sábado, 7 de novembro de 2009

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte III



CAPÍTULO III
INTERPRETAÇÃO DAS LENDAS
I. — Sentido profano

As lendas são sujeitas a interpretações bastante diferentes que se contradizem ou se completam. Loeffler-Delachaux (Symbolisme des contes de fées (Simbolismo dos contos de fadas, 1949) interpreta-as no sentido profano, sacro ou iniciático.

1. Teorias astrais ou naturalista

Os povos divinizaram as grandes manifestações da natureza. Se Max Müller e Bréal Mélanges de mythologie et de línguistique (Miscelânia de mitologia e lingüística), cogitam nos fenômenos solares e no combate à escuridão, Kuhn e Schwartz são de opinião de que não foram os fenômenos regulares que chocaram a imaginação mas sim os espetáculos raros e inesperados (relâmpago, trovão); é, pois, a escola meteorológica. Para Ploix (La nature des dieux - A natureza dos deuses) a luz é que é adorada e conduz ao estudo dos fenômenos crepusculares. Mannhardt encontra nas lendas explicação dos mistérios da vegetação, enquanto que Regnaud e Renel Evolution d’un mythe (Evolução de um mito) pensam no mito do fogo. Saintyves descobriu nesse mito antigas cerimônias estacionárias praticadas por ocasião do ano novo e da primavera.

Deulin em Contes de ma mere l’Oye (Contos de minha mãe gansa) refere-se a Husson para quem as sete esposas de Barba Azul tornam-se as sete auroras da semana. Deulin mostra que com um pouco de imaginação é possível provar que Virgínia é uma aurora que procura esconder-se de Paulo, que nesse caso seria o sol. Dupuis (Origine de tous les cultes - Origem de todos os cultos) mostra que Napoleão só pode existir sob a forma de um deus solar. Entretanto, prosseguindo-se o trabalho de Afanassiev Contes populaires russes (Contos populares russos), em 8 volumes, Miller (1833-1889) compara as variantes entre si.

É todavia verdade que o fetichismo foi criado para isolar essas forças invisíveis e que sua influência sobre as lendas é certa.

Os mitos meteorológicos, os mitos do fogo, da origem e da morte humana podem pois basear-se nessas criações literárias, mas outras teorias vieram modificar esses temas iniciais.

2. — Teoria mitológica

Os irmãos Grimm elevaram a criação dos contos à infância pré-histórica da pátria. Chega-se assim à escola precedente Gubernatis Mythologie Zoologique (Mitologia Zoológica), acha que esses mitos pertencem a um naturalismo infantil; dá, enfim, grande importância às formas animais e chega, com seus três livros, à tese da reencarnação: Schelling Essai sur les mythes (Ensaio sobre os mitos) (1793), vê nesses mitos a consciência individual de um povo aliada a uma significação religiosa.

3. — Teoria lingüística. Escola Filológica

Os trabalhos de Baudry, Darmesteter, Van den Heyn e Angelo de Gubernatis, são trabalhos de lingüistas. Com Max Müller esses homens estudam as lendas desde a deformação de algumas palavras que puderam provocar um obscurecimento do sentido primitivo original. Max Müller, por aproximações forçadas, procura demonstrar no sentido da tese solarista. Desta forma se Dyaus na época védica significava céu, transforma-se em Zeus. Dontenville explica assim a lenda de Gargântua. O russo Marr estudando Tristão e Isolda cria sua sessão de Semântica.

É muito possível que os povos tenham empregado termos que, no curso de suas migrações, perderam o sentido ou foram desnaturados; a lenda grega fez empréstimos da Índia e é muito provável que essa confusão tenha sido voluntária. Os filólogos, comparando as raízes das línguas entre si com as do sânscrito, propuseram sábias etimologias que foram substituídas por outras mais sábias ainda; e assim tudo encaminhou-se para o ceticismo geral.

4. — Teoria antropológica (ou geração espontânea dos assuntos)

Para Taylor, Mannhardt, Andrew Lang, Gaidoz os contos e as lendas refletem modos de pensar primitivos. Os povos civilizados herdaram esses contos e lendas do passado; são sobrevivências religiosas e culturais extremamente elementares fundadas no animismo, espiritualização dos fenômenos da natureza ambiente.

Mas, as leis do desenvolvimento da humanidade nos levaram a não mais considerar as civilizações anteriores como épocas de barbárie. O totem, objeto-tabu, a palavra misteriosa, representam valores mágicos que a escola antropológica não soube definir. Frazer, no seu Le rameau d’or (O ramo de ouro) (12 volumes, 1911-1915) afirma que a magia precede o animismo, isto é, a espiritualização da natureza; a magia é, portanto, o embrião da ciência e da religião. Essa Teoria prosetivista é combatida pelos etnógrafos soviéticos.

5. — Escola Alegórica

Creuzer vê no mito, uma alegoria moral, o símbolo de uma antiga filosofia, nascida no Oriente e divulgada na Grécia em linguagem figurada. Aí aparece novamente a opinião dos filósofos neoplatônicos da escola de Alexandria (Platão e Porfírio), Frazer: The origin of totemism (A origem do totemismo) mostra a conexão do mito com o totemismo primitivo.

6. — Teoria orientalista ou teoria dos empréstimos

O orientalista alemão Benfey, quando publicou em 1859 a coleção de contos hindus o Pantchatantra, descobriu uma extraordinária semelhança entre os contos sânscritos e os europeus.

Essas narrações, que circulavam oralmente, foram compiladas na Índia; o budismo tibetano mostrou-se particularmente ativo. Contudo, não seria possível afirmar com segurança que esses contos tenham sido criados na Índia. Bizâncio e a literatura mongólica desempenharam papel importante na exportação dessas lendas que, da Síria e da Pérsia, se infiltraram no mundo árabe; as cruzadas relataram esses contos maravilhosos e a Espanha, com as invasões sucessivas, usufruiu todo o seu encanto.

Pictet: Origines indo-européennes (Origens indo-européias) (1858) apoia Benfey e mostra a importância da cultura dos árias primitivos. Esses trabalhos foram continuados por Cosquin, Gaston Paris, Charles Bédier, Gédéon, Huet, Bouslaiev e Afanassiev.

7. — Teoria geográfico-histórica ou Escola Finesa

Anderson e H. Gaidoz contribuíram com um exame sistemático e escrupuloso das variantes, com diagramas cronológicos e mapas geográficos dos itinerários percorridos pelos assuntos. O catálogo dos contos de Aarne (1867-1925) é arbitrário na sua divisão, mas facilitou a tarefa de Andreiev (1929), que adaptou esse livro ao folclore russo. Não se desvendando a forma primitiva, Sidow tentou comparar os contos entre si.

8. — Escola poética-histórica. Teoria comparativista

Criada por Vassélovski (Index bibliographique, 1921), esta teoria trata da influência oral e escrita da poesia e depois do papel da religião cristã. E a procura do gênero poético (epopéia, poesia, lírica, drama), das variedades, das formas. Vsevolod Miller, abandonando a Escola dos Empréstimos procura analisar os costumes nas canções de gesta: Études de la littérature populaire russe (Estudos sobre a literatura popular russa); a análise crítica foi a obra de Orestes Miller. Essas aproximações contraditórias, essas comparações arbitrárias, foram postas em evidência por Skafttymov: Poétique et Genèse dos Bylines (Poética e Gênese das Bilinas, 1924). A escola russa moderna preocupa-se com o meio (folclore dos camponeses e dos operários), que traduz a vida do povo com Sokolov: Le folklore russe (O folclore russo, 1945) e Pryjov.

9. — Teoria psicológica. Escola de Freud

Wundt: Psychologie des peuples (Psicologia dos povos) analisa os mitos com as condições psicológicas do povo (estados de sonho, alucinação mórbida). Laistner, von der Leyen não conseguem dar grande importância à sua teoria.

Freud, com seus alunos Abraham, Rank, Riklin, vê nos mitos a expressão de desejos persistentes da mesma natureza dos que se manifestam nos sonhos. Quanto mais a censura social se desenvolve, mais a civilização se complica. Freud mostra ainda que “as aspirações fundamentais da humanidade, que encontram satisfação nas diferentes crenças religiosas e os vários estados emocionais têm como fonte conflitos intrapsíquicos que, do ponto de vista ontogênico remontam à nossa primeira infância e, do ponto de vista filogênico, aos nossos primeiros ancestrais humanos.”

A escola austríaca, porém, abusou demasiadamente dos fenômenos de ordem sexual e Regnaud: Le Rig-Veda et les origines de la mythologie (O Rig-Veda e as origens da mitologia) é de opinião que o cérebro humano não evoluiu há milhares de anos: Renel, Evolution du mythe (Evolução do mito).

Loeffler-Delachaux: Symbolisme des légendes (Simbolismo das lendas, 1950) pensa num fascínio curativo, num poder terapêutico para as doenças da alma. Os contos servem para manter o equilíbrio psicológico e é assim que os Faraós enganados por suas esposas, as ascensões milagrosas nas situações inesperadas, as jovens grávidas milagrosamente fecundadas pelo deus Nauli ou Júpiter e todas essas ficções nasceram de circunstâncias precisas. Essas narrações imaginárias são pois a compensação dos nossos sentimentos de inferioridade e o subconsciente acrescenta-lhes uma “supercompensação”.

10. — Origem histórica. Escola Evemérica

Schelling publica em 1793 um ensaio sobre as lendas históricas. O cerne do mito contém a verdade sob uma forma histórica. Spencer crê que o culto dos antepassados origina-se nas religiões. A escola Evemérica, século IV a. C. já pretendia serem os mitos provenientes de acontecimentos históricos e que seus personagens reais haviam sido elevados à dignidade de deuses. Essa teoria foi retomada por Hoffmann.

Realmente, nossos heróis épicos são a combinação de diversos personagens históricos e se nossas canções de gestas comportam inexatidões, esses protagonistas convergem para a individualidade do herói.
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Parte I – http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/10/jean-pierre-bayard-historia-das-lendas.html
Parte II – http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/10/jean-pierre-bayard-historia-das-lendas_31.html
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

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