sábado, 4 de setembro de 2021

Adega de Versos 43: Wellington Vicente

 

Carolina Ramos (Palavras)

As coisas não iam bem! Ambos reconheciam. Impaciências... Irrelevâncias... Descontentamento de ambos os lados. E sem palavras justificativas!

Dois computadores, na mesma sala, colocavam o casal de costas um para o outro, alimentando o mutismo.

Foi quando, quase que simultaneamente, as duas telas receberam o mesmo artigo esclarecedor: - "Como salvar um Casamento".

Dupla leitura... silenciosa e ponderada e sem qualquer comentário de ambos os lados.

Contudo, as palavras sábias daquele artigo bem-intencionado, digitadas às pressas por mãos femininas, foram parar sob o travesseiro dele enquanto o inverso também aconteceu,

Aquele duplo e inspirado convite para uma conversa de caráter afetivo foi recebido pelo casal como oportuno e caído do céu.

Assim, quando a noite chamou o par ao leito, ambos encontraram sob os respectivos travesseiros aquela mesma mensagem sábia e conciliadora, que, embora não adivinhassem, alguma inspirada e santa alma simultaneamente enviara para os dois computadores.

A cumplicidade de um sorriso apagou a luz... e o renascer de sentimentos esquecidos por aqueles dois corações dispensou palavras! O casamento estava salvo!

Bruxas ou Fadas - ou, quem sabe. Santas? - duas sogras, unidas, podem conseguir milagres... quando, ostensivamente, a felicidade dos filhos periga. E, se depender de um simples empurrãozinho... não poupam nenhum esforço para que esse milagre aconteça.

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). 
Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. 
Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

Fabiano Wanderley (Glosas) – 3

ALEXANDRE, O PINGO DE OURO,
TRAZ NO SOLO, A POESIA.


A música é o seu tesouro,
pelo dom que Deus lhe deu
e o próprio mundo acolheu
Alexandre, o pingo de ouro.

Ele é um grande ancoradouro
onde aporta, melodia,
os solfejos, a harmonia,
a maestria, afinal;
com requinte instrumental,
traz no solo, a poesia!

(Ao grande amigo, o instrumentista Alexandre Moreira)
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COZINHEI, À LUZ DE VELA,
A CABEÇA DA CIOBA.

Vez por outra, a gente apela,
mas, conforme a ocasião,
não tendo iluminação,
cozinhei, à luz de vela.

Pus o peixe na panela,
com semente de algaroba,
com vagens de mangiroba,
carreguei, no condimento
e deixei pra cozimento,
a cabeça da cioba.
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NÃO POSSO VENCER A MORTE
MAS, IREI DE MÁ VONTADE


Mesmo que eu não a suporte,
não escapo, não tem jeito,
para tal, sou imperfeito,
não posso vencer a morte.

Não adianta ser forte,
mas, com toda honestidade,
com toda sinceridade
que existe dentro de mim,
terei por certo o meu fim,
mas, irei de má vontade.
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NEM TODA GRAÇA SE ALCANÇA
NEM TODA PROMESSA É JURA.


Nem todo jovem é criança,
nem todo brilhar é de ouro,
nem todo achado é tesouro,
nem toda graça se alcança.

Nem todo animal se amansa,
nem toda paz é segura,
nem toda flor tem candura,
nem toda morte é destino,
nem todo alto é divino,
nem toda promessa é jura.
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OBRIGADO, MEU SENHOR,
POR CONSERVAR MEU SORRIR.


Vivo a vida, com amor,
na amizade, na harmonia,
sinto paz, muita alegria,
obrigado, meu Senhor.

Não permita em mim a dor,
nem outro mal, que há de vir,
comanda o meu existir,
perdoa os pecados meus,
muito obrigado, ó meu Deus,
por conservar, meu sorrir.
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O QUE ERA UMA COISA BOA,
TORNOU-SE UMA COISA RUIM.


Quanta gente, hoje, atraiçoa
seu antigo e grande amor,
transformando em desamor,
o que era uma coisa boa.

Não mude de casa à toa,
reflita, não haja assim,
pois, irá sofrer enfim,
a dor de uma desventura,
ao ver que a sua aventura,
tornou-se uma coisa ruim.

Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. Natal/RN, 2014.

Arthur de Azevedo (O Último Palpite)

O caso que vou narrar não é inventado; passou-se, não há muito tempo, no bairro do Engenho Velho.

Havia ali uma família que se deixou dominar pelo jogo do bicho, a ponto de não pensar em outra coisa. Desde pela manhã até à noite havia naquela casa dois assuntos exclusivos de todas as conversas: o bicho que tinha dado e o bicho que ia dar.

O chefe da família era um cardíaco, e quero crer que foram as emoções do jogo que o atiraram na cama para nunca mais se levantar.

Momentos antes de morrer, o pobre homem, cercado pela mulher e os filhos, acenou como se quisesse dizer alguma coisa. A senhora debruçou-se sobre ele, e o moribundo, fazendo um esforço supremo, proferiu estas palavras:

- Joga tudo no cachorro!

Cinco minutos depois exalava o último suspiro.

A viúva, na ocasião em que, debulhada em lágrimas, dava as necessárias ordens para o enterro, lembrou-se, por pegar em dinheiro, da recomendação do defunto; chamou o copeiro e disse-lhe:

- José, vai jogar dez mil-réis no cachorro. Não creio que dê, porque ainda anteontem deu, mas devo respeitar o último palpite do meu marido. É um palpite sagrado!

Toda a vizinhança soube da coisa, e não houve bicho careta que não jogasse no cachorro. Os bicheiros do bairro levaram um tiro, porque efetivamente foi o cachorro que deu.

Quando vieram trazer os duzentos mil-réis à viúva, ainda não tinha saído de casa o cadáver do marido.

Ela ficou desesperada, e, abraçando o caixão, exclamou entre lágrimas, com grande espanto das pessoas presentes:

- Perdoa, Manuel, perdoa! Tu me disseste que jogasse tudo no cachorro, e eu joguei apenas dez mil-réis! Agora vejo que estavas inspirado pela bondade divina, e querias deixar tua família amparada!. . . Recebi apenas duzentos mil-réis! Perdoa Manuel, perdoa!

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários. Disponível no Domínio Público.