quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Majela Colares (Poemas Escolhidos)


ANTES DA ORIGEM E DEPOIS DA ORIGEM

nos confins das cores a cor se assusta
com os possíveis movimentos quando

nem mais do tempo se percebe o instante

não existe antes, nem depois existe
um ponto neutro - supõe ser o tempo

indefinido, amordaçado, um caos

onde se finda e tem começo o impulso
o movimento que define as cores

antes da origem e depois da origem
a luz, a sombra, a imagem, o susto

AQUI JAZ UM SONETO

Uma ideia conspirada  — um soneto —
que, ao certo, sangraria minha vida,
desprendeu-se da memória suicida
morrendo nos limites de um quarteto.

DESEJO & CHOCOLATE

um arco–íris surgiu entre dois lábios
no azul do mar, no céu, no azul, azul...
tinha a cor dos teus olhos – entre nuvens 
com sabor de alga, amido e chocolate

um arco-íris no mar riscou tua boca
entre ondas, lampejantes, mil desejos
exalados na brisa, aceso olfato
doce aroma de amor e de segredos

entre gotas de chuva e leves toques...
foi-se a tarde ancorando no teu rosto
sob o rastro de um sol quase poente

em meus braços restou a tua imagem:
um arco-íris risonho e transcendente;
em teus lábios: desejo & chocolate

POEMA ANÔNIMO

O poema que não fiz
(mas sempre canto)
está mais em mim
que muitos... 
(pouco que escrevi)
é o mais inconstante
indefinido 
dos poemas que vivi

o poema que não fiz
traduz meu mundo
está implícito... 
único
em meu verso
já não sei quem sou
quem ele é
- fundiram-se todos os limites

O poema que não fiz
sorri comigo e sofre
e dorme e finge...
pensa a anônima forma
só para não ser,
enfim, subjuntivo

o poema que não fiz
surge do nada
e conspira a relatividade do tudo
(é a razão variável do verbo)
não há palavras
não há gestos
metáforas
tinta
que o descreva

o poema que não fiz
(mas sempre canto)
fecunda a própria poesia
que me seduz a vida inteira

O SILÊNCIO DA FLOR

Foi quando as flores não vingaram frutos:
(nos secos ramos, ressecaram tardes)
as folhas murchas despencaram pálidas
se dispersaram contornando rastros

pelos caminhos conspiravam fugas
levando marcas de uma morte lenta,
porque raízes omitiram seiva
para mante-las sempre ao caule, sempre...

mas foi da terra sim, que a morte veio
do chão que a planta ruminava nuvens,
o fio de água, transformado em lodo,
contido pela rigidez da argila.

Foi quando as folhas se acharam adubo:
(nas secas tardes, renasceram ramos)
antigas folhas inundando o caule, 
imune seiva, frutos-flores, quando...

OS LIMITES DO TEMPO

Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.

Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.

Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.

Nos limites da sombra projetada 
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.

O MAMULENGO

Sentir o mundo - movimento e graça -
bordar sorrisos, encarnar em pano.
(Esta emoção ao morto-vivo abraça)
gesto ilusório. Sábio? Não. Profano?

Irreal vida exsurge, incerto plano
de ser boneco e homem, palco e praça
ao projetar-se voz, trejeito - engano...
confuso rito que no olhar disfarça.

O mamulengo finge o rosto e tinge
de rubra cor os lábios, flor-esfinge,
erguida, efêmera, na instável face

incontroversa (esta anônima peça)
que no teatro de boneco expressa
o homem louco sem nenhum disfarce.

O SOLDADOR DE PALAVRAS

Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com ideia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A ideia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.

SONETO PARA UMA ESTAÇÃO

Estas sombras antigas de poente
guardam arcos de sol - dias de outono -
desfolhados na noite, nunca ausente,
quando as horas bocejam voz de sono.

São instantes maduros de nascente
na surpresa incessante do mês nono,
concebidos em gestos, mão silente,
quando as horas bocejam cor de sono.

Entre os cílios, o mundo em movimento,
sob as asas dos olhos morre um vento
para não ser sequer restos de sono.

Mas ao leste dos lábios pousa a aurora
fogem sombras antigas, vão-se embora...
surgem arcos de sol - dias de outono.

VERDE PELÚCIA

A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,

que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.

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