domingo, 27 de janeiro de 2019

Ricardo Miró (Poemas Recolhidos)


AMOR

Uma vaga inquietude; um misterioso
temor; como um feliz pressentimento;
um íntimo e reservado tormento;
uma pena que acaba em alvoroço.

O sufocante nó de um soluço
perene na garganta; o sentimento
de uma dor que se acerca; o pensamento
cheio de luz, de júbilo, de gozo.

Uma contradição funda e escura
que me enche a vida de amargura,
que mata toda luz e toda ideia,

que turva toda paz e toda alegria;
porém... senhor, que sabes minha agonia:
se tudo isso é amor, bendito seja!

A ÚLTIMA GAIVOTA

Como uma franja agitada, rasgada
do manto da tarde, em rápido voo
se esfuma o bando pelo céu
buscando, acaso, uma ribeira desconhecida.

Atrás, muito longe, segue uma gaivota
que com crescente e persistente desejo
vai da solidão rasgando o véu
por alcançar o bando, já remoto.

Da tarde surgiu a casta estrela
e achou sempre voando a esquecida,
da rápida patrulha atrás a hulha.

História de minha vida compreendida,
porque eu sou, qual gaivota aquela,
ave deixada atrás pelo bando!

PÁTRIA
(tradução do espanhol por José Feldman)   

Oh, Pátria tão pequena, estendida sobre um istmo 
onde é mais claro o céu e mais brilhante o sol,
Em mim ressoa toda a tua música, o mesmo 
que o mar na pequena concha do caracol!

Revolvo o olhar e, às vezes, sinto espanto
quando não vejo o caminho que a ti me faz regressar.
Nunca saberia que te quero tanto
se o Fado não mandasse que eu atravessasse o mar.

A Pátria é a lembrança... pedaços da vida
envoltos em farrapos de amor ou de dor;
a folha da palmeira rumorosa, a música sabida,
o horto já sem flores, sem folhas, sem verdor

A Pátria são os velhos atalhos retorcidos
que o pé desde a infância sem trégua recorreu
aonde são as árvores, antigos conhecidos
cujos vestígios nos conversam de um tempo que passou.

Em vez dessas soberbas torres com áurea flecha,
aonde um sol cansado vem desmaiar,
deixa-me o velho tronco, onde escrevi uma data
aonde havia roubado um beijo, aonde aprendi a sonhar.

Oh, minhas vetustas torres, queridas e distantes
eu sinto a nostalgia de vosso repicar!
Eu vira muitas torres, ouvi muitas campainhas,
mas nenhuma imagino. Torres minhas distantes
cantar como vós, cantar e soluçar.

A Pátria é a lembrança... pedaços da vida
envoltos em farrapos de amor ou de dor;
a folha da palmeira rumorosa, a música sabida,
o horto já sem flores, sem folhas, sem verdor.

Oh, Pátria, tão pequena que cabes toda inteira
debaixo da sombra de nosso pavilhão
talvez foste tão pequena para que eu pudesse 
levar-te inteira dentro do coração!

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