terça-feira, 10 de novembro de 2009

William Marques (O Meu Papel no Mundo)



"O Meu Papel no Mundo", uma aventura na Chapada Diamantina, é o segundo livro da série de William Marques, mais conhecido como “O Autor das Chapadas do Brasil”. A obra é protagonizada pelo professor Robson, um cientista antropólogo que não acredita em milagres. Malda, sua esposa, está grávida e corre risco de perder o bebê. Na encruzilhada do destino, surge o Messias que oferece seus poderes de cura e Robson tenta evitá-lo a todo custo. A trama os envolve e os coloca diante de um grande enigma: o de descobrir o verdadeiro papel no mundo de Robson. Só esta revelação salvaria a vida do bebê.

A alquimia literária reúne numa mesma fórmula o calor de uma aventura e a paz de um cenário ecológico nos vales de rocha da chapada. Drama e humor contracenam juntos, levando o leitor a risos e lágrimas. Além de sua emocionante história, trata-se de uma obra capaz de nos fazer refletir sobre o propósito da vida e como nosso ser age de forma inconsciente e determinante para a realização de nosso destino.

Sua narrativa é a forma escrita mais próxima da cena real. É uma obra quase cinematográfica, rica em detalhes que impressionam e transpõem a riqueza das chapadas. A aventura é o ponto alto de sua ficção e sua obra é, acima de tudo, um veículo para a elevação da consciência humana. O autor reúne mensagens que vão desde o individual ao coletivo, fala de ciência e religião e vislumbra o despertar de uma nova consciência. Sua obra questiona a visão limitada do homem, tanto pela ótica da ciência como pelo lado da religião, para uma compreensão mais ampla da realidade.

William Marques, o “autor das chapadas do Brasil”, é o primeiro autor de ficção contemporânea a promover as chapadas como cenário da cultura brasileira. “O Quadrado da Caverna”, uma aventura na Chapada dos Guimarães, lançado em 1998 é o primeiro livro da série.


Extrato do Livro
1. Capítulo

O Messias

O vento soprava levemente seus cabelos. Ele caminhava de um lado para o outro fazendo a multidão segui-lo com os olhos. Ironicamente, pisava no que um dia tentou ser a fundação de uma igreja. Ele pregava o fim da religião, em nome de Deus, com a palavra de um líder e com as vestes de um sacerdote. Suas barbas longas lembravam um profeta, não daqueles que vêem o futuro, mas daqueles que querem reconstruir o passado.

O estranho dividia os homens, causava medo para uns, esperança para outros. Suas mãos prometiam cura para os desesperançados. Sua palavra criava desordem para os religiosos. Bem ali, no coração da Bahia, ele caminhava no solo chapadense, confundindo a tradição.

Parei, deixando minha mochila no chão. Fiquei estupefato com sua ousadia diante de um povo que apenas ouvia e temia contestá-lo. Pegou uma menina, e em público, colocou as mãos na sua fronte. Saiu dali com a promessa de que no dia seguinte ela não teria mais febre. Uns diziam que era a reencarnação de Jesus e, como o próprio Jesus de dois milênios atrás, teria guardado para si uma nova cruz, o repúdio dos sacerdotes.

Estava próximo, e quando me viu encarou-me como se já me conhecesse. Assustei-me quando veio em minha direção:

– Ei, você, forasteiro!
– Fala comigo? – perguntei, meio sem graça.
– Sim. Deve ter acabado de chegar no ônibus que vem de Salvador. Pode chamar-me de Messias – estendeu a mão, cumprimentando-me.
– Muito prazer – cumprimentei-o com um sorriso amarelo, tentando manter-me calmo diante da pequena multidão que o seguia e agora, olhava-me com curiosidade.
– Algo me diz que nossos destinos se cruzam.
– Como pode saber disto? É algum cigano?
– Não. Um cigano teria que ler a sua mão para lhe dizer o que digo, e além do mais, ia cobrar-lhe por isto. Eu não estou cobrando nada.
– Você é algum tipo de profeta?
– Profeta? Não sou do tipo que quer interferir no futuro, nem tampouco quero conquistar a atenção das pessoas com adivinhações.
– Desculpe, não queria insinuar nada...

Naquele momento, fui salvo por um de seus seguidores, que o tomou pelos braços, indo ter com as pessoas que se juntavam. Saí rápido diante das pessoas que me olhavam. A situação era cômica e desajustada. O jovem, com a aparência de louco, abordara-me com certa intimidade. Preferi não dar importância ao fato e fui direto ver Malda, que me aguardava.

A porta da agência estava aberta enquanto um viralata dormia na sombra da marquise. Malda estava atrás de sua mesa, atendendo ao telefone. Viu-me e estampou um sorriso enquanto desligava o telefone. Deixei a mochila cair e ela levantou-se, devagar, protegendo o ventre com as mãos. Veio em minha direção e nos abraçamos. Ainda desajeitado, acariciei-lhe o ventre. Ela tirou o chapéu de minha cabeça, colocou-o sobre a mesa e nos sentamos. Com um lenço, contive o suor que corria pela testa. O calor naquela época do ano era insuportável.

– Como tem passado? Melhorou o enjôo? – perguntei, preocupado.
– Um pouco melhor. As costas doem e agora os pés estão inchando, mas o médico disse que é assim mesmo. Olha, sinta, acho que ele já o conhece.

Malda colocou minha mão sobre o seu ventre, para que eu pudesse sentir os movimentos do bebê. Sorri, emocionado.

– Como se sente com uma criança dentro de você?
– É uma sensação maravilhosa. Pena que vocês, homens, jamais poderão sentir o mesmo. Eu posso senti-lo dentro de mim, como se fosse uma continuação de meu corpo, de minha alma.

Sorri comovido com as palavras simples e profundas de Malda. Naquele instante, uma pequena multidão correu lá fora, interrompendo-nos. Levantei-me para ver o que era e percebi que se tratava do Messias com seus seguidores indo embora da cidade.

– O estranho de barbas que vai lá fora apresentou-se como Messias assim que me viu.Disse que nossos destinos se cruzariam. É algum tipo de maluco?
– Não creio, é apenas uma pessoa radical. Ele olha para uma pessoa e já sabe de muitas coisas.
– Ele não tem nome verdadeiro?
– Não, ele não diz para ninguém.
– Estranho. Pode ser algum cara encrencado com a Justiça.
– Talvez, mas se fosse mesmo, acho que ele evitaria tanta exposição.
– Tem razão. Mas afinal, o que ele quer por aqui?
– Ninguém sabe exatamente. Dizem que ele tem o dom da cura. Então, de vez em quando, aparece na cidade e oferece alguma ajuda aos doentes. As pessoas vêm e dizem que conseguem a cura mesmo.
– Ele não cobra nada?
– Não. Algumas pessoas oferecem ajuda e contribuem por livre e espontânea vontade.
– Talvez esteja tentando conquistar as pessoas para depois conseguir o que quer.
– E o que ele poderia querer? – Sei lá! Foi a pergunta que fiz.

Voltamos aos nossos assuntos, deixando o Messias seguir para o seu retiro. Já se passavam alguns meses que não nos víamos e precisávamos decidir o nosso destino. Fechamos a agência e levei-a para casa, bem ao lado. A gravidez já passava dos seis meses. Malda estivera só por um tempo tentando manter-se no novo negócio em Lençóis. Mas a gravidez inesperada ameaçava impor mudanças em nossas vidas.

Insisti para que Malda vendesse a agência, mas ela não concordava. Dizia que ela era a própria agência e que não poderia se colocar à venda. Havia um impasse entre nós. Eu não queria largar a universidade para viver na Chapada. Achava que Malda poderia ir para o Rio, para que juntos pudéssemos criar nosso filho. Ela havia se predisposto a vender a agência, mas estava sempre voltando atrás e me deixando confuso. Talvez estivesse esperando o bebê nascer e tentar seduzir-me a ficar na Chapada. Era uma causa difícil. Não ia dar para viver bem só com a agência, mas ela insistia que daria, que o turismo a cada ano aumentava. Tinha a idéia de abrir um restaurante. Até me seduzia, mas eu não podia abandonar minha carreira, meus alunos e minhas teses. Tínhamos um entendimento difícil pela frente.

Após o jantar, fomos até a praça porque Malda precisava caminhar um pouco. Fomos até um banco, bem próximo à igreja, e sentamo-nos, com as estrelas cintilando no céu.

– Conseguiu uma boa oferta pela agência?
– Não – Malda respondia, entreolhando-me pelo canto dos olhos.
– Nada? Você colocou algum anúncio?
– Não – respondia novamente, com um olhar maroto.
– Então só você sabe que a agência está à venda?
– Também não. Não sei se está. Ainda não decidi. Não quero pensar nisto agora. Quero dedicar este tempo para o bebê.
– Mas Malda, precisamos mudar a nossa vida...

Malda interrompeu-me colocando o dedo em minha boca e levando minha mão sobre o seu ventre. Senti o bebê movendo-se novamente. Achei que o momento não era adequado para discutir o assunto. Apenas deixamos as estrelas falarem por nós, como se a resposta de nosso destino estivesse no brilho do céu. O vento soprava leve, levando uma fina névoa entre as estrelas. E com a névoa, foram-se a dúvida e os pensamentos.

Fonte:
http://livrosliteratura.blogspot.com/

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