sábado, 26 de janeiro de 2019

Magdalena Léa (Jardim de Trovas)


Ah, se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer...
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?!...

Amei. Era sede e fome
o amor que me torturou.
Quem ama assim, sempre come
o pão que o diabo amassou.

A mulher é imponderável,
instável, imprevisível,
indócil, imperscrutável...
Não se esqueça: imprescindível.

Aprendeu logo o Zezinho,
Depois que foi baleado,
Que é melhor amar sozinho
Do que bem acompanhado.

Com firmeza e tolerância
educa em justa medida.
São as feridas da infância
que nos marcam para a vida.

Convenções? Que um tolo as ouça!
pois mulher – o mundo zurra –
deve ser sempre mais moça,
mais baixa e também mais burra.

Desculpe-me quem puder,
mas a História se enganou:
depois que fez a mulher,
nunca mais Deus descansou!...

Distraída, distraída,
é a mulher do Januário;
ouve à porta uma batida,
tranca o marido no armário!

É a vida, em seu poder,
requintada em crueldade:
nasce a gente sem querer,
e morre sem ter vontade.

Embora sem alegria
vou cantando nos caminhos.
- Foi essa a filosofia
que aprendi com os passarinhos.

Em vossos olhos nublados,
velhinhos de longas vidas,
há prantos cristalizados
de todas as despedidas.

Em zigue-zague na estrada,
guia um “cara” no pileque.
- A curva multiplicada
dividiu seu calhambeque.

É nos elos que nós vemos
união e força patentes,
porque é que não aprendemos
esta lição das correntes.

Fazer plástica é bobagem.
Se o tempo nos vai minando...
 - Dar brilho na lanternagem
com este motor rateando?

Foi tão engraçada a piada
que a dentadura da zinha,
em tremenda gargalhada,
cai no chão rindo sozinha.

Hei de te amar – ele jura –
até velhinho – que lindo!
e ver nossa dentadura
no mesmo copo... sorrindo.

Inflação! Que mais eu posso
senão  rir dessa desgraça?
Pois rir é o único troço
que a gente ainda faz... de graça.

Mentes tanto, e nem presumes
que um dia ainda te firas
nestas armas de dois gumes
que são as tuas mentiras?

Mesmo em sonhos são fracassos
meus encontros fugidios:
cerro os olhos, abro os braços
e fecho os braços vazios.

Meu amor, que mais desejo?
Eu só desejo, na vida,
beijar-te e, acabado um beijo,
Começar outro em seguida.

Meu bebê vai caminhar,
estendo as mãos comovida.
Ah! se eu pudesse guiar
seus passos por toda a vida.

Minha alegria, querido,
por certo não adivinhas:
foi o teres esquecido
tuas mãos dentro das minhas.

Minhas lágrimas contive
naquele instante preciso. 
Foi então... então que tive
a bravura de um sorriso.

Minha sogra, aquela bruxa,
num fusca mandando brasa,
e eu fico pensando: – puxa!
com tanta vassoura em casa!

Na educação dos pequenos,
belos frutos colherás,
censurando muito menos,
elogiando muito mais.

O amor que teimo ocultar,
sem dizer nada a ninguém,
pudesse te confessar
e apenas diria – vem!

Ó realidade, não fira
quem sonha e vive contente.
Se uma ilusão é mentida,
enfeita a vida da gente.

Para cumprir seu destino
parte meu filho, homem feito.
- E eu guardarei, meu menino,
tua infância no meu peito.

Perdoa. Eu também sofri
se briguei contigo assim...
Eu gosto muito de ti,
mas... gosto também de mim!

Porque teme envelhecer?
Envelheça, a fronte erguida.
Um ano mais quer dizer
que a vida lhe dá mais vida!

Preso tu sempre hás de ser,
nem creias na liberdade.
Quando nada te prender
estarás preso à saudade.

Quando o sol é brasa ardendo
nas terras secas crestadas,
pingo no zinco batendo
é a mais bela das toadas.

Quando vejo um assassino,
um viciado, um ladrão,
eu adivinho um menino
a quem ninguém deu a mão.

Quando volto ao meu rincão
piso a terra comovida.
 - Cada pedaço de chão
conta um pedaço de vida.

Quem dentadura precisa
cuidado com a gargalhada.
Faça que nem Monalisa
que ri de boca fechada.

Seria desoladora
a vida, se, lá na frente,
a esperança enganadora
não acenasse pra gente.

Só te peço amor sincero,
e o céu será todo nosso.
Se sou tua - que mais quero?
Se sou mulher - que mais posso?

Tendo ao seio o meu menino,
tudo em volta é luz e brilho.
Nem sei mesmo onde termino
e onde começa o meu filho.

Toda mulher que é gorducha
tem um recurso só seu:
ao vestir-se grita – “Puxa!
como este troço encolheu!!!”

Tudo sinto na alma, o enlevo
das histórias infantis.
- Lobato, quanto te devo
da minha infância feliz!

Vão-se os anos. Iludida,
nesta angústia de retê-los,
vejo que a chama da vida
se faz cinza em meus cabelos.

Vi-te em menina e, talvez,
nem me notaste, sequer...
Pois foi a primeira vez
Em que eu me senti mulher.

Magdalena Léa (Oração para Envelhecer)

Magdalena Léa
Autor inglês desconhecido. Adaptação de Magdalena Léa
_____________________________

Meu Deus,

Você sabe, melhor do que eu, que já estou envelhecendo e que breve serei mesmo velho.

Livre-me, pois, do mau-hábito de querer resolver o problema dos outros.

Livre-me, também, do mau-hábito de pensar que, porque sou mais velho, sei mais que os outros.

Mantenha-me inteligente, mas não prepotente, e que saiba aconselhar sem dar ordens.

É pena, realmente, que toda a sabedoria que eu acho que tenho, não possa ser aplicada, mas você sabe, meu Deus, como eu preciso manter meus amigos até o fim.

Livre-me de explicar as coisas com excesso de detalhes e dê asas à minha mente, para que ela voe ao ponto capital das questões.

Cale a minha boca de reclamar contra as minhas dores; o gosto de ensaiá-las a cada dia, em cada ano fica mais apurado.

Meu Deus, eu não peço a graça exagerada de sentir prazer ao ouvir as lamúrias do próximo, mas, apenas, dê-me um pouco de paciência para aturá-las.

Não me deixe esquecer a lição de que eu possa estar errado com muita freqüência.

Mantenha-me mais ou menos de bom-humor, mas não quero ser santo, pois os santos são difíceis na comunicação com os humanos.

Porém um velho azedo é obra mesmo do diabo.

É, meu Deus, dê-me a graça de ver boas coisas em todas as coisas e saber apreciá-las. Amém.

Antonio Cícero da Silva "Águia" (A Flor Amarela)


Na fazenda do senhor Cosmo, nasceu uma planta bem diferente das demais, em toda a região.

E com o passar do tempo, ela foi crescendo e crescendo. Depois de estudada por profissionais da área, foram colhidas amostras, por tratar-se de uma planta desconhecida pela ciência, em toda a região, para possíveis levantamentos referentes à mesma.

A planta cresceu sem que as pessoas soubessem seu nome. Ninguém a conhecia. Na sua espécie, pessoa alguma conseguia comentar, por falta de conhecimentos.

Até que um dia, floresceu uma grande e linda flor amarela, que era bem maior que um girassol.

E um homem que passava no local, ao acariciar a tão linda flor amarela, ficou sarado na hora, das lesões de um derrame, em que havia sofrido.

O homem, falou ao proprietário do local, senhor Cosmo, do que havia acontecido com ele.

O fazendeiro, por sua vez, tomando conhecimento de que o senhor Aquiles estava novinho em folha, de maneira que nem parecia pessoa que tivesse sofrido a um recente derrame, pegou um menino seu criado que era cego e levando-o sem nenhum alarde, juntamente com o senhor Aquiles, até a planta, que media um metro e meio de altura e fizeram com que a criança tocasse a planta, que ficou sarado, no mesmo instante.

O menino, quase entrou em estado de choque, por nunca ter visto o mundo e por alcançar a um tremendo milagre, estava enxergando a tudo.

A notícia rapidamente se espalhou por toda a região e vinham pessoas de todos os lugares, com diferentes problemas de enfermidades e ao tocarem a flor, eram completamente curadas.

E assim, tudo aconteceu por um longo tempo.

Até que um dia, um dos filhos do fazendeiro senhor Cosmo, teve uma ideia de passar a cobrar pedágio a título de taxa para conservação, a todas as pessoas, que alcançassem a graça de serem curadas, por aquela desconhecida planta.

De início, seu pai relutou contra aquela ideia, mas sendo vencido pelo cansaço, abriu mão do assunto.

O senhor Cosmo não aceitou a tal ideia, por ter nascido aquela planta por acaso, no local onde vivia, por conta do destino.

Leandro passou então, a cobrar o pedágio, de todas as pessoas que iam a procura de um milagre.

De início, cobrava apenas, das pessoas que alcançavam o que desejavam, mas logo em seguida, passou a cobrar de todos os que fossem lá. Mas um fato inusitado aconteceu. Tendo em vista a tamanha usura do moço, dentro de oito dias, a planta secou e com ela, desapareceram os milagres.

E toda a população passou a comentar, que por motivo do olhar tão grande do Leandro, desapareceu a planta tão milagrosa.

O tempo passou e um dia, o Leandro ao ser acometido por uma serpente, correu até ao local de onde havia anteriormente a planta da flor amarela e milagrosa e veio a morrer de joelhos, naquele lugar, sem alcançar também a nenhum milagre, por motivo de sua avareza.

Fonte:
Eldorado (coletânea de poemas, crônicas e contos). vol. II. 
Santos/SP: Celeiro de Escritores.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 3



Ralph Waldo Emerson
Boston/Massachusetts/EUA, 1803 - 1882, Concord/Massachussets/EUA
NÃO VENS…E É QUASE DIA…
É fácil viver no mundo conforme a opinião das pessoas. 
É fácil, na solidão, viver do jeito que se quer. 
Mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão, 
mantém com perfeita doçura a independência da solidão.
___________________________________________________

Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

Quando a vida se complica
nas horas de solidão,
amigo é aquele que fica
depois que os outros se vão.
___________________________________________________

Manuel Bandeira
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Belo Belo II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
___________________________________________________

Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Não tenho filho nem filha
que me afague o coração,
pois eu vivi tal qual ilha
perdida na solidão.
___________________________________________________

Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Uma Maior Solidão

Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jazo-me sem nexo, ou fim…
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim
___________________________________________________

Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Um bom livro nos envolve, 
dá prazer e distração; 
é um amigo que dissolve 
o amargor da solidão!
___________________________________________________

Joaquim Namorado
Alter do Chão/Portugal (1914 – 1986) Coimbra/Portugal 

Poema 7

Sobre a planície cai
uma chuva de lume
do sol a prumo.
A solidão sem sombras
incendeia-se de estrelas
e o silêncio estala
como a pele de frenéticos tambores
batidos furiosamente.
Os homens dobrados para a terra levantam
as cabeças medindo os horizontes rasos e
distantes com olhos ávidos, sem piedade
___________________________________________________

Adaucto Soares Gondim 
Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE

Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.
___________________________________________________

Gislaine Canales  
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Glosa: Lareira Saudade…

MOTE:
Fiz da saudade que aquece
a solidão dos meus dias,
a mensagem que enternece
minhas horas tão vazias.
Carolina Ramos
(Santos/SP)

GLOSA:
FIZ DA SAUDADE QUE AQUECE,
minha doce companheira,
peço, fique, quase em prece,
comigo, na noite inteira!

Eu preciso amenizar
A SOLIDÃO DOS MEUS DIAS,
minhas noites, a chorar,
são tristes, sem alegrias.

Quando o meu tempo anoitece
lanço em ecos pelo mundo
A MENSAGEM QUE ENTERNECE
desse meu sofrer profundo!

Saudade, lareira ardente,
vem, aquece as horas frias,
enche de amor, ternamente,
MINHAS NOITES TÃO VAZIAS.
___________________________________________________

Arlindo Tadeu Hagen 
Juiz de Fora/MG

Saudade são velhos trapos,
pedaços do coração,
que fica feito farrapos
na cerca da solidão!
___________________________________________________

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
___________________________________________________

Marcos Assumpção
Niterói/RJ

Casa Vazia

Falar de amor não é mistério
Nem tão difícil de explicar
A gente nunca faz por mal
Meu coração praia deserta
Morre de medo do inverno
E da solidão que me devora
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
Pensar que o amor é sempre eterno
Que é impossível ele se acabar,
Você bem que podia tentar, mas não, não, não…..
Então quero falar por um momento (só por um momento)
Da tua ausência no meu corpo
E dessa lágrima no meu rosto
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
O fogo arde sob o nosso chão
Nada é tão fácil assim
Eu ando sozinho, no olho do furacão
Você nem lembra mais de mim
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
___________________________________________________

A. A. de Assis
Maringá/PR

A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
___________________________________________________

Amália Rodrigues
Lisboa/Portugal, 1920/22 – 1999

Silêncio

Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um céu tão recolhido
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ó céu
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás d’ ela
E eu
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora
Solidão
Que nem mesmo essa é inteira
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai solidão
Quem fora escorpião
Ai solidão
E se mordera a cabeça
Adeus
Já fui pr’além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede
Adeus
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai como dói
A solidão quase loucura
___________________________________________________

Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

- Quando o amor se faz lembrança
e a solidão nos invade,
ou se vive de esperança
ou se morre de saudade...
___________________________________________________

Amaury Nicolini
Rio de Janeiro/RJ

A Felicidade Mora Ao Lado

Cruzamos nossos olhares nesta rua
onde somos, há muito, dois vizinhos,
ainda que sem ouvir uma palavra tua
nos tantos anos de comuns caminhos.

Nunca trocamos nenhum cumprimento
e nem nunca detivemos nosso passo.
Um pelo outro passamos, e o momento
se perde, num segundo, pelo espaço.

Mas hoje, ao te olhar, senti bem perto
uma voz a me dizer: “fala com ela”,
e ao teu encontro atravessei a rua.

O que eu fiz não podia ser mais certo:
da vida a sós abriram-se as janelas
e a minha enorme solidão beijou a tua.
___________________________________________________

Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Minha vida foi feliz
nas asas de uma ilusão.
Hoje a saudade me diz
que só resta a solidão.
___________________________________________________

Silvia Motta
Belo Horizonte/MG

Acróstico da desilusão :
Coração de férias

C-Coração está quase a parar…
O-O ritmo sem motivação fez
R-Requerimento de férias
A-Amorosas e, sem ilusão
Ç-Cessou até de sonhar…
Ã-Agora, está vazio de emoção!
O-O tempo não quer parar!
 –
D-Deixei o relógio cair ao chão
E-E nem assim ele quebrou…
 –
F-Felicidade não há na solidão!
É-É triste chorar sozinho no canto…
R-Recordando de tanta decepção!
I-Inaceitável ausência de carinho!
A-As férias estão em meu peito,
S-Sinto-me desfalecer deste jeito!
___________________________________________________

Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Triste e sozinha eu me deito,
mas encontrando um desvão,
a lua invade o meu leito,
e afugenta a solidão.
___________________________________________________

Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis/RJ

Amor perdido

A vida minha já não é mais minha
E nem mais meu este coração,
Você levou tudo de bom que eu tinha,
Só me restou esta solidão.

Água que passa não retorna mais,
Amor desfeito não se recupera,
É só passado que ficou pra trás,
Não se refaz… e agora já era!

O sentimento, quando é pequeno,
Só traz tristeza para o coração.
É bem pior que o pior veneno,
É prato feito pra desilusão.

E desse jeito vou levando a vida,
Segue à deriva minha embarcação…
Assim eu volto ao ponto de partida
E parto em busca de outra paixão.
___________________________________________________

Jean-Jacques Rousseau
Genebra/Suiça, 1712 - 1778, Ermenonville, França
É sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.
___________________________________________________

Paulo Roberto Oliveira Caruso
Rio de Janeiro/RJ

Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra 
minha antiga solidão!
___________________________________________________
Fonte:
Folhetim Literário "Desiderata" - n.5 - janeiro de 2019 - Tema: Solidão

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Majela Colares (Poemas Escolhidos)


ANTES DA ORIGEM E DEPOIS DA ORIGEM

nos confins das cores a cor se assusta
com os possíveis movimentos quando

nem mais do tempo se percebe o instante

não existe antes, nem depois existe
um ponto neutro - supõe ser o tempo

indefinido, amordaçado, um caos

onde se finda e tem começo o impulso
o movimento que define as cores

antes da origem e depois da origem
a luz, a sombra, a imagem, o susto

AQUI JAZ UM SONETO

Uma ideia conspirada  — um soneto —
que, ao certo, sangraria minha vida,
desprendeu-se da memória suicida
morrendo nos limites de um quarteto.

DESEJO & CHOCOLATE

um arco–íris surgiu entre dois lábios
no azul do mar, no céu, no azul, azul...
tinha a cor dos teus olhos – entre nuvens 
com sabor de alga, amido e chocolate

um arco-íris no mar riscou tua boca
entre ondas, lampejantes, mil desejos
exalados na brisa, aceso olfato
doce aroma de amor e de segredos

entre gotas de chuva e leves toques...
foi-se a tarde ancorando no teu rosto
sob o rastro de um sol quase poente

em meus braços restou a tua imagem:
um arco-íris risonho e transcendente;
em teus lábios: desejo & chocolate

POEMA ANÔNIMO

O poema que não fiz
(mas sempre canto)
está mais em mim
que muitos... 
(pouco que escrevi)
é o mais inconstante
indefinido 
dos poemas que vivi

o poema que não fiz
traduz meu mundo
está implícito... 
único
em meu verso
já não sei quem sou
quem ele é
- fundiram-se todos os limites

O poema que não fiz
sorri comigo e sofre
e dorme e finge...
pensa a anônima forma
só para não ser,
enfim, subjuntivo

o poema que não fiz
surge do nada
e conspira a relatividade do tudo
(é a razão variável do verbo)
não há palavras
não há gestos
metáforas
tinta
que o descreva

o poema que não fiz
(mas sempre canto)
fecunda a própria poesia
que me seduz a vida inteira

O SILÊNCIO DA FLOR

Foi quando as flores não vingaram frutos:
(nos secos ramos, ressecaram tardes)
as folhas murchas despencaram pálidas
se dispersaram contornando rastros

pelos caminhos conspiravam fugas
levando marcas de uma morte lenta,
porque raízes omitiram seiva
para mante-las sempre ao caule, sempre...

mas foi da terra sim, que a morte veio
do chão que a planta ruminava nuvens,
o fio de água, transformado em lodo,
contido pela rigidez da argila.

Foi quando as folhas se acharam adubo:
(nas secas tardes, renasceram ramos)
antigas folhas inundando o caule, 
imune seiva, frutos-flores, quando...

OS LIMITES DO TEMPO

Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.

Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.

Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.

Nos limites da sombra projetada 
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.

O MAMULENGO

Sentir o mundo - movimento e graça -
bordar sorrisos, encarnar em pano.
(Esta emoção ao morto-vivo abraça)
gesto ilusório. Sábio? Não. Profano?

Irreal vida exsurge, incerto plano
de ser boneco e homem, palco e praça
ao projetar-se voz, trejeito - engano...
confuso rito que no olhar disfarça.

O mamulengo finge o rosto e tinge
de rubra cor os lábios, flor-esfinge,
erguida, efêmera, na instável face

incontroversa (esta anônima peça)
que no teatro de boneco expressa
o homem louco sem nenhum disfarce.

O SOLDADOR DE PALAVRAS

Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com ideia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A ideia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.

SONETO PARA UMA ESTAÇÃO

Estas sombras antigas de poente
guardam arcos de sol - dias de outono -
desfolhados na noite, nunca ausente,
quando as horas bocejam voz de sono.

São instantes maduros de nascente
na surpresa incessante do mês nono,
concebidos em gestos, mão silente,
quando as horas bocejam cor de sono.

Entre os cílios, o mundo em movimento,
sob as asas dos olhos morre um vento
para não ser sequer restos de sono.

Mas ao leste dos lábios pousa a aurora
fogem sombras antigas, vão-se embora...
surgem arcos de sol - dias de outono.

VERDE PELÚCIA

A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,

que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.