quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Andreev Veiga (Caldeirão Literário do Pará)



RESTANDO-SE SOB O SOL

não pude perceber o litoral
durante o que eu imaginava daquilo que era o silêncio.

como ocupando uma cadeira
topei entre vagos destinos
igual a esses rios
que caem junto com a chegada do outono.

comecei acreditar
que ter nascido do tamanho errado
me bastaria andar
sem atalhos que fossem
andar
de pernas às esquecidas
tamanho calo que herda até o fim seu espaço.

era indiferente a solidão
que continham meus ossos acesos
era desnecessário existir
e usar de um outro lugar
que não coubesse no mundo.

daquilo sentirei infelicidade...

e de parte do meu corpo
rumo a imaginá-lo
como corpo restante de um frenesi
tornei-me como sacrifício de sonhar
em outros sonhos uma viagem.

esperei no dia
cada porto
cada miragem de conforto
que me deixasse como o vento...

...despercebido da solidão

era exposto.

o céu ardia tanto
restando-se sob o sol desse outono
que nu e anônimo
de minhas mãos
o aceno se derramava...

eu não tive de onde tirar uma lágrima.

era ferrugem.
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PERSIANA

a luz listrada acende o mofo que ilustra a vida no estreito da cama
minha mãe atravessa a morte sem fazer barulho
me assusto com o copo d'água
pousa uma gaivota em meus lábios se afogando

a morte surge sempre suave para os mortos
deus não haverá de conceber a saudade ao mar
só aos que ficarão
pois estes não têm barcos nem são deuses
mas
suficientemente estúpidos como o céu de pessoa

a persiana retém os desfiladeiros neste cômodo
o que escrevo desaparece com a noite
fica na memória o eco
fragmentando o pouco do café

os vendavais precisam das chuvas
para que as horas revelem às montanhas
o suicídio que as habita

já não atento migrar para o imenso da areia

(tudo é indefinido até a hora das ondas)
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EQUINÓCIO

Á beira do medo
me agarro sobre a guimba do cigarro
instintos quentes
e lábios debruçados no pão
se abrem como uma vagina ao vácuo
penetrada
pelo sopro diurno
da colisão com a vida

ao norte
ouço o lugar perdendo altura
numa imagem indecifrável de fogo
correndo sobre mim,
até a boca

o mundo ainda esconde muitas águas
entre os gestos das flores
e entre as coisas que se tem
apesar de tanto
antigas e comuns
o tempo não pode curar
a altura da queda

o perfume desses verões
a bebida derramada sobre o mundo
pesa mais que o cheiro deste lugar
(não é só de silêncio que é feito o desejo)
é de sangue
é de algo maior que este pátio
é de borra na cabeceira
com seus ombros em silêncio.
a sanidade.

quando a ópera resvala nos galhos
e as folhas em coro
pronunciam-se livres para a noite
quando o presente abre sua porta
e deixa o vento fazer-se disposto
no rosto
quando cada botão
em seu tempo se abre
fumegando
por dentro
a tristeza

o verão
a noite
toma-me inerte
à posse desses rios
que flutuam inescrupulosos
sob a mínima distância
de miséria e poema

o peso dos disfarces
à medida em que tudo se perpetua
evapora os olhares
e as coisas se distanciam
(é um ato capaz)
a vida se torna um alvo fácil
a pulsar
sozinha entre as folhas

a ópera acabou,
inteira
derramada sobre a noite
dormindo o mundo
lado-a-lado
com o medo

não é a solidão que abandona,
é o caminho.

o tempo a casa a beleza dos quintais

achei que a vida
fosse um grito
que começassem em luz
onde eu pudesse descobrir
todas as manhãs
que minha voz não existe
ou é uma outra cor
sem o gosto das palavras
sem o instante do abraço
apenas água

o verão termina
e junto vão-se os pássaros
e as longas caminhadas pela ilha
o único minuto deixado
descreve o que as ondas tem em excitação com o homem:
o vento
que descampado pela madrugada
toma rumo ao desconhecido
passo-a-passo
pelos saguões de meus limites

sento à sombra
gargarejo qualquer coisa inofensiva para mais tarde...
a manhã
num aquário seguinte
o frio se desfaz
e o silêncio se acende imponderável entre as nuvens


o galo canta
e mergulha em cânticos às margens deste rodeio

se num intervalo de vida
pudesse envelhecer mais rápido que a fadiga
como homem
de minha própria fome e carniça
falaria para o coração
o que de mortos e vivos aprendi
mas que de mortos e vivos
hei de adiar
ante
a exata ocupação do dia
ou
tarde demais...

...até a primeira enchente
escorrer suas guimbas pelo chão.

este poema é parte integrante da antologia poética do 9º concurso de poesias da universidade federal de São João Del-Rei - UFSJ 2009 no estado de Minas Gerais.
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Sobre o Autor
Andreev Veiga trabalha com a palavra desde os treze anos de idade. Além de poeta, ele é escritor e compositor. Seu primeiro livro, “Letrários”, reúne uma coletânea das poesias que considera poder provocar sensações e sentimentos no leitor. Entre as preferidas do autor estão as denominadas “Restando-se sob o sol”, “Poema calado” e “Para o poema ficar repleto de saudade”.

“Escrever poesias é um grande êxtase”, afirma Andreev Veiga. “O que sei fazer é escrever. É uma necessidade que tenho de relatar sobre o tempo, amores, desamores, solidão, sensações, reações, rotina do dia-a-dia, enfim, sobre tudo que tem algum significado para mim”.

O poeta paraense Andreev Veiga foi um dos vencedores do Premio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia – Edição 2008, com a poesia “Reinventando a Morte”.

Para o escritor suas obras são densas e fazer poesia é uma forma de não se sentir sozinho. Andreev gosta de pensar que cada leitor terá uma resposta diferente sobre suas obras. “Para mim, o ato de escrever representa a liberdade de pensamento e de expressão”. Entre as metas para 2009 estão a participação em feiras literárias, novos concursos e a publicação de seu primeiro livro.

Fontes:
http://andreevveiga.blogspot.com/
http://www.difundir.com.br
Imagem = montagem por José Feldman

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