Há muito tempo, existiu um rei na Irlanda que teve treze filhos, aos quais, à medida que iam crescendo, ensinou os conhecimentos próprios da sua hierarquia e os exercícios e artes que lhe correspondiam.
Um dia, foi à caça e avistou um cisne com treze crias, que afugentava a décima terceira, para que não se aproximasse das outras.
A atitude despertou particularmente a atenção do monarca, que, quando regressou ao palácio, mandou chamar o Sean dall Glic (velho sábio cego) e disse-lhe:
— Hoje, quando caçava, presenciei uma coisa verdadeiramente assombrosa: um cisne com treze crias enxotava com insistência a décima terceira e conservava as outras doze junto de si. Explica-me a causa e o motivo de semelhante comportamento. Que pode levar uma mãe a odiar um dos seus pequenos e proteger os restantes?
— Vou elucidar-te — respondeu Sean dall Glic. — Todas as criaturas da terra, sejam homens ou animais, que têm treze descendentes, devem pôr de parte o décimo terceiro, para que vagueie só pelo mundo e encontre o seu próprio destino, de modo que a vontade do céu recaia nele e não afete os outros. Ora, tu, que tens treze filhos, deves entregar o décimo terceiro ao Diachbha (divindade, destino).
— É, pois, esse o significado do que aconteceu com o cisne do lago? Devo abandonar o meu décimo terceiro filho ao Diachbha?
— Exatamente. Tens de abandonar um dos treze.
— Mas como, se estimo todos igualmente?
— Deves fazer o seguinte: quando regressarem a casa, esta noite, fecha a porta ao que chegar em último lugar.
Embora nenhum deles fosse menos inteligente ou desembaraçado que os outros, o mais velho, Sean Ruadh, era o melhor, o herói. E aconteceu que, naquela noite, foi o último a chegar a casa, pelo que o pai lhe fechou a porta na cara. O rapaz ergueu os braços e perguntou:
— Que tencionas fazer comigo, pai? Que pretendes?
— É meu dever entregar um dos filhos ao Diachbha e, como foste o décimo terceiro a chegar, tens de ir-te.
— Muito bem. Deem-me roupa para o caminho.
Deram-lha, e depois o pai entregou-lhe o corcel negro, capaz de atingir a velocidade do vento e ultrapassá-la.
Sean Ruadh subiu para a sela e afastou-se rapidamente, seguindo dia após dia sem descanso e dormindo nos bosques, à noite.
Uma manhã, vestiu roupa velha que levava na alfange da sela e, após deixar o corcel no bosque, encaminhou-se para uma clareira. Não havia muito tempo que se encontrava ali, quando se aproximou um rei, o qual se deteve na sua frente.
— Quem és e que fazes aqui? — perguntou o monarca.
— Estou perdido — respondeu Sean Ruadh. — Não sei para onde ir nem o que vou fazer.
— Se é esse o caso, digo-te o que farás: virás comigo.
— Porquê?
— Bem, possuo muitas vacas e não tenho ninguém que se encarregue delas. Também estou a contas com um problema grave: a minha filha sucumbirá a uma morte horrível, muito em breve.
— Como morrerá?
— Há uma urfeist (serpente gigante), um monstro que tem de devorar a filha de um rei de sete em sete anos. No final de cada um desses períodos, surge do mar à procura do seu alimento. Agora, compete à minha, e não sabemos quando a urfeist aparecerá. Todo o castelo e eu próprio já trajamos de luto pela minha infortunada filha.
— Talvez haja alguém que a salve — aventurou o jovem.
— Veio um exército completo de filhos de cavaleiros, que prometeram livrá-la de tão triste fim, mas receio que nenhum se atreva a enfrentar a urfeist.
Sean Ruadh acedeu em servir o rei durante sete anos e acompanhou-o ao castelo.
Na manhã seguinte, conduziu as vacas ao pasto.
Mas, não longe das terras do rei, havia três gigantes que viviam noutros tantos castelos, à vista uns dos outros, e gritavam todas as noites antes de se deitar. O uivo que cada um proferia era tão intenso, que se ouvia à distância.
O jovem levou o gado às terras de um gigante, derrubou o muro e impeliu os animais para dentro. A erva era muito alta, o triplo da de qualquer pastagem do rei.
Enquanto Sean Ruadh estava sentado a vigiar o gado, um gigante aproximou-se a correr e bradou:
— Não sei se te arranque um pedaço de carne e o meta no nariz ou se te aplique uma sova!
— Mal de mim se tivesse vindo para outra coisa que não fosse privar-te da vida.
— Como preferes lutar, nas rochas cinzentas ou com espadas bem aguçadas?
— Lutarei contigo nas rochas cinzentas, onde as tuas longas pernas terão de se dobrar e as minhas permanecerão eretas.
Colocaram-se frente a frente e começaram a pelejar. Na primeira arremetida, Sean Ruadh afundou o adversário até aos joelhos entre as duras rochas cinzentas, na segunda mergulhou-o até à cintura e na terceira até aos ombros.
— Tira-me daqui! — gritou o gigante. — Em troca, dou-te o meu castelo e tudo o que possuo: a minha espada de luz, que nunca falha o primeiro golpe mortal, e o cavalo negro, que atinge a velocidade do vento e até a ultrapassa. Encontra-se tudo aqui, no meu castelo.
Sean Ruadh matou-o e dirigiu-se ao castelo, onde a governanta proferiu:
— Sê bem-vindo! Mataste o sujo gigante que vivia aqui. Acompanha-me, para que te mostre todas as riquezas e tesouros. — Ela abriu a porta da arrecadação e acrescentou: — Tudo o que está aqui é teu. Aceita as chaves do castelo.
— Fica com elas, até que eu volte, outro dia. Acorda-me ao anoitecer. — E Sean Ruadh deitou-se na cama do gigante.
Dormiu até ao pôr do Sol e conduziu o gado do rei de regresso a casa. As vacas nunca haviam dado tanto leite como nessa noite. Tanto como o que produziam anteriormente durante uma semana.
Depois, procurou o rei e perguntou-lhe:
— Que novidades há sobre a tua filha?
— A serpente gigante ainda não apareceu, mas pode chegar amanhã.
— Bem, é possível que amanhã adie a vinda para outro dia.
O monarca ignorava totalmente a força do jovem, pois estava descalço, andrajoso e modestamente ataviado.
Na segunda manhã, Sean Ruadh levou as vacas do rei para as terras do segundo gigante. Este surgiu com as mesmas perguntas e ameaças do primeiro, e o pastor reagiu como na véspera.
Embrenharam-se na luta e quando o gigante estava afundado até aos ombros nas duras rochas cinzentas, disse:
— Dou-te a minha espada de luz e o cavalo negro, se me concederes a vida.
— Onde está a espada?
— Pendurada na parede, por cima da minha cama.
Sean Ruadh correu para o castelo, pegou na espada, que gritou quando a brandiu, mas ele segurou-a com firmeza, regressou ao local onde o gigante se encontrava e perguntou-lhe:
— Onde posso experimentar o fio desta espada?
— Contra um pau.
— Não vejo aqui nenhum pau melhor que a tua cabeça.
Com estas palavras, o jovem cortou-lha. Em seguida, dirigiu-se de novo ao castelo e pendurou a espada no seu lugar.
— Bendito sejas! — exclamou a governanta. — Mataste o gigante. Acompanha-me, para que te mostre todas as suas riquezas e tesouros, agora teus para sempre.
Sean Ruadh encontrou no segundo castelo tesouros ainda mais valiosos que no anterior. Depois de ter visto tudo, devolveu as chaves à governanta, para que as guardasse até ele precisar delas. A seguir, dormiu como na véspera e regressou a casa com as vacas, ao anoitecer.
— A sorte acompanha-me, desde que estás comigo — declarou o rei. — As minhas vacas produzem o triplo do leite.
— Soube-se alguma coisa da urfeist? — perguntou o jovem.
— Hoje também não apareceu — informou o monarca. — Mas pode vir amanhã.
— No terceiro dia, Sean Ruadh saiu com as vacas do rei e conduziu-as às terras do terceiro gigante, o qual irrompeu do castelo e ofereceu luta mais feroz que os seus antecessores, mas o pastor afundou-o entre as rochas cinzentas até que estas lhe chegaram à altura dos ombros e matou-o.
Foi recebido com alegria pela governanta do castelo deste último, que lhe mostrou as riquezas e lhe entregou as chaves, mas ele devolveu-lhas até que as pedisse de novo. Naquela noite as vacas do rei deram mais leite que nunca.
No quarto dia, Sean Ruadh saiu com o gado, mas deteve-se no castelo do primeiro gigante. Em obediência ao seu pedido, a governanta foi buscar a indumentária do antigo amo, que era totalmente preta. Ele vestiu-a e colocou a espada de luz à cintura. Montou então no corcel negro, que atingiu a velocidade do vento e a ultrapassou, seguindo entre o céu e a terra, sem se deter até chegar à praia, onde viu muitas centenas de filhos de cavaleiros e paladinos, ansiosos por salvar a filha do rei, mas que tinham tanto medo da terrível urfeist que não se atreviam a aproximar-se da jovem.
Quando viu esta última e os trêmulos paladinos, Sean Ruadh regressou ao castelo. Pouco depois, o rei avistou, a cavalgar entre o céu e a terra, um desconhecido de aspecto magnífico, que se deteve na sua frente.
— Que é aquilo que vi à beira-mar? — perguntou o desconhecido. — Trata-se de alguma feira ou reunião importante?
— Não sabes que chegou o monstro para destruir a minha filha?
— Essa é nova para mim — declarou, e afastou-se velozmente na sua montada.
O ginete negro não tardou a encontrar-se perante a princesa, sentada, só, numa rocha junto ao mar. Quando olhou o desconhecido, pensou que era o homem mais atraente que já vira, e o seu coração alegrou-se.
— Não tens ninguém que te proteja?
— Ninguém.
— Permites que repouse a cabeça no teu regaço, até que a urfeist apareça? Nessa altura, despertarei.
Pousou a cabeça no regaço da princesa e adormeceu. Entretanto, ela arrancou-lhe três cabelos da cabeça e guardou-os no peito. Acabava de o fazer, quando a urfeist surgiu do mar, imensa como uma ilha e a cuspir água para o ar enquanto se movia. O desconhecido acordou e levantou-se de um salto, disposto a defender a princesa.
A horrível serpente avançou ao longo da beira-mar, em direção à princesa, de boca aberta, tão larga como uma ponte, até que o desconhecido se lhe colocou na frente e bradou:
— Esta mulher é minha, não tua!
Brandiu a espada de luz e cortou a cabeça ao monstro com um único golpe, porém a cabeça regressou prontamente ao seu lugar e cresceu de novo.
Num abrir e fechar de olhos, a urfeist deu meia volta e regressou ao mar, mas, enquanto submergia, ameaçou:
— Voltarei amanhã e tragarei tudo o que se me opuser.
Sean Ruadh montou no corcel negro e afastou-se antes que a princesa o pudesse deter. O coração dela amargurou-se quando o viu cavalgar a toda a velocidade entre o céu e a terra, mais rápido que o vento.
O jovem foi ao castelo do primeiro gigante e deixou lá o cavalo, as roupas e a espada. Depois, dormiu na cama do gigante até anoitecer, quando a governanta o acordou. Em seguida, conduziu as vacas a casa, procurou o rei e perguntou-lhe:
— Como correram hoje as coisas para a tua filha?
— A urfeist surgiu do mar para a levar, mas apareceu um paladino extraordinário, que cavalgava entre o céu e a terra.
— Quem era?
— Bem, agora há muitos homens que dizem ser ele. Mas a minha filha ainda não está totalmente a salvo, pois a urfeist jurou voltar amanhã.
— Não te preocupes. Talvez apareça outro paladino.
Na manhã seguinte, Sean Ruadh levou as vacas do rei às terras do segundo gigante, deixou-as a pastar, e visitou o castelo, onde foi recebido cordialmente pela governanta, que lhe disse:
— Sê bem-vindo. Aqui me tens ao teu dispor, e encontra-se tudo em ordem.
— Traz-me o cavalo castanho e prepara-me o vestuário e a espada do gigante.
Ela levou-lhe as roupas, o esplêndido traje azul do segundo gigante e a espada de luz. Sean Ruadh envergou a nova indumentária, pegou na espada, subiu para a sela do cavalo castanho e cavalgou velozmente entre o céu e a terra com o triplo da rapidez do dia anterior.
Primeiro, foi até à beira-mar e viu a filha do rei sentada, só, na rocha, e os príncipes e os paladinos afastados dela, a tremer de medo. Depois, cavalgou até onde estava o monarca, perguntou o motivo da multidão que enchia a praia e recebeu a mesma resposta da véspera.
— Não haverá homem algum que a proteja? — perguntou o jovem.
— Bem, há muitos que prometeram salvá-la e afirmam que são valentes, mas nenhum desembainhará a espada para enfrentar a urfeist, quando surgir do mar.
Sean Ruadh afastou-se antes que o rei se desse conta e encaminhou-se para onde a princesa se encontrava, vestindo o traje azul e com a espada de luz à cintura.
— Não há ninguém que te proteja?
— Ninguém.
— Permite-me repousar a cabeça no teu regaço, e acorda-me quando a urfeist aparecer.
Pousou a cabeça no regaço da princesa e, enquanto dormia, ela retirou os três cabelos do peito arrancados na véspera, comparou-os com os dele e murmurou:
— És o homem que esteve aqui ontem.
Quando a urfeist surgiu, vinda do mar, ela acordou o desconhecido, que se levantou de um salto e correu para a praia.
Movendo-se com maior rapidez e levantando mais água que no dia anterior, o monstro chegou à praia com a boca aberta. Sean Ruadh tornou a interpor-se no seu caminho e, com uma única arremetida da espada, cortou a urfeist ao meio. No entanto, as duas partes voltaram a unir-se rapidamente, formando um único corpo como dantes.
Em seguida, a serpente regressou ao mar, enquanto ameaçava:
— Nem todos os paladinos do mundo a salvarão, amanhã!
O jovem montou imediatamente no seu corcel e regressou ao castelo, deixando a princesa desesperada com o afastamento do único homem que se atrevera a protegê-la.
Sean Ruadh vestiu a roupa habitual e conduziu as vacas ao estábulo, como sempre.
— Um paladino desconhecido, todo trajado de azul, salvou a minha filha, hoje — comunicou-lhe o monarca. — Mas está muito pesarosa, porque ele desapareceu.
— Bem, isso é uma ninharia, pois a sua vida está a salvo.
Naquela noite, houve uma festa no castelo do rei, para a qual todos foram convidados, e a alegria iluminava os rostos porque a princesa se encontrava de novo sã e salva.
No dia seguinte, Sean Ruadh conduziu as vacas ao pasto do terceiro gigante, dirigiu-se ao castelo e pediu à governanta que lhe trouxesse a espada do gigante e o vestuário e levasse o corcel vermelho para a entrada. A indumentária do terceiro gigante tinha antas cores como as que existem no firmamento, enquanto as botas eram de cristal azul.
Assim trajado e montado no cavalo vermelho, o jovem era o homem mais atraente do mundo. Quando se preparava para partir, a governanta disse-lhe:
— Desta vez, a serpente estará tão enfurecida que nenhuma arma a poderá deter. Surgirá do mar com três enormes espadas a irromperem-lhe da boca, e poderia reduzir o mundo inteiro a picado e tragá-lo, se se lhe opusesse. Só há uma maneira de a vencer, e vou ensinar-ta. Leva esta maçã castanha e, quando a urfeist surgir impetuosamente do mar, atira-lha à garganta. Verás então que se afundará e dará à costa, morta.
Sean Ruadh cavalgou no corcel vermelho entre o céu e a terra, ao triplo da velocidade do dia anterior. Avistou a donzela sentada, só, na rocha e os trêmulos cavaleiros à distância, a aguardar os acontecimentos, assim como o rei a ansiar por que aparecesse alguém que lhe salvasse a filha. Em seguida, o jovem aproximou-se dela e pousou a cabeça no seu regaço. Quando viu que adormecera, ela retirou do peito os três cabelos que arrancara da primeira vez, comparou-os com os da cabeça de Sean Ruadh e disse:
— És o homem que me salvou ontem.
A urfeist não se fez esperar. A princesa acordou o jovem, que se ergueu de um salto e se encaminhou para o mar. A serpente era enorme — metia medo só de a olhar -, com uma boca tão grande que podia tragar o mundo e da qual emergiam três aguçadas espadas. Quando o viu, avançou demolidoramente com um rugido terrível, porém ele atirou-lhe a maçã à garganta, e o monstro caiu indefeso na praia, para se desfazer numa gelatina espessa e hedionda, à beira-mar.
Em seguida, Sean Ruadh voltou-se para a princesa e anunciou:
— A urfeist não voltará a molestar ninguém.
Ela correu e tentou detê-lo, mas já estava montado no corcel vermelho, a cavalgar entre o céu e a terra, antes de poder impedi-lo. No entanto, segurou-se com tanta força a uma das botas de cristal azul, que Sean Ruadh teve de lha abandonar nas mãos.
Quando, naquela noite, ele levou as vacas para o estábulo, perguntou ao rei:
— Que sabes da urfeist?
— A sorte não me desampara, desde que estás comigo — respondeu o monarca. — Um paladino que trajava com todas as cores do firmamento e cavalgava um corcel vermelho entre o céu e a terra, destruiu hoje a serpente. A minha filha está a salvo para sempre, mas ameaça suicidar-se porque não tem a seu lado o homem que a libertou do terrível destino.
Naquela noite, realizou-se uma festa no castelo do rei, com uma pompa jamais vista. Os salões estavam a abarrotar de príncipes e paladinos, que proclamavam:
— Fui eu que salvei a princesa!
O monarca mandou chamar o Sean dali Glic e perguntou o que devia fazer para encontrar o homem que salvara realmente a filha. A resposta foi a seguinte:
— Manda divulgar por todo o mundo que o homem cujo pé se adapte à bota de cristal azul é o paladino que matou a urfeist e a quem concederás a princesa em casamento.
E o rei fez circular por todo o mundo a informação de que os candidatos deviam vir experimentar a bota. Todavia, a uns ficava demasiado grande e a outros demasiado pequena. No final de todas as experiências infrutíferas, Sean dall Glic lembrou:
— Todos se sujeitaram à experiência, exceto o pastor.
— Ora, esse anda sempre nos pastos, com as vacas! Para quê perder tempo com ele?
— Isso não interessa. Encarrega vinte homens de o ir buscar.
O rei assim fez, e os vinte homens foram encontrar o pastor a dormir à sombra de um muro de pedra. Quando começavam a fazer uma corda de feno para o atar, acordou e preparou vinte cordas antes que eles terminassem a primeira. Em seguida, lançou-se-lhes em cima, atou-os num fardo e pendurou-o no muro.
Entretanto, no castelo, fartaram-se de esperar pelos vinte homens que regressariam com o pastor, até que o rei enviou mais vinte, munidos de espadas, para averiguarem o motivo da demora.
Quando se encontraram perante Sean Ruadh, eles principiaram a fazer uma corda para o atar, mas o pastor preparou vinte antes que concluíssem a primeira e, por muito que se debatessem, atou-os num fardo, que pendurou no muro ao lado do outro. Como nenhum dos dois grupos reaparecia, Sean dall Glic indicou ao rei:
— Vai prostrar-te diante do pastor, porque atou quarenta homens em dois fardos e os fardos entre si.
O monarca foi na verdade prostrar-se perante o pastor, que o mandou levantar e perguntou:
— A que propósito vem isto?
— Tens de experimentar a bota de cristal.
— Não posso, pois tenho o meu trabalho aqui.
— Não te preocupes. Regressarás a tempo de o completar.
O pastor libertou os quarenta homens e acompanhou o rei. Quando chegaram ao castelo, viu a princesa, nos seus aposentos, dois pisos acima da entrada, e a bota de cristal no peitoril da janela.
Naquele momento, a bota saltou de lá, cruzou o espaço na direção dele e ajustou-se-lhe ao pé. A princesa desceu num abrir e fechar de olhos e aninhou-se nos braços do jovem.
O castelo estava cheio de cavaleiros e paladinos, que proclamavam que tinham sido eles a salvar a princesa.
— Que fazem aqui todos estes homens? — perguntou Sean Ruadh, surpreendido.
— Ora! — replicou o rei. — Tentavam calçar a bota. Ato contínuo, o jovem desembainhou a espada, decapitou todos e lançou as cabeças e os corpos à montureira nas traseiras do castelo.
O rei enviou navios com mensageiros a todos os monarcas e rainhas do mundo — de Espanha, França, Grécia e Dinamarca, e a Diarmuid, filho do rei da luz -, para que assistissem ao enlace de sua filha com Sean Ruadh.
Depois da boda, este último foi viver com a esposa para o reino dos gigantes e deixou o sogro nas suas próprias terras.
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