Existem muitos mitos africanos acerca de animais. Nalguns, eles têm um comportamento animal. Noutros, parecem pessoas. Em certos mitos, até, são meio animais, meio gente. Neste mito Alur, há um sapo e um lagarto que são príncipes irmãos.
Lagarto e Sapo, seu irmão, estavam sentados a olhar um para o outro. Lagarto deleitava-se ao sol do meio-dia, absorvendo os raios solares. Sorria de contentamento. A pedra macia e negra sobre a qual se encontrava era tão bonita e estava tão quente que ele era obrigado a levantar uma pata de cada vez. Deste modo, as quatro patas podiam esfriar um pouco antes de voltarem a ficar deliciosamente aquecidas sobre a sua pedra preferida.
Sapo mantinha-se à sombra, meio dentro, meio fora da água. Gostava de umidade, de se manter fresco. Se permanecesse ao sol demasiado tempo, ficaria esturricado.
Sapo tinha os enormes olhos redondos fixos em Lagarto.
- Em que pensas, irmão? - perguntou-lhe. - Pareces muito satisfeito contigo mesmo.
- Estava a pensar que, quando o rei, nosso pai, morrer, eu assumirei o seu lugar - respondeu Lagarto.
- Quem o decide é o nosso pai - retorquiu Sapo, fazendo tremular a superfície da água da poça com o sopro da sua voz roufenha.
- Certamente não te passa pela cabeça ser o escolhido para ocupar o trono, pois não? - perguntou Lagarto, levantando uma das patas traseiras da pedra escaldante.
- É a ele que cabe a escolha - lembrou-lhe Sapo. - Mas está a ficar velho e já não deve tardar a fazer essa comunicação.
- Eu sou belo, rápido e forte - declarou Lagarto, agitando a língua. A minha voz é calma mas firme. Tu, no entanto, não possuis nenhuma destas qualidades.
- Tanto tu como eu somos filhos do mesmo pai - lembrou Sapo -, e, escolha ele quem escolher para o substituir, eu respeitarei a sua decisão.
- Mas tu és feio, pegajoso e andas aos pulos! - protestou Lagarto. A tua voz de cana rachada é feia e irritante. Nunca poderias ser rei.
Nesse momento chegou um mensageiro.
- Príncipe Lagarto - cumprimentou, fazendo uma vênia e pestanejando para o lagarto que se encontrava sob o sol brilhante. - Príncipe Sapo acrescentou, com nova mesura, franzindo os olhos para a zona sombreada. Vosso pai convoca-vos para vos deslocardes ao palácio real.
- Para me proclamar seu sucessor, sem dúvida - observou Lagarto, sorrindo.
- A sua mensagem diz que o primeiro a chegar ao palácio será o rei sucessor - acrescentou o mensageiro, retirando-se em seguida.
- Ora aí está! - exclamou Lagarto saltando da pedra ensolarada com a rapidez fantástica que era comum à sua espécie. - Bem te disse, Sapo, que é a mim que o pai quer para lhe suceder. Eu serei o próximo rei desta terra!
Sapo mergulhou dentro de água, a fim de molhar a pele, vindo ao de cima logo a seguir.
- O que te leva a fazer essa suposição, irmão? - perguntou.
- Porque sou capaz de correr muito mais depressa do que tu, com essas pernas bamboleantes e esse corpanzil gorducho - troçou Lagarto.
Dito isto, correu a enfiar-se mato adentro, de modo a preparar algumas coisas para levar consigo na viagem para o palácio real.
Sapo mirou-se na superfície do lago. Seu irmão, Lagarto, tinha razão. Ele, que era um sapo, levaria muito mais tempo a chegar ao palácio real. Lagarto estava tão determinado em ser o primeiro que nada o desviaria desse objetivo.
Nada, exceto um pouco de chuva, refletiu Sapo.
Sapo, como era um animal que vivia tanto na terra como na água, sabia o dobro sobre o mundo, ao contrário de Lagarto, seu irmão. O que também significava que Sapo conhecia duas vezes mais tudo o que se relacionava com magia.
Sapo, em vez de se lançar na corrida para o palácio real - a qual, à partida, sabia que perderia -, foi à procura de uma árvore chamada yatkot.
Assim que encontrou a árvore, partiu-lhe um ramo e enterrou-o num pó mágico que depois regou com água. Enquanto isso, o príncipe Sapo foi murmurando umas palavras secretas e o feitiço começou imediatamente a fazer efeito.
Primeiro caiu um pingo de água numa folha em forma de coração, que tinha ao lado... depois outro... e outro... e mais outro. Não tardou que o tamborilar da chuva a cair enchesse o ar e começasse a cheirar a terra molhada. A seguir, o céu abriu-se e começou a chover torrencialmente.
- O tempo ideal para sapos - observou Sapo alegremente, iniciando a sua jornada, aos saltos, para o palácio real.
Entretanto, Lagarto sentia-se todo orgulhoso de si mesmo. Já ia bem adiantado no seu caminho para o palácio.
- Só não percebo por que razão meu pai não anunciou, simplesmente, o meu nome como seu sucessor - disse de si para si. - Para quê propor esta corrida para decidir a sua escolha? Todos sabem que o verde e repugnante do meu irmão Sapo jamais conseguirá competir comigo... além disso, morrerá esturricado com este calor infernal.
Nesse instante, uma enorme nuvem escura tapou o Sol, e a chuva começou a cair abundantemente. Lagarto correu a abrigar-se sob uma pedra alta.
– “Esperarei aqui até a chuva parar”, pensou. “Nesta altura do ano não durará muito e como estou muito mais adiantado do que Sapo, ele nunca será capaz de me alcançar.”
Lagarto, porém, enganava-se, pois Sapo alcançou-o e até o ultrapassou. Claro que Lagarto não percebeu do fato, porque Sapo tomara outro caminho.
A certa altura, a chuva parou e o Sol voltou a brilhar, quente, outra vez, pois o feitiço de um ramo de yatkot enterrado no chão dura pouco.
Lagarto apressou-se a sair debaixo da sua pedra e lançou-se, de novo, ao caminho.
- Em breve chegarei ao palácio real - disse, reparando na sua imagem refletida numa poça de água. - Que rei esplêndido darei com as minhas magníficas escamas de lindas cores.
Mais à frente, o príncipe Sapo chegara já ao portão que dava acesso ao palácio real. À esquerda, sob o sol escaldante, via-se uma fila de lagartos de cores garridas. Eram os arautos de seu irmão, prontos para saudar a chegada de Lagarto com um toque de trombetas. À direita, na sombra fresca, estava uma fila de sapos, que eram os arautos de Sapo. Não precisavam de trombetas porque eram senhores de vozes fortes e coaxantes.
Ao verem o seu senhor, ergueram a cabeça e anunciaram sonoramente a chegada do seu príncipe e o seu triunfo como vencedor da corrida.
O velho rei aproximou-se rapidamente do portão para saudar o filho.
- Muito bem, Sapo - elogiou. - Vejo que deves ter usado a inteligência para ganhar esta corrida, e um bom rei está sempre a precisar de recorrer a ela. Quando eu morrer, ocuparás o meu lugar com brio.
As palavras do rei foram abafadas pelas trombetas dos arautos lagartos a anunciar a chegada do seu senhor. Lagarto entrou no palácio com ar pomposo e de cabeça erguida.
- Viestes saudar-me, senhor meu pai? - perguntou Lagarto, com ar vagamente convencido. - Estou certo de que ireis dar uma festa especial para celebrar a minha vitória. Além disso, acho que nem valerá a pena esperarmos pelo feioso daquele meu irmão. Nesta altura ainda só deve vir...
Lagarto não pôde continuar a falar. Olhou, pestanejou e olhou de novo. Não, os seus olhos não o enganavam. Ali, na sombra refrescante do palácio real, estava o pegajoso e feio do seu irmão saltitante. Tal só poderia ter um significado: o de que o pegajoso e feio do seu irmão saltitante o vencera na corrida, o que queria dizer que... que o príncipe Sapo um dia seria o rei Sapo.
- Ora viva - cumprimentou-o Sapo. - Por onde tens andado?
E por essa razão que, sempre que ouvires sapos a coaxar, deves preparar-te para a chuva. Significará que Sapo saiu para fora dos portões do palácio real e anda a fazer a sua magia com os ramos de yatkot... Porque sabes bem como ele aprecia o tempo úmido!
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