sábado, 19 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 1



J.G. de Araújo Jorge
Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Solidão

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: - a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão...

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição...

As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono

A cama é fria... O quarto úmido e triste...
- Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste...
_______________
José Feldman
Maringá/PR

O que foi que eu fiz, meu Deus,
pra sofrer tal provação?
De todos anseios meus...
só restou a solidão
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Florbela Espanca
Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

Viver Só

Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
Não vivo sozinha porque gosto
E sim porque aprendi a ser só.
_______________

Olympio Coutinho
Belo Horizonte/MG

Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade,
mas nunca de solidão.
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Vinicius de Moraes  
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Solidão

Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em treva...
— A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

— É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.
_______________

Cláudio de Cápua
Santos/SP

Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
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Argemiro Garcia
São Paulo/SP

Janelas

Olho da janela e o que vejo?
Formigas de azulejo
escalam muros de pedra;
anjos de face rosada
velam santos e orixás;
outros anjos, de cara suja,
percorrem praias e ruas,
à cata de latas e lixo.
Em torno, um e outro bicho
passam também a fuçar.
Rabiscos riscam tapumes e uma garatuja
assina-se nas paredes. Solidão flutua no ar.
Janelas, sempre janelas!
Assisto através delas
o mundo que teima em passar.
Gotas escorrem do vidro:
lágrimas? Suor?
Liberdade, Paraíso, Amaralina,
Copacabana, Imbetiba, Ondina,
quantas ruas será que eu, ainda,
percorro até me encontrar?
_______________
Clarice Lispector
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Minha força está na solidão. 
Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, 
nem de grandes ventanias soltas, 
pois eu também sou o escuro da noite.
_______________

Jerson Lima de Brito
Porto Velho/RO

Das memórias que vasculho
vem a dura explicação:
quem vive a plantar orgulho,
colhe a flor da solidão.
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Elisa Alderani
Ribeirão Preto

Se As Flores

Se as flores sentissem solidão logo morreriam...
Nós não as deixamos sozinhas na sacada?
Às vezes até esquecemos que elas existem.

De repente a minha flor de Amarílis apontou no vaso de barro.
Olhei para ela com maravilha.
Falei com ela pedindo perdão pelo meu esquecimento,
fiz um carinho delicado com a ponta dos dedos.
Peguei o vaso e o coloquei ao centro da mesa.

Será que as flores não sentem solidão?

Elas são vivas, sentem as emoções.
Na sacada elas têm a companhia do vento,
das noites de luar, das estrelas, das belas madrugadas.
Do sol, dos pássaros, dos gritos das crianças.
Agora em minha sala, faz-me companhia.
Falo com ela e me sinto feliz.
Sua cor rubra alegra meu coração.
Lembra-me da amiga que um dia me presenteou.

Será que as flores não sentem solidão?

Solidão é para quem levanta paredes...
Melhor seria viver como as flores
Sentir como elas sentem ouvir como elas ouvem
Construindo, um arco-íris de e luzes e cores.
_______________

Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

Curtindo muita amargura,
trancado na solidão,
anônimo, sou figura
no meio da multidão.
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Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

Soneto De Um Andarilho 

Eu vivo solitário e maltrapilho,
a caminhar por este mundo afora,
e levo a vida por um triste trilho,
boêmio sem amor e sem aurora.

Da solidão sou sempre um pobre filho,
e com imensa dor minh´alma chora,
quando lembro sozinho o nosso idílio,
aquele louco amor que tive outrora.

Hoje, tristonho e maltrapilho vivo,
da sociedade sempre longe, esquivo…
Apenas nas tabernas acho paz.

E lá, quando me afogo na bebida,
olvido a desventura desta vida
e penso, doido, que me amando estás.
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Mifori 
São José dos Campos/SP

Um jardim de belas flores
não permite solidão;
sob o Sol reflete cores,
perfumando o coração!
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Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP, 1871 - 1920, São Paulo/SP

A Um Velho

Por suas próprias mãos armado cavaleiro,
Na cruzada em que entrou, com fé e mão segura,
Fez um cerco tenaz ao redor do Dinheiro,
E o colheu, a cuidar que colhia a Ventura.

Moço, no seu viver errante e aventureiro,
O peito abroquelou dentro de uma armadura;
Velho, a paz vê chegar do dia derradeiro
Entre a abundância do ouro e o tédio da fartura.

No amor, de que é rodeado, adivinha e pressente
O interesse que o move, o anima e o faz ardente;
Foge por isso ao mundo e busca a solidão.

O passado feliz o presente lhe invade,
E vive de gozar a pungente saudade
Das noites sem abrigo e dos dias sem pão.
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Henri Lacordaire
Soréze/França (1802 - 1861) 

É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio!
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Olga Maria Dias Ferreira 
Pelotas/RS

Na solidão do deserto,
reluz a minha esperança, 
a trazer para mais perto
os meus sonhos de criança. 
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Emiliano David Perneta
Curitiba/PR, 1866 – 1921

Dor
Ao Andrade Muricy

Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.

Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo

Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,

Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.

Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.

De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.

Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.

É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.

Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.

Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.
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Aurora Pierre Artese
São Paulo/SP

A solidão mais sofrida
é quando o tempo envelhece
na curva triste da vida,
onde o amor desaparece...
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Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

Soneto

Procuro refletir num dia assim
em que a chuva prossegue sem cessar;
e encontro a solidão dentro de mim,
enquanto avisto ali bem perto o mar…

Quisera num momento navegar
os meus sonhos de amor no mar sem fim,
pra que pudesse reviver e amar
o que me falta nesta vida, enfim…

Porém, são tão inúteis estes sonhos,
quais os meus pensamentos enfadonhos,
quando não me permitem conciliar

o que desejo obter e não consigo,
embora seja um sentimento antigo,
com o que o mundo tem a me ofertar !
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Adelmo Oliveira
Itabuna/BA

Meu Natal De Sempre

Ficou na sombra a casa onde morei
As árvores do quintal, a ventania
E eu, pequeno ainda, me recordo
Quanto chorei, quando cantar devia.

Ficou no céu o tempo que sonhei:
Sapato de verniz dependurado
Num saco bem vazio de esperanças
Qual pacote amarrado pelo vento.

Não finjo o sonho em que me sustentei
No portal da janela de meu quarto:
As bolas de borracha coloridas
(Revólver de brincar de detetive).

Meus irmãos já tiveram as mesmas coisas,
Meus amigos, também, o que não tive.
A vida dá presente todo dia:
A dor que sinto agora, não sentia.

Ficou no rosto o traço que não tinha:
A solidão que sopra lá de fora.
Multiplico os minutos pelas horas
E tenho as mesmas horas repartidas.

Ganho, então, meu presente de lembranças:
Uma flor na lapela e meu cansaço.
Costuro mágoas e as transformo em ânsias
E corto a fantasia em mil pedaços.
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Clevane Pessoa
Belo Horizonte/MG

A solidão que me embala
canta-me tristes cantigas…
Será que o silêncio fala?
Serão as sombras, amigas?

Fonte:
Folhetim Literário Desiderata n. 5 - janeiro de 2019 - Tema: Solidão - p.4 a 8.

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