sábado, 14 de maio de 2016

Trova 272 - Edweine Loureiro (Saitama/Japão)

Montagem da trova sobre pintura de Dantin, "mulher na sacada com pombos".

Carolina Ramos (A Música… meu Sol!)

“A música e a Alma! ”  Esta é a união perfeita,
sem que exista maior, desde que a vida é vida!
A Música, ao nascer, já tem destino, eleita
para encantar quem chega… e abençoa-lo à partida.

Se a Música morresse… a magia desfeita
tornaria a existência amarga e tão sofrida,
sem o bálsamo amigo e sem a ideal receita
que cura qualquer mal… ou mágoa indefinida!

Se chove dentro em mim… sem que chova, lá fora,
Tenho a Música – um Sol, fiel, à minha espera!
…Afago o meu piano… as notas ganham cores,

a consolar a dor de um coração que chora.
- E… ao Sol, que me devolve a luz da primavera,
desnuda-se minha alma… envolta em sons e flores!…

Irmãos Grimm (A Alface Mágica)

Houve, uma vez, um jovem caçador que andava pela floresta à espreita de caça. Era um moço alegre e vivaz, com o coração cheio de bondade.

Andava ele distraído, assobiando tranquilamente, quando deparou sentada, sobre uma folha, uma velhinha muito feia, que lhe disse:

- Bom dia, meu bom caçador. Tu estás alegre e satisfeito, mas eu estou morrendo de fome e de sede. Dá- me uma esmolinha, por favor!

Ouvindo isso, o moço condoeu-se da sorte da velhinha, meteu a mão no bolso e deu-lhe o que trazia consigo. Em seguida, dispôs-se a continuar o seu caminho, mas a velhinha deteve-o, dizendo:

- Meu caro caçador, ouve o que te vou dizer: quero dar-te um presente pela tua generosidade. Continua andando e daqui a pouco chegarás ao pé de uma grande árvore, sobre a qual verás nove pássaros brigando por causa de um manto, que seguram com as patinhas. Aponta a tua espingarda e atira no meio deles, eles deixarão cair o manto, e com ele cairá morto também um dos pássaros. Apanha o manto, que é mágico, quando o vestires e desejares estar num lugar qualquer, ele logo te transportará. Tira o coração do pássaro morto e engole-o inteiro, assim, todas as manhãs, ao despertares, encontrarás uma moeda de ouro sob o travesseiro.

O caçador agradeceu gentilmente a velha, pensando consigo mesmo: "Belíssimas promessas! Ah, se realmente se realizassem!" E foi andando.

Não dera mais que cem passos e ouviu um pipilar estridente entre os galhos, bem em cima de sua cabeça. Ergueu os olhos e viu um bando de pássaros disputando entre si um pano, puxando-o com as patinhas e os bicos, enquanto soltavam pios e se debicavam terrivelmente, querendo cada qual ficar com o manto para si.

- Ora veja! - exclamou o caçador - exatamente como disse a velha avozinha.

Tirou a espingarda do ombro, fez pontaria e disparou sobre o bando, do qual se espalharam as penas por todos os lados. Os pássaros imediatamente fugiram, piando assustados, mas um deles caiu morto, juntamente com o manto.

O caçador apanhou-os e, conforme lhe dissera a velha, destripou a ave e engoliu o coração, sem mastigar, depois pegou o manto e foi-se embora, voltando para casa.

Na manhã seguinte, assim que acordou, veio-lhe ao pensamento a promessa da velha e quis certificar-se da veracidade de suas palavras. Levantou o travesseiro e, realmente, lá estava uma moeda de ouro brilhando intensamente. Na manhã seguinte, encontrou outra e assim foi em todas as manhãs sucessivas. Depois de juntar uma bela pilha de moedas, o rapaz pensou: "Para que me serve tanto ouro, se fico trancado aqui em casa? Quero ir-me por este mundo afora e ver outras terras."

Tendo resolvido isto, despediu-se dos pais, pegou a espingarda e o sapicuá e partiu.

Depois de muito andar, deparou com uma grande floresta, atravessou-a e, chegando à extremidade oposta, viu surgir no meio da planície um magnífico castelo. Numa das janelas estavam debruçadas uma velha e uma linda moça, olhando para baixo. A velha, que era uma bruxa, disse à moça:

- Veja, lá vem saindo um rapaz da floresta. Ele traz no corpo um precioso tesouro, meu amor, nós temos que nos apoderar dele. Isso aproveita muito mais a nós do que a ele. E' o coração de um pássaro que ele tem no estômago, graças ao qual encontra todas as manhãs uma moeda de ouro debaixo do travesseiro.

Explicou direito as coisas à moça, ensinando-lhe o que deveria fazer e, fitando-a com olhar ameaçador, concluiu:

- Ai de ti, se não me obedeceres!

Tendo-se aproximado do castelo, o caçador avistou a linda jovem e disse de si para si: "Andei tanto que estou bem cansado, preciso repousar um pouco e pedir pousada nesse castelo. Dinheiro, não me falta, tenho até demais." Mas a verdade era que seus olhos ficaram encantados com aquela beldade.

Entrou no castelo, onde foi cordialmente recebido e hospedado com grande amabilidade. Não demorou muito e se apaixonou pela linda moça, filha da bruxa, e de tal forma que já não pensava mais em nada, só via pelos olhos dela e fazia tudo o que ela lhe pedia. Então a velha, vendo como estavam as coisas, disse:

- Minha filha, agora temos que nos apoderar do coração do pássaro, verás, ele nem de leve se perceberá e não sentirá nenhuma falta.

Prepararam uma infusão e, quando ficou pronta, a velha encheu um copo, dando-o à filha para que lha levasse. A moça disse-lhe:

- Toma isto meu querido, à minha saúde!

Sem suspeitar coisa alguma, o rapaz levou o copo à boca, bebendo tudo, assim que acabou de ingerir a infusão, vomitou o coração do pássaro. A moça pegou-o disfarçadamente e engoliu-o, pois a velha assim recomendara.

Dai por diante ele nunca mais encontrou a moeda de ouro sob o travesseiro, a qual passou a brilhar diariamente sob o travesseiro da moça, onde a velha ia buscá-la todas as manhãs. O rapaz estava tão perdidamente apaixonado, que não pensava em mais nada além de poder ficar sempre ao lado da moça. Então a bruxa disse:

- O coração do pássaro já está em nosso poder, agora temos também que lhe tirar o manto mágico.

A moça respondeu:

- Deixemos-lhe ao menos isso, já que perdeu a fortuna!

A velha, porém, zangou-se e gritou:

- Um manto dessa espécie é coisa extraordinária, que muito raramente se encontra neste mundo, quero possuí-lo, custe o que custar.

Ensinou-lhe como devia proceder, acrescentando que se não lhe obedecesse, viria a arrepender-se amargamente.

A moça não tinha outra solução senão obedecer. Aproximou-se da janela e fitou o horizonte distante, fingindo uma grande tristeza. O rapaz então perguntou- -lhe:

- Por quê estás tão triste?

- Ah, meu tesouro, - respondeu ela - essa montanha que vês lá ao longe, é a montanha de rubis, toda ela está cheia dessas pedras maravilhosas. Tenho um imenso desejo de possuí-las e, sempre que olho para lá, fico muito triste. Mas, quem é que pode ir buscá-las! Somente os pássaros que voam podem ir lá e nunca um homem!

- Se é apenas essa a tua tristeza - disse o caçador - é muito fácil curá-la.

Tomou-a nos braços, sob o manto, e exprimiu o desejo de ser transportado para lá. Imediatamente foram levados os dois até ao alto da montanha. As pedras preciosas cintilavam por toda parte, numa verdadeira alegria para os olhos. Os dois apressaram-se a apanhar as mais belas e atraentes, enchendo com elas os bolsos.

Entretanto, por arte mágica da bruxa, o caçador começou a sentir as pálpebras pesarem-lhe, e então disse à moça:

- Vamos descansar um pouco, sentemo-nos aí, estou tão cansado que não aguento mais.

Sentaram-se os dois, o rapaz reclinou a cabeça no regaço dela e adormeceu. Quando o viu profundamente adormecido, ela tirou-lhe o manto, recolheu todas as pedras e rubis e desejou encontrar-se logo em casa.

Ao despertar, o caçador viu que sua amada o havia enganado, abandonando-o sozinho naquela montanha agreste.

- Oh! - exclamou, desolado - quanta perversidade existe neste mundo!

Ficou profundamente abatido e amargurado, sem saber o que devia fazer. A montanha pertencia a alguns ferozes, medonhos gigantes, que lá residiam e faziam as piores coisas. Não demorou muito, o rapaz avistou três deles, que se aproximavam a largos passos, com medo, deitou-se, fingindo-se profundamente adormecido. Os gigantes chegaram perto dele e um lhe ministrou tremendo pontapé, dizendo:

- Que espécie de vermículo é este que aí está a olhar a barriga?

Disse o segundo:

- Esmaguemo-lo!

Mas o terceiro disse, com todo o desprezo:

- Nem vale a pena! Deixai-o viver, ele não poderá viver aqui e irá certamente até ao cume, e aí as nuvens o carregarão.

Assim conversando, prosseguiram o caminho. Mas o caçador prestara bem atenção ao que tinham dito, e assim que eles se afastaram, levantou-se e trepou até ao cume da montanha. Daí a pouco, baixou uma nuvem que estava balançando no espaço, agarrou-o e levou-o consigo. Durante algum tempo, ela andou vagueando pelo azul do céu, depois foi descendo até pousar numa grande horta, toda cercada de muros, e depositou-o suavemente entre as couves e outras hortaliças.

O caçador olhou em redor e disse:

- Se tivesse ao menos alguma coisa para comer! Estou com tanta fome e não poderei continuar o meu caminho! Aqui, porém, não vejo peras, nem maçãs, nem outras frutas, não há senão hortaliças.

Por fim pensou:

- Por falta de coisa melhor, comerei um pouco de alface, não é lá muito saborosa, mas é fresca.

Escolheu uma bela cabeça de alface e pôs-se a comê- -la, mas, apenas engolira alguns bocados, sentiu uma estranha sensação e pareceu-lhe estar completamente mudado.

Cresceram-lhe quatro pernas, uma grande cabeça com duas orelhas compridas e, com imenso terror, viu que se transformara num asno. Todavia, continuava com muita fome e, graças à sua nova natureza, a alface tornou-se-lhe bem agradável e dela comeu fartamente. Chegando a outro canteiro, avistou uma espécie diferente de alface, mal apenas comeu algumas folhas, sentiu-se novamente transformado, readquirindo o aspecto humano.

Então, tendo saciado a fome, o caçador deitou-se e dormiu tranquilamente. Na manhã seguinte, ao despertar, colheu um pé de alface boa e um pé de alface ruim, pensando: "Isto me servirá para recuperar as minhas coisas e castigar a perversidade." Colocou os pés de alface no sapicuá e, saltando o muro, dirigiu-se ao castelo de sua amada.

Durante dois dias andou perambulando mas, por fim, encontrou-o. Pintou rapidamente o rosto, de modo que nem mesmo sua mãe o teria reconhecido, depois foi ao castelo e pediu pousada.

- Estou tão cansado que não posso mais ir para a frente.

A bruxa perguntou-lhe:

Quem sois e qual é vossa profissão?

- Sou um mensageiro do rei, - disse o rapaz - o qual me mandou em busca da melhor alface que existe no mundo. E tive a felicidade de encontrá-la, veja, trago-a aqui. Mas o sol está tão quente que ameaça queimar a tenra folhagem, não sei se poderei levá-la mais longe.

Ouvindo falar dessa alface melhor do mundo, a bruxa ficou com água na boca e disse:

- Meu caro campônio, deixa-me provar uma folhinha dessa maravilhosa alface, sim?

- Por quê não? - respondeu ele - levo dois pés dela, posso perfeitamente dar-vos um.

Abriu o sapicuá e tirou a alface ruim, oferecendo-a à velha. Esta não imaginou sequer que houvesse algum mal nela. A alface punha-lhe a boca cheia de água, rápida, correu à cozinha e pessoalmente a temperou.

Assim que ficou pronta não teve paciência de esperar que fosse para a mesa, ali mesmo começou a come-la. Apenas comeu algumas folhas, imediatamente perdeu o aspecto humano transformando-se em asno e saiu a correr e a pinotear pelo quintal.

Nisso a criada entrou na cozinha, viu a salada pronta e foi levá-la para a mesa, mas, pelo caminho, cheia de gulodice, tirou uma folha e comeu-a. No mesmo instante, a alface transformou-a num asno também e saiu a correr para o quintal, junto de sua ama, deixando cair o prato de salada no chão.

Enquanto isso, o caçador estava ao lado da bela jovem e, vendo que ninguém aparecia com a famosa salada, da qual ela morria de desejo, a moça disse:

- Quem sabe onde está a tal salada?

O caçador pensou: "Acho que já produziu o efeito desejado!" E, em voz alta:

- Vou até à cozinha saber o que está acontecendo.

Quando chegou lá embaixo, viu as duas mulas correndo e saltando no quintal, enquanto que o prato de alface estava largado no chão.

- Ótimo! - exclamou ele. Aquelas duas já receberam a sua parte! Apanhou as folhas que sobraram arrumou-as direitinho no prato e levou-as à moça, dizendo:

- Eu mesmo trago esta delícia, ei-la! Acho que não deveis esperar mais tempo.

Ela serviu-se avidamente e logo perdeu o aspecto humano, como as outras, e saiu a correr para o quintal, transformada em mula.

O caçador, então, foi lavar-se cuidadosamente para que elas o pudessem reconhecer, depois desceu até o quintal e disse:

- Agora recebereis o prêmio pela vossa perversidade.

Amarrou as três com uma corda e arrastou-as consigo. Logo depois chegou a um moinho, bateu à porta e o moleiro chegou à janela, perguntando o que desejava.

- Tenho aqui três jumentas indomáveis, das quais pretendo me desfazer. Se quiseres ficar com elas, providenciar forragem e comida suficiente, e tratá-las como quero eu, pagarei o que me pedires.

- Como não? - disse o moleiro - Como é que devo tratá-las?

Então o caçador disse que devia dar à jumenta mais velha - que era a bruxa, - três rações de pancadas por dia e uma ração de comida, à segunda - que era a criada, - devia dar uma ração de pancadas e três de forragem, e à terceira, - que era a moça - nem uma pancada e três rações de forragem, porque não suportava que a espancassem.

Em seguida voltou ao castelo e encontrou todas as suas coisas.

Alguns dias depois, apareceu o moleiro, dizendo que a mula velha, em conseqüência das três rações de pancadas e uma só de comida por dia, havia morrido.

- As outras duas, - continuou - ainda não morreram e continuo dando-lhes comida três vezes por dia, mas andam tão tristes que, certamente, não viverão muito.

O caçador, então, condoeu-se, esqueceu a sua raiva e disse ao moleiro que as trouxesse para o castelo. Quando chegaram, deu às duas algumas folhas de alface boa e imediatamente elas readquiriram o aspecto normal.

A linda moça caiu-lhe aos pés, soluçando, e disse-lhe:

- Meu amor, perdoa-me o mal que involuntariamente te causei, fui obrigada por minha mãe, mas arrependo-me sinceramente, porque te amo de todo o coração. O teu manto mágico está guardado no armário, quanto ao coração do pássaro tomarei qualquer coisa que me faça vomitá-lo.

O rapaz então mudou de idéia e exclamou:

- Podes ficar com ele, é a mesma coisa, porque serás a minha querida e fiel esposa.

Pouco depois, casaram-se e viveram extremamente felizes até o fim da vida.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/

terça-feira, 10 de maio de 2016

Trova 271 - Edweine Loureiro (Saitama/Japão)


Olivaldo Junior (Um anjinho português)

A pequena crônica que lhe escrevo agora é de um anjinho que conheci dobrando a rua de casa, quando eu ia para o trabalho. Ninguém mais o viu, só eu. Cabelos encaracolados, cheirando a azeite extravirgem, era, sem talvez, um anjinho português.

Pediu, por gentileza, que eu lhe desse um tostão de meu tempo para ouvi-lo, e ele embarcou comigo no "bus" que tomo todas as manhãs. Sentadinho ao meu lado, contou-me que seus amigos lusitanos, outros anjos como ele, o deixaram cá, neste Brasil de meu Deus, para ver se se arranjava melhor, ficando mais independente, mas ele queria ter o sal do mar de Camões.

O anjinho, numa virada mais brusca, invocou Nossa Senhora de Fátima, pedindo a ela que nos guardasse a todos, como aqueles três pastores que a avistaram e, dos olhos, nunca mais a tiraram. Amém, eu lhe disse. E ele estava com saudade.

Fazia tempo que não comia um bom bacalhau, nem pasteizinhos de Belém, muito menos toucinhos do céu, e sentia falta de um cálice de vinho do Porto, para abrir seu apetite, celestial e europeu, ora pois! O pobre, em vez de harpa, era a guitarra portuguesa que entoava, trazendo à tona velhos fados, lindos e tristes, que um marujo português ensinara a ele outra noite, lá.

Quando o ônibus chegava perto de meu trabalho, o anjinho, declamando Pessoa, sumiu no ar como a fumaça de alvas nuvens, altas demais para o nosso entendimento, e nunca mais o vi. No banco, uma pena, verde-rubra, me deixou, e "só"...

Fontes:
O Autor
Imagem = http://cantinhodoceu.wordpress.com

Irmãos Grimm (A Água da Vida)

    Houve, uma vez, um rei muito poderoso, que vivia feliz e tranquilo em seu reino. Um belo dia, adoeceu gravemente e ninguém tinha esperanças de que escapasse. Ele tinha três filhos, os quais estavam deveras consternados vendo que o estado do pai piorava dia a dia.
    Encontravam-se eles no jardim do castelo a chorar e, de repente, viram surgir à sua frente um velho de aspecto venerável, que indagou a causa de tamanha tristeza. Disseram-lhe que estavam aflitos porque o pai estava gravemente enfermo e os médicos já não tinham esperanças de o salvar.
    O velho, então, disse-lhe:
    - Eu conheço um remédio muito eficaz, que poderá curá-lo. É a famosa Agua da Vida. Mas é muito difícil obtê-la.

    O filho mais velho disse:
    - Hei de encontrá-la, custe o que custar.

    Dirigiu-se, imediatamente, aos aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para ir em busca dessa água, a única coisa que poderia salvá-lo.

    - Não, - disse o rei - sei bem que essa água maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar à fonte, que prefiro morrer a ver um filho meu correndo esses riscos.

    O príncipe, porém, insistiu tanto que o pai acabou por consentir. Em seu íntimo, o príncipe ia pensando: "Se conseguir a água, tornar-me-ei o filho predileto e assim herdarei o trono."
    Partiu, pois, montado em rápido corcel, na direção indicada pelo velho. Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta, viu um anão mal vestido, que o chamou, perguntando:

    - Aonde vais com tanta pressa?
    - Que tens tu com isso, homúnculo ridículo? - respondeu altivamente o príncipe sem deter o cavalo - não é da tua conta.

    O anãozinho enfureceu-se e rogou-lhe uma praga. Pouco mais adiante, o príncipe viu-se entalado entre duas barrancas; quanto mais andava, mais se estreitava o caminho, até que, tendo-se o atalho apertado demais, não pode mais avançar, nem recuar, nem voltar o cavalo, nem descer. Ficou ali aprisionado, sofrendo fome e sede, mas sem morrer.
    O rei aguardou sua volta durante muitos dias, mas em vão. O segundo filho, julgando que o irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo, pois assim seria ele o herdeiro do trono.
    Foi ter com o pai e pediu-lhe permissão para ir em busca da Agua da Vida. O rei respondeu o mesmo que havia respondido ao primeiro; por fim, ante a insistência do rapaz, acabou cedendo. O segundo príncipe, então, montou a cavalo e seguiu pelo mesmo caminho.
    Após alguns dias, quando atravessava a floresta, surgiu-lhe o anão mal vestido, que lhe dirigiu a mesma pergunta:

    - Para onde vais com tanta pressa?
    - Oh, nojento pedaço de gente! Sai da minha frente se não queres que te espezinhe com o meu cavalo.

    O anão afastou-se e rogou-lhe a mesma praga que ao primeiro; assim, o príncipe acabou entalado nas barrancas como o outro irmão, sem poder avançar, recuar ou fazer qualquer movimento, sendo assim castigados os dois orgulhosos.
    Passados muitos dias e vendo que os irmãos não voltavam, o filho mais moço foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O rei não queria consentir, mas, ante as insistências reiteradas do moço, foi obrigado a ceder.
    O jovem príncipe montou em seu belo cavalo e partiu; quando encontrou o anão na floresta, que lhe perguntou aonde ia com tanta pressa, o jovem, que era delicado e amável, deteve o cavalo dizendo:

    - Vou em busca da Agua da Vida, o único remédio que pode salvar meu pobre pai, que está à morte.
    - Sabes onde se encontra? - perguntou o anão.
    - Não! - respondeu o príncipe.
    - Pois bem; já que me respondeste com tanta amabilidade, - disse o anão - vou indicar-te o caminho que deves tomar. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que vires pela frente; vira à esquerda e segue até encontrares uma encruzilhada; aí segue ainda a esquerda. Depois de dois dias de marcha, encontrarás diante de ti um castelo encantado: é no pátio desse castelo que se acha a fonte da Agua da Vida. O castelo está fechado por um grande portão de ferro maciço; mas basta tocá-lo três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes a lançarem-se sobre ti para te devorar; atira-lhes estes dois bolos para apaziguá-los; aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água da Vida antes que soem as doze badaladas, senão o portão fecha-se e tu ficarás lá preso.

    O príncipe agradeceu, gentilmente, ao anão, pegou a varinha e os dois bolos e se pôs a caminho; e conforme as suas indicações chegou diante do castelo. Com a varinha mágica bateu três vezes no imenso portão e este abriu- se; ao entrar, os dois leões arremessaram-se contra ele de bocas escancaradas, mas apaziguou-os, atirando-lhes os bolos, e assim não sofreu mal algum. Antes de dirigir-se à fonte da Água da Vida, o príncipe não resistiu à tentação de ver o que havia no interior do castelo cujas portas estavam abertas; galgou a escadaria e entrou. Viu uma série de salões grandes e luxuosíssimos; no primeiro deles viu, imersos em sono letárgico, uma multidão de fidalgos e criados. Sobre uma mesa avistou uma espada e um saquinho de trigo; teve um pressentimento que esses objetos lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo.
    Passando de um salão para outro, no último deu com uma princesa de beleza deslumbrante, a qual se levantou e disse-lhe que, tendo conseguido penetrar no castelo, destruira o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde.
   
    - Dentro de um ano, dia por dia, - disse ela - se voltares aqui serás meu esposo.

    Depois indicou-lhe onde estava a fonte da Água da Vida e despediu-se dele, recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes de o relógio da torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse momento exato os portões se fechariam.
    O príncipe percorreu em sentido inverso os numerosos salões por onde passara, até que um deles viu uma belíssima cama com as roupas muito alvas e rescendentes; como estivesse cansadíssimo da longa caminhada, sentiu-se tentado a descansar um pouco, deitou-se para tomar um breve repouso e adormeceu. Felizmente mexeu- se e fez cair no chão a espada que colocara ao seu lado; o barulho despertou-o em tempo, pois perdendo a hora ficaria prisioneiro no castelo.
    Levantou-se depressa; faltava apenas um minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco com a preciosa água e fugir.
    Transpondo os batentes da entrada, soou o relógio dando meio-dia; o portão fechou-se com estrondo e tão rapidamente que ainda apanhou um tacão do príncipe arrancando-lhe uma espora.
    O príncipe estava no auge da felicidade por ter conseguido a água milagrosa que salvaria a vida do seu amado pai; e ansioso de ver-se no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. Na floresta, encontrou o anão no mesmo lugar, o qual, ao ver a espada e o saquinho de trigo, lhe disse:

    - Fizeste bem em guardar esse precioso tesouro! Com essa espada poderás sozinho vencer os exércitos mais numerosos; e com o trigo desse saquinho terás todo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo.

    Encantado por conhecer os dons prodigiosos da espada e do saquinho, estava contudo apoquentado com a ideia da desgraça dos irmãos; perguntou ao anão se não poderia fazer algo por eles.

    - Posso, - respondeu o anão - ambos estão pouco distantes daqui, entalados entre barrancas muito apertadas; amaldiçoei-os por causa do seu orgulho e insolência.

    O príncipe rogou, encarecidamente, que lhes perdoasse e os libertasse, e tanto insistiu que o anão cedeu às suas súplicas.

    - Mas advirto-te que te arrependerás. - disse o anão - Não te fies neles; são de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável.

    Assim dizendo, o anão fez as barrancas se afastarem deixando os entalados em liberdade; pouco depois reuniram-se ao irmão, que os estava esperando. Muito feliz por os tornar a ver, o príncipe logo lhes narrou as suas aventuras e disse-lhes que daí a um ano voltaria novamente ao castelo para desposar a maravilhosa princesa e reinar com ela sobre um grande país.
    Depois puseram-se os três a caminho de regresso para casa. Atravessaram um reino que estava assolado pela fome e pela guerra, estando o rei já desesperado de poder salvar-se e ao seu povo. O bom príncipe então confiou ao rei o saco de trigo e a espada mágica; com esses objetos, o rei conseguiu derrotar os exércitos invasores e encher todos os celeiros, até ao forro, do precioso cereal. O príncipe tornou a receber a espada e o saquinho e os três irmãos continuaram na viagem; para encurtar caminho e rever mais depressa o pai, resolveram tomar um navio.
    Durante a travessia, os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes, começaram a conspirar contra ele:

    - Nosso irmão conseguiu a Água da Vida e nós não, com isso nosso pai o promoverá a herdeiro único do trono, que deveria ser nosso, e a nós nada tocará.

    Então juraram perdê-lo. De noite, quando ele dormia a sono solto, furtaram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por outra salgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas, quando iam apoderar-se deles, os objetos desapareceram de repente.
    Quando chegaram em casa, o jovem correu para o pai e apresentou-lhe o frasco para que bebesse e logo ficasse bom. O rei, mal engoliu alguns goles daquela água salgada, achou o gosto horrível e piorou sensivelmente. Estava ele se lastimando quando chegaram os dois filhos mais velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles, porém, traziam-lhe a verdadeira Agua da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu alguns goles, pôde logo levantar-se do leito, cheio de vida e de saúde, como nos tempos de sua juventude. O pobre príncipe, expulso da presença do pai, entregou-se ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele e, rindo e mofando, disseram-lhe:

    - Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste encontrar a Agua da Vida, mas nós tivemos o proveito. Devias ser mais esperto e manter os olhos abertos. Enquanto dormias a bordo, trocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos, se quiséssemos, ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te, contudo, de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acreditaria; se disseres uma só palavra não nos escapas, perderás a vida. Também não penses em ir desposar a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois.

    O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o tivesse querido envenenar. Convocou, portanto, os seus ministros, e conselheiros e submeteu- lhes o caso. Foram todos de opinião que o príncipe merecera a morte e o rei decidiu que fosse morto secretamente por um tiro. E partindo o moço para a caça sem suspeitar de nada, um dos criados do rei foi encarregado de o acompanhar e matá-lo na floresta. Quando chegaram ao lugar destinado, o criado, que era o primeiro caçador do rei, estava com um ar tão triste que o príncipe indagou a razão daquilo:

    - Que tens, caro caçador?
    - Proibiram-me falar, mas devo dizer tudo. - respondeu o caçador.
    - Dize então o que há, nada temas.
    - Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos.
    O príncipe sobressaltou-se, mas disse;
    - Meu amigo, deixa-me viver. Dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres.
    - Da melhor boa vontade. - disse o caçador.
    - Ê preciso que o rei julgue que executaste as suas ordens, - disse o príncipe - senão a sua cólera recairá sobre ti. Vestirei essas roupas feias e tu levarás as minhas como prova de que me mataste. Em seguida, abandonarei para sempre este reino.

    Assim fizeram.
    Pouco tempo depois, o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho, incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes em agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. Diante disso, o rei pôs-se a refletir:

    - Meu filho seria inocente? - e comunicou aos que o serviam: - Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivesse vivo!

    Então, encorajado por essas palavras, o caçador revelou a verdade. Disse ao rei que o bom príncipe estava com vida, mas em lugar ignorado. Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar em todo o pais que considerava o filho inocente e que desejava, imensamente, que ele voltasse para casa. Mas a notícia não chegou ao príncipe. Encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver como um filho de rei.
    Nesse ínterim, a princesa do castelo encantado, que ele livrara do sortilégio, mandara construir uma avenida toda calcetada com chapas de ouro maciço e pedras preciosas, a qual conduzia diretamente ao castelo, explicando aos seus vassalos:

    - O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar, virá a galope bem pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas.

    Com efeito, dia por dia, um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão mais velho achou que podia apresentar-se como sendo o salvador e receber a princesa por esposa. Ao atravessar o portão e vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pedrarias, não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza, que ele já considerava suas, e fez passar o animal pelo lado de fora. Mas, quando chegou diante do portão do castelo, dizendo que era o noivo da princesa, todos riram e depois correram-no de lá a chicote.
    Pouco tempo depois, vinha também o segundo príncipe e, quando chegou à entrada do castelo, vendo todo aquele ouro e joias, pensou que seria um pecado arruiná-los. Deixou, portanto, o cavalo galopar pelo lado esquerdo e apresentou-se como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sorte que o irmão mais velho: foi corrido a chicote.
    Estava justamente findando o ano estabelecido e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e ao seu lado esquecer suas mágoas.
    Pôs-se a caminho, só pensando na felicidade de tornar a ver a linda princesa. Ia tão embevecido que nem sequer viu que a estrada estava toda coberta de pedras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida e, quando chegou diante do portão do castelo, este foi-lhe aberto de par em par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo. Dentro em pouco, apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu cheia de felicidade, declarando a todos que ele era seu salvador e senhor daquele reino. E as núpcias foram imediatamente realizadas em meio a esplêndidas festas.
    Depois de terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela contou-lhe que seu pai o havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo.
    Acompanhado da rainha, sua esposa, ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo quanto se passara. Como fora traído pelos irmãos e como estes o obrigaram a calar-se.
    O rei, extremamente irritado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença a fim de receberem o castigo merecido, mas vendo suas maldades descobertas, eles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem sua vergonha. Não o conseguiram. Sobreveio uma tremenda tempestade, que tragou o navio, e eles pereceram miseravelmente.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles

domingo, 8 de maio de 2016

Primeiros Jogos Florais do Peru 2016 (Resultado Final)


Por uma sociedade livre de violência

Promovidos por El Presidente Javier Matos Quintanilla
Delegado da União Brasileira de Trovadores UBT -Peru
Delegado Cultural UNILETRAS- Gestor Sementes de Juventude.

TEMA: Violência

Troféu César Abraham Vallejo Mendoza

VENCEDORES:

1º Lugar:
Se a poesia te renova,
e a violência não te apraz...
Sê mensageiro da trova,
pombo-correio da paz!
Prof. Garcia
-
2º Lugar:
A violência respondida
simplesmente com amor
desarma e cura a ferida
do mais cruel agressor.
Edweine Loureiro da Silva
-
3º Lugar:
Sonho um mundo sem violência,
onde um dia poderei
ver que a humana convivência
nem precisa mais de lei.
Antonio Augusto de Assis
-

4º Lugar:
Que inominável violência
entre dois mundos distintos:
um, em que impera a opulência
outro, os sem-teto e os famintos!
Wanda de Paula Mourthé
-
5º Lugar:
Com violência, não se joga.
O vício, a vida desfaz...
Larga o cachimbo da droga,
fuma o cachimbo da paz!
Prof. Garcia
-
MENÇÃO HONROSA:

Ao se usar a violência,,
todo o bom senso diria
que é falta de inteligência,
ou ato de cobardia.
António Barroso (Portugal)
-
A violência consentida
no reino dos animais,
não pode ser concebida
no mundo dos racionais.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
-
Somos contra a violência
não por medo ou covardia;
mas por termos consciência
de que a paz gera harmonia.
Adamo Pasquarelli
-
Quem abusa da inocência
de uma indefesa criança
comete dupla violência:
fere a pureza e a esperança.
Antonio Augusto de Assis
-
O ódio e o egoísmo consomem
nossos laços de união.
- Só há violência onde o homem
não vê o irmão como irmão.
Maria Luiza Walendowsky
-
MENÇÃO ESPECIAL:

Por faltar ao mundo a "essência"
que faz germinar o amor,
cresce o "Joio" da violência
e o "trigo" morre de dor.
Wandira Fagundes
-
Violência nunca se aceita
e a que o mal maior alcança
vem daquela quando é feita
a uma inocente criança!
José Antônio de Freitas
-
Um gesto tem seu valor
de acordo com a procedência:
nos lábios de um opressor
até um sorriso é violência!
Arlindo Tadeu Hagen
-
À violência se cale.
Resista... e recolha os cacos,
pois “dar o troco” equivale
a se nivelar aos fracos.
Heder Rubens Silveira e Souza
-
Velho ditado alardeia
com profunda sapiência:
“quem violência semeia
só vai colher violência. ”
Antonio Claret Marques
-
TROVAS DESTAQUE

Enfrentando violência,
que o Homem seja capaz
de usar, com plenipotência,
Forças Armadas de Paz!
Dodora Galinari
-
Em dois mil e dezesseis,
tenhamos mais consciência,
melhorando nossas leis
no combate à violência!
Delcy Canalles
-
A violência aparece
em todos cantos do mundo,
por que este mundo sem prece
é cada vez mais imundo.
Plácido Ferreira do Amaral Júnior
-
Pasmem! - dizem as manchetes -
Violência de hora em hora!
E nem sempre, nas enquetes,
as agressões vêm de fora!
Lisete Johnson
-
Se com armas presenteias
a criança, sem prudência,
estás pondo em suas veias
o vírus da violência.
Dalva Maria de Araújo Sales

Olivaldo Júnior (Branco)

Pintura de Van Gogh
Era homem, jamais pintaria o cabelo!... Porém, desde que, de repente, como quem vê um fantasma, se deparou com aquele branco fio de cabelo, intruso, na cabeça, não sossegou e, às escondidas, passou a pintar a, outrora, negra cabeleira.

Tentava esconder a passagem do tempo em seus cabelos, mas o tempo também deixa brancos a memória e seu presente, o que vivemos e nem vimos viver. Dizem que o branco reúne em si todas as cores... Ou seria o preto? Ih, me "deu branco"...

Era um homem que tinha vivido pouco, nem saberia nos dizer quantas vezes perdera o bonde da vida e, pé ante pé, palmilhara a escuridão com os olhos brancos, brancos de medo. Se a vida é um cheque em branco, no dele não tinha cifras.

À noite, quando o branco da lua iluminava sua alma, punha palavras negras na folha em branco do computador, sempre ávido por outras sílabas, outras formas de vencer o escuro com a luz, ainda baça, de um texto novo, recém-nascido, nu.

Pintava seu cabelo como se dissesse a si mesmo no espelho que ainda tinha tempo para o azul do existir, o rubro do amor, o verde, a esperança! E o amarelo das fotos, onde ficava? No branco dos olhos, na cinza das horas, tingido, fingido por ele e pelas mãos que ainda almejam ter outras nas suas... Virei (Vixi!), isto é, virou-se o pote de tinta!... Logo viria outro fio. Branco.

Fonte:
O Autor

Irmãos Grimm (O Noivo Bandido)

  
  Houve, uma vez, um moleiro que tinha uma filha, muito bonita; quando ela atingiu a idade de casar, o pai decidiu arranjar-lhe um bom casamento, e pensava: "Se aparecer um pretendente em condição e a pedir em casamento, dou-lhe."
    Não demorou muito, apareceu um pretendente, que demonstrava ser muito rico, e o moleiro, não achando inconveniente algum, prometeu dar-lhe a filha.
    A moça, porém, não o amava como deve ser amado um noivo, e não tinha nem um pouco de confiança nele. Cada vez que o via ou que pensava nele, sentia-se dominada por inexplicável repulsa. Um dia, disse o noivo:
    - És minha noiva e nunca me visitas!
    - Não sei onde é a vossa casa. - respondeu a moça.
    - A minha casa, - disse ele, - fica bem no âmago da floresta.
    Ela pretextou que não conseguiria encontrar o caminho para ir lá, mas ele insistiu:
    - Eu já convidei as outras visitas, para que possas te orientar, espalharei cinzas no caminho da floresta.
    No domingo, quando a moça estava pronta para sair, sentiu grande medo, sem saber por quê e, para marcar bem o caminho, encheu os bolsos com lentilhas e ervilhas. Logo na entrada da floresta, viu as cinzas espalhadas; foi seguindo por ela, mas a cada passo ia deixando cair, de cada lado do caminho, um grão de ervilha e de lentilha.
    Andou quase o dia inteiro, até que, por fim, chegou ao âmago da floresta; aí estava uma casa solitária, que nada lhe agradou, pois lhe parecia tenebrosa e inquietante.
    Entrou; não havia ninguém lá dentro e reinava o mais profundo silêncio. De repente, uma voz gritou:

    Foge, foge. bela noivinha,
    de salteadores é esta casinha.

    A moça ergueu os olhos e viu que a voz partia de um pássaro preso numa gaiola dependurada na parede. Ele gritou novamente:

    Foge, foge. bela noivinha,
    de salteadores é esta casinha.

    A noiva, então foi de um quarto para outro, percorrendo toda a casa, sem encontrar alma viva. Finalmente, chegou à adega. Viu lá sentada uma velha decrépita, cuja cabeça tremia.
    - Podeis dizer-me se mora aqui meu noivo? - perguntou a moça.
    - Ah, pobre menina! - respondeu a velha, - onde vieste cair! Num covil de salteadores. Tu te julgas uma noiva em vésperas de casamento, mas tuas núpcias serão com a morte. Vê? Preparei no fogo um grande caldeirão com água; se cais nas mãos deles, serás picada impiedosamente em pedaços, depois cozida e devorada, pois eles são canibais. Se eu não me apiedar de ti, estarás perdida.
    A velha, então, ocultou-a atrás de um tonel, onde não seria vista.
    - Fica aí quietinha, como um ratinho, não te mexas e não dês sinal de vida; se não estás perdida! Esta noite, quando os salteadores estiverem dormindo, fugiremos as duas; há tanto tempo que venho aguardando a oportunidade!
    Mal acabara de falar, chegou o bando de salteadores; vinham arrastando junto uma outra jovem; bêbados como estavam, não se impressionavam com seus gritos e lamentos.
    Obrigaram-na a beber três copos cheios de vinho, um branco, um vermelho e um amarelo; com isso, partiu-se-lhe o coração. Arrancaram-lhe as belas roupas, deitaram-na sobre a mesa, cortaram em pedaços seu lindo corpo e o salgaram.
    A pobre noiva, atrás do tonel, tremia como vara verde; via com os próprios olhos o destino que lhe reservavam os bandidos.
    Um deles, vendo brilhar um anel no dedinho da morta, tentou arrancá-lo; não o conseguindo tão facilmente, pegou no machado e decepou o dedo que, dando um pulo no ar, foi cair atrás do tonel, bem no colo da noiva. O bandido pegou num candeiro e pôs-se a procurá-lo, mas inutilmente. Então um outro disse-lhe:
    - Já procuraste atrás do tonel?
    Mas a velha gritou:
    - Venham comer, vós o procurareis amanhã; o dedo não foge, não!
    - A velha tem razão - disseram eles.
    Deixaram de procurar e foram sentar-se à mesa para comer; então a velha pingou um sonífero dentro do vinho; tendo bebido, todos adormeceram e começaram a roncar fortemente.
    Ouvindo-os roncar, a noiva saiu do esconderijo e teve que pular por sobre os corpos estendidos no chão, com um medo horrível de acordar algum. Mas, com o auxílio de Deus, conseguiu passar. A velha saiu com ela, abriu a porta e ambas fugiram o mais depressa possível do covil dos assassinos. O vento levara a cinza, mas os grãos de ervilha e de lentilha haviam brotado e, como o luar estava bem claro, elas seguiram o caminho indicado.
    Andaram a noite toda e só chegaram ao moinho pela manhã. A jovem contou ao pai tudo o que acontecera, sem omitir nada.
    Quando chegou o dia do casamento, o noivo apresentou-se. O moleiro, porém, convidara todos os parentes e amigos. Na mesa, durante o banquete, cada conviva teve de contar uma história. A noiva, sentada ao lado do noivo, nada dizia. Então, o noivo voltou-se para ela.
    - E tu, meu coração, nada tens a contar? Narra uma história qualquer!
    - Bem, contarei um sonho que tive! - disse ela.
    "Ia andando sozinha por uma floresta e fui parar numa casa, solitária. Dentro não havia ninguém, apenas um pássaro preso numa gaiola dependurada na parede, o qual, vendo-me, gritou:
    Foge, foge, bela noivinha,
    de salteadores é esta casinha.
    Gritou isso duas vezes.
   
    - Meu amor, é apenas um sonho!

    - Percorri os quartos e todos estavam vazios e fúnebres! Finalmente, fui ter à adega e lá estava uma velha decrépita sentada, a cabeça a lhe tremer; perguntei-lhe:
    "Mora aqui o meu noivo?"
    "Ah! pobre menina, - respondeu-me ela, - caiste num covil de assassinos! Teu noivo mora aqui, mas tu serás assassinada, cortada em pedaços, cozida e devorada.

    - Meu amor, é apenas um sonho!

    - A velha ocultou-me atrás de um tonel; mal me escondera, chegaram os bandidos, arrastando consigo uma moça; deram-lhe a beber três copos de vinho, um branco, um vermelho e um amarelo, e, com isso, partiu-se-lhe o coração.

    - Meu amor, é apenas um sonho!

    - Depois arrancaram-lhe as belas roupas, deitaram-na sobre a mesa, cortaram em pedaços seu lindo corpo e o salgaram.

    - Meu amor, é apenas um sonho!

    - Um dos bandidos viu um anel no dedinho dela e, achando difícil arrancá-lo, decepou o dedo com o machado; mas o dedo, dando um pulo no ar, foi cair atrás do tonel, justamente no meu colo. Ei-lo aqui.
    Assim dizendo, tirou do bolso o dedinho e mostrou- o a todos os presentes.
    O bandido, que durante a narrativa ficara branco como um pano lavado, pulou da cadeira e tentou fugir; mas os convidados agarraram-no e o entregaram à justiça.
    Ele e todo o bando foram condenados e justiçados, pagando assim seus terríveis crimes.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/