Um estalo a fez compreender o que aconteceu naquela noite de lua cheia e céu pintado de negro. Ainda não conseguia apreender o sentido de tudo. Ficava pensando que poderia ser uma piada, um sonho, uma brincadeira de mau gosto, mas não... era a verdade... a verdade que ela se esforçou para não enxergar. Seu coração está leve e puro agora, embora não tão puro quanto lhe pareceu aquele surpreendente olhar de anjo que um dia cruzou o seu. O que sobrou daquela pureza foram lembranças.
Não estava a fim de se recolher. Teve a impressão de que, se dormisse, seria impossível acordar no dia seguinte. Então resolveu ficar ali, contemplando a lua, muito mais consoladora do que qualquer ombro amigo.
Há coisas na vida que não tem explicação mesmo. E não era preciso compreender nada, apenas se acostumar com a idéia. Afinal de contas, tudo é passageiro, tudo é finito. Os bens materiais se acabam, os sentimentos e os melhores aromas se evaporam no ar. Com o ser humano não poderia ser diferente.
Se algum dia lhe perguntarem o que restou dele, ela responderá: eu. Porque ela era parte dele, a parte mais prática, menos emotiva, mas era a parte que ele mais gostava. E ele tinha algo de maravilhoso, o otimismo. Sempre procurando ver o lado bom da vida. No início, chegou a pensar que fosse ingenuidade, mas descobriu que era só um truque para fazer diminuir o peso do fardo que ele carregava... às vezes, isso até a irritava e dizia: será que não dá para você encarar a vida de maneira mais realista? Não dava. A realidade havia sido muito cruel com ele. Seu lugar era mesmo a fantasia, agora compreendia.
Eles se conheceram num bar, numa noite de sexta-feira. Ela estava curtindo uma fossa por ter levado um fora de um babaca que fingia amar. Na certa porque tinha medo de descobrir o que era o amor de verdade. Mas quando o viu ali, logo se encantou. Ele veio a ela com seu olhar doce e sorriso terno. Logo tornaram-se amigos íntimos; ela contou a ele sua decepção amorosa e ele a consolou como se conhecessem há anos.
Concluíram, depois de algum tempo, que não há melhor forma de iniciar um relacionamento. Fazendo o caminho inverso. Começa-se descobrindo as fragilidades , os defeitos, os deslizes e prepara-se para não cometer os mesmos erros que causaram mágoa ao outro no passado. Elimina-se, então, tudo o que possa trazer a tristeza, e assim as pessoas ficam livres para conhecer apenas as qualidades um do outro e serem felizes. E assim foi por algum tempo...
Até que um dia ele contou a ela um segredo. Sentou a seu lado e começou a falar, com uma naturalidade assustadora, que tinha pouco tempo de vida. Ela achou que fosse mais uma das “peças” que ele costumava pregar, nas quais ela sempre caía feito uma patinha, fazendo-o soltar uma gostosa gargalhada. Nervosa, ela esbravejava, mas havia um jeito muito fácil de desarmá-la. Bastava um beijo para que ela ficasse mansinha de novo.
Bem, dessa vez ele tinha um ar sério, incomum. Ficou esperando uma risada debochada depois da sua cara de espanto, mas ela não veio. Então, abraçou-o, aos prantos. Ele preferiu o silêncio.
Depois daquele dia, resolveram não contar o tempo. Não sabiam sequer quando um dia começava e outro terminava; apenas viviam, juntos, batalhando pela vida. Os médicos não davam esperanças, mas ele resistia, queria vencer Deus pelo cansaço. Achava-se mais forte que Ele. Em momento algum deixou-se dominar pela fúria. Apesar de sua juventude, ele era sábio e lhe ensinou que a luta só termina quando o combatente dá o último suspiro. Era assim que ele pensava, e foi pensando assim que ela atirou na imensidão do mar as cinzas que restaram naquela caixinha de madeira que carregava junto ao peito. Afinal, a sua luta ainda não terminou.
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Sobre a Autora
Fátima Mohamad El Kadri (1984), formada jornalista em 2005, é natural de São José dos Campos e escreve desde os dez anos, tendo dois de seus poemas publicados: "Primavera", terceiro lugar — categoria infanto-juvenil — em concurso literário realizado pela Livraria Angelli, de São Caetano do Sul (SP) e "Mundo Insano" pela participação no "VIII Concurso Nacional de Poesia 'Menotti del Picchia', promovido pelo CBE - Clube Brasileiro dos Escritores e Poetas. A escritora reside em Santo André, na Grande São Paulo.
Fontes:
Projeto Releituras.
Não estava a fim de se recolher. Teve a impressão de que, se dormisse, seria impossível acordar no dia seguinte. Então resolveu ficar ali, contemplando a lua, muito mais consoladora do que qualquer ombro amigo.
Há coisas na vida que não tem explicação mesmo. E não era preciso compreender nada, apenas se acostumar com a idéia. Afinal de contas, tudo é passageiro, tudo é finito. Os bens materiais se acabam, os sentimentos e os melhores aromas se evaporam no ar. Com o ser humano não poderia ser diferente.
Se algum dia lhe perguntarem o que restou dele, ela responderá: eu. Porque ela era parte dele, a parte mais prática, menos emotiva, mas era a parte que ele mais gostava. E ele tinha algo de maravilhoso, o otimismo. Sempre procurando ver o lado bom da vida. No início, chegou a pensar que fosse ingenuidade, mas descobriu que era só um truque para fazer diminuir o peso do fardo que ele carregava... às vezes, isso até a irritava e dizia: será que não dá para você encarar a vida de maneira mais realista? Não dava. A realidade havia sido muito cruel com ele. Seu lugar era mesmo a fantasia, agora compreendia.
Eles se conheceram num bar, numa noite de sexta-feira. Ela estava curtindo uma fossa por ter levado um fora de um babaca que fingia amar. Na certa porque tinha medo de descobrir o que era o amor de verdade. Mas quando o viu ali, logo se encantou. Ele veio a ela com seu olhar doce e sorriso terno. Logo tornaram-se amigos íntimos; ela contou a ele sua decepção amorosa e ele a consolou como se conhecessem há anos.
Concluíram, depois de algum tempo, que não há melhor forma de iniciar um relacionamento. Fazendo o caminho inverso. Começa-se descobrindo as fragilidades , os defeitos, os deslizes e prepara-se para não cometer os mesmos erros que causaram mágoa ao outro no passado. Elimina-se, então, tudo o que possa trazer a tristeza, e assim as pessoas ficam livres para conhecer apenas as qualidades um do outro e serem felizes. E assim foi por algum tempo...
Até que um dia ele contou a ela um segredo. Sentou a seu lado e começou a falar, com uma naturalidade assustadora, que tinha pouco tempo de vida. Ela achou que fosse mais uma das “peças” que ele costumava pregar, nas quais ela sempre caía feito uma patinha, fazendo-o soltar uma gostosa gargalhada. Nervosa, ela esbravejava, mas havia um jeito muito fácil de desarmá-la. Bastava um beijo para que ela ficasse mansinha de novo.
Bem, dessa vez ele tinha um ar sério, incomum. Ficou esperando uma risada debochada depois da sua cara de espanto, mas ela não veio. Então, abraçou-o, aos prantos. Ele preferiu o silêncio.
Depois daquele dia, resolveram não contar o tempo. Não sabiam sequer quando um dia começava e outro terminava; apenas viviam, juntos, batalhando pela vida. Os médicos não davam esperanças, mas ele resistia, queria vencer Deus pelo cansaço. Achava-se mais forte que Ele. Em momento algum deixou-se dominar pela fúria. Apesar de sua juventude, ele era sábio e lhe ensinou que a luta só termina quando o combatente dá o último suspiro. Era assim que ele pensava, e foi pensando assim que ela atirou na imensidão do mar as cinzas que restaram naquela caixinha de madeira que carregava junto ao peito. Afinal, a sua luta ainda não terminou.
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Sobre a Autora
Fátima Mohamad El Kadri (1984), formada jornalista em 2005, é natural de São José dos Campos e escreve desde os dez anos, tendo dois de seus poemas publicados: "Primavera", terceiro lugar — categoria infanto-juvenil — em concurso literário realizado pela Livraria Angelli, de São Caetano do Sul (SP) e "Mundo Insano" pela participação no "VIII Concurso Nacional de Poesia 'Menotti del Picchia', promovido pelo CBE - Clube Brasileiro dos Escritores e Poetas. A escritora reside em Santo André, na Grande São Paulo.
Fontes:
Projeto Releituras.
Imagem = http://servidao-humana.blogger.com/
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