capela erguida por Carlos Magno nesse local de carnificina.
4. — Os personagens históricos
Rolando era verossimilmente um conde de la Marche da Bretanha. Carlos, que na realidade tem apenas trinta e sete anos, torna-se o imperador da “Barba florida”. A lenda deforma os fatos e, para melhor expor a bravura de Rolando, quatrocentos mil sarracenos combatem vinte mil francos.
Costuma-se relacionar também esses acontecimentos históricos a Guilherme, duque de Septimânio, de Toulouse e de Aquitânia, que, em 793 foi derrotado pelos sarracenos, em Villedaigne. Em 806, Guilherme retirou-se para o mosteiro de Gellone onde morreu em odor de santidade (28 de maio de 812). O mosteiro fez sua apologia e assim foi inspirada a lenda.
5. — Os manuscritos
A versão assonante do manuscrito de Oxford (quatro mil versos em decassílabos do início do século XII) é a mais conhecida. Bédier localiza-a entre 1080 e 1134. Para Gregório, essa versão prender-se-ia ao episódio de Baligant. A de decassílabos assonantes conservada na biblioteca de São Marcos, em Veneza, está muito próxima do texto de Oxford (manuscrito IV, fundo francês). Nas versões rimadas, notamos o manuscrito de Châteauroux; outro grupo compreende textos semelhantes (manuscrito VII, São Marcos, em Veneza; Biblioteca Nacional de Lião, Cambridge.
O Rolando alemão foi escrito por Konrad (Ruolandes liet) conforme o texto de Oxford; o mesmo se dá com a versão norueguesa redigida em, aproximadamente, 1240, por ordem do rei da Noruega Haakon V (Capítulo VIII da Karlamagnussaga). Deve-se ainda registrar uma versão galesa (século XIV), dos poemas ingleses, neerlandeses, latinos (Carmen de prodicione Guenonis), ou os dois poemas de Apt em língua provençal (estudados por Mario Roques).
6. — O autor
O último verso do poema de Oxford: Ci falt la geste que Turoldus déclinet fez com que se procurasse o sentido de “déclinet” que tanto pode significar procurar, refundir ou recitar. Faral (Les jongleurs en France, 1910) mostrou essa aristocracia das clérigos menestréis. Turold seria então um “pelotiqueiro considerado autor”, provavelmente de origem normanda. Na tapeçaria de Bayeux aparece um Turold que se julgou ser um padre, beneditino de Fécamp, filho do antigo preceptor de Guilherme, o Conquistador (Génin). Tavernier pensa no bispo de Bayeux, nascido entre 1055 e 1060.
Para Boissonnade (1923), esse clérigo pelotiqueiro, de caráter independente e fé profunda, oriundo de Avranchin, teria sido o companheiro de Roger de Seis ou Sai; seus nomes são encontrados numa Carta do capítulo Notre-Dame de Tudela.
7. — Origem
Sendo a teoria das cantilenas destruída por Rajna, a crítica de Bédier parece tornar-se definitiva. A importância dos santuários situados entre Blaye e Roscenvales — la Via Tolosana — é confirmada na lenda que envolve a vida secular de Guilherme. Os louvores religiosos, conservados nos anais de 1124 com os atos de doação, certamente excitaram ainda mais a imaginação do poeta de profissão do que a magra informação contida nos anais carolíngios.
É por essa razão que Mireaux, baseando-se no Guide des Pèlerins (1140) investiga se o olifante exposto em Saint-Seurin de Bordéus existia antes da canção ou se foi originado por ela. Boissonnade liga o evento da nossa canção às empreitadas das cruzadas francesas na Espanha nos séculos XI e XII.
8. — Valor da lenda
As canções evocam personagens históricos. Para Pauphilet (Romania, LIX, 1933), o principal personagem continua a ser Carlos Magno. Mas para Mireaux, a obra de Turold visaria a glória e os desígnios de Henrique Plantageneta tornando sua a concepção cisterciense da cruzada.
Todavia, as memórias evocadas pelo autor são as que mais nos interessam. Mário Roques (Romania, n.o 263, julho de 1940), mostrou a preocupação do poeta perante as verdades materiais e psicológicas. É enfim uma obra de criação poética na qual os temas tornaram-se imortais.
Essa lenda simboliza também as guerras efetuadas por Carlos Martel e principalmente as de Carlos Magno a fim de realizar a unificação do catolicismo; para agradecê-lo por este fato, o Papa Leão III coroou Carlos Magno imperador, no dia de Natal no ano 800.
9. — Sucessão literária
Se A. Fabre (campeão 1941) mostrou que La chanson de Roland era a origem e a base da Chanson de Sainte-Foy, Le dit de la bande d’Igor é o tema russo em homenagem aos “príncipes que se bateram pelos cristãos contra os exércitos pagãos”.
O assunto inspira o romance de Gabien, as Conquestes de Charlemagne de David Aubert. Mas depois de Spagna, o Morgante de Pulci (1485) dirige Rolando para o burlesco. O ideal mundano aparece mais desenvolvido no Roland amoureux. Mas Boiardo falece (1494) deixando sua obra inacabada. Ariosto vê apenas em Rolando um amante enganado, mas seu Roland furieux (1516-1532) influencia Mairet; Quinault (1685) compõe com a música de Lully. Vigny, ao escrever Le cor (1825) pensa na narração de Turpin; Monin (1832) atrai a atenção dos letrados com seu Roman de Roncevaux, enquanto Francisque Michel estudava o manuscrito de Oxford.
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores
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