Fui a uma agência bancária fazer um saque. Tudo bem ágil, em meio a um dia cheio de compromissos. Sorri, parecia estar com sorte: estacionei o carro a única vaga no recuo da calçada, em frente ao banco; no caixa eletrônico, apenas uma pessoa.
Feito o saque, só me restava ir embora. Mas de que jeito? Atrás de meu carro, uma pick-up e um grande carro de passeio, estacionados irregularmente na esquina.
Encontrei, no carro de passeio, uma garota já meio mulher, a escorregar as costas pelo banco, pés no painel. Ouvia o rádio, distraída, e, quando me percebeu, olhou-me pelo canto dos olhos semipuxados: Não sei dirigir. Ele saiu e já vem. Espera um pouco.
Tentei a pick-up. Dentro, um rapaz comprido e magro assegurou-me que não tinha a chave do carro – ficaria plantado ali, enquanto o motorista não chegasse. Ao volante de meu carro, sem sair do lugar, eu também esperava que os outros resolvessem a sua vida para, depois, eu resolver a minha.
O moço da pick-up passava o tempo como podia. Girava o indicador dentro de uma narina, voltava o giro em sentido inverso; alternava a narina… E assim eu ficava: assistindo à esmerada faxina na face do rapaz!
Ali parada e com o dinheiro sacado, senti-me vulnerável e precisava me proteger. Fechei hermeticamente os vidros, sob o sol das treze horas, o que tornou o espaço dentro do carro uma verdadeira sauna. Transpirava… Em sentinela, tinha que ficar atenta às janelas e retrovisores. Só então reparei, ao meu lado, o canteiro de amor-perfeito e o hibisco laranja. Fizeram delicados estes quinze minutos sem fim.
Ambos os motoristas chegaram ao mesmo tempo. Imaginava ouvir um pedido de desculpas e já me preparava para responder: “por nada!”. Porém nenhum aceno, nenhum sorriso, nenhum olhar. Apenas entraram logo em seus carros e, sincronizadamente, saiu um e depois o outro. Passagem livre, mas não aliviada!
Será que a pressa engolia nossas vidas? Era preciso tempo para olhar, ouvir, dizer. Não um tempo de cronômetro, reto e exato, mas um tempo humano, curvo e maleável. Só uma efêmera vaga para o carro não bastava. Queria, acima de tudo, uma vigorosa vaga na vida.
–––––––––––––––––––––––-
Maria Cristina Bonnafé é de São Paulo, capital. Esta crônica foi uma das 5 vencedoras no II Concurso Literário Cidade de Maringá, na modalidade crônica
Fonte:
Academia de Letras de Maringá
Feito o saque, só me restava ir embora. Mas de que jeito? Atrás de meu carro, uma pick-up e um grande carro de passeio, estacionados irregularmente na esquina.
Encontrei, no carro de passeio, uma garota já meio mulher, a escorregar as costas pelo banco, pés no painel. Ouvia o rádio, distraída, e, quando me percebeu, olhou-me pelo canto dos olhos semipuxados: Não sei dirigir. Ele saiu e já vem. Espera um pouco.
Tentei a pick-up. Dentro, um rapaz comprido e magro assegurou-me que não tinha a chave do carro – ficaria plantado ali, enquanto o motorista não chegasse. Ao volante de meu carro, sem sair do lugar, eu também esperava que os outros resolvessem a sua vida para, depois, eu resolver a minha.
O moço da pick-up passava o tempo como podia. Girava o indicador dentro de uma narina, voltava o giro em sentido inverso; alternava a narina… E assim eu ficava: assistindo à esmerada faxina na face do rapaz!
Ali parada e com o dinheiro sacado, senti-me vulnerável e precisava me proteger. Fechei hermeticamente os vidros, sob o sol das treze horas, o que tornou o espaço dentro do carro uma verdadeira sauna. Transpirava… Em sentinela, tinha que ficar atenta às janelas e retrovisores. Só então reparei, ao meu lado, o canteiro de amor-perfeito e o hibisco laranja. Fizeram delicados estes quinze minutos sem fim.
Ambos os motoristas chegaram ao mesmo tempo. Imaginava ouvir um pedido de desculpas e já me preparava para responder: “por nada!”. Porém nenhum aceno, nenhum sorriso, nenhum olhar. Apenas entraram logo em seus carros e, sincronizadamente, saiu um e depois o outro. Passagem livre, mas não aliviada!
Será que a pressa engolia nossas vidas? Era preciso tempo para olhar, ouvir, dizer. Não um tempo de cronômetro, reto e exato, mas um tempo humano, curvo e maleável. Só uma efêmera vaga para o carro não bastava. Queria, acima de tudo, uma vigorosa vaga na vida.
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Maria Cristina Bonnafé é de São Paulo, capital. Esta crônica foi uma das 5 vencedoras no II Concurso Literário Cidade de Maringá, na modalidade crônica
Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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