sábado, 3 de setembro de 2016

Paulo Leminski (XLIV)


Voltaire (Memnon, o Filósofo)

Memnon, certo dia, meteu na cabeça ser um grande filósofo. Poucos homens há que não tenham, nesta ou naquela ocasião, concebido o mesmo projeto insensato. E diz Memnon de si para si:

“Se quiser ser um perfeito filósofo, e naturalmente gozar de perfeita felicidade, nada terei a fazer senão despir-me inteiramente de todas as paixões e, nada mais fácil, como todo mundo sabe. Em primeiro lugar, jamais amarei, porque, quando avistar uma mulher bonita direi comigo mesmo: aquelas faces murcharão um dia, vermelhos e lacrimosos se tornarão aqueles olhos, flácidos, cairão aqueles seios, e aquela cabeça tornar-se-á calva. Isto é, bastar-me-a imaginar o que será ela no futuro, e certamente não haverá rosto bonito que me vire a cabeça.

Em segundo lugar, serei sempre moderado. Em vão me tentarão seduzir com bom petisco, delicioso vinho, ou os encantos da sociedade. Será suficiente que me figure as consequências do excesso, uma dor de cabeça, a indigestão, a perda do juízo, da saúde e do tempo. Comerei, pois, apenas para suprir os gastos da natureza, permanecerá estável a minha saúde, e minhas ideias serão sempre luminosas e puras. É tudo tão fácil que mérito algum há de consegui-lo.

É preciso, – ainda diz Memnon – pensar um pouco no dinheiro: meus desejos são moderados, minha riqueza está entregue ao Recebedor Geral de Finanças de Nínive, tenho que viver independente e esta é a maior das bênçãos. Nunca me encontrarei na cruel necessidade de bajular a corte, não invejarei ninguém, e ninguém me invejará, todavia, isto é fácil de conseguir. Tenho amigos, continuou ele, e conserva-los-ei, pois me farão diferença, não levarei a mal o que eles disserem ou fizerem, e da mesma forma se comportarão eles comigo. E não há dificuldade neste particular.”

Estabelecido desse modo o seu modesto plano filosófico, Memnon aproximou-se da janela e olhou para a rua. Viu duas mulheres que caminhavam sob os plátanos próximos de sua casa. Uma era velha, e dir-se-ia não pensar em nada, e outra, bonita, parecia muito agitada, suspirava, chorava, e com tudo isso tornava-se ainda mais bonita. Comoveu-se o nosso filósofo, não, é claro, com a formosura da senhora (era forte sua deliberação de não se deixar levar por tais emoções), mas sim com o desgosto que no rosto dela se estampava. Desceu a escada e interpelou a jovem , no intuito de levar-lhe o consolo da filosofia. A adorável criatura contou-lhe então, com ar de grande simplicidade, e de maneira afetuosíssima, as injúrias que sofria de um tio imaginário, da manha com que a despojara ele de seus bens imaginários, e das violências que fingiu sofrer. “Vejo ser o senhor – disse depois – homem de tamanha sabedoria, que se condescender em seguir-me até a minha casa e examinar de perto a minha situação, estou convencida de que me livrará dos cruéis sofrimentos de que sou vítima.” Não hesitou Memnon em acompanhá-la, a fim de filosoficamente examinar-lhe os problemas íntimos e dar-lhe avisado conselho.

Conduziu-o a aflita senhora a um quarto perfumado, e polidamente fê-lo sentar-se com ela num largo sofá, onde ambos se colocaram em posição de conversa, um em frente do outro, as pernas cruzadas, uma, ansiosa por contar a própria história, o outro, pronto para escutá-la com atenção devota. A senhora falou com os olhos baixos, dos quais uma ou outra vez deslizava uma lágrima, e quando se aventurava a erguê-los, se encontravam sempre com os do sábio Memnon. Cheio de ternura foi o discurso dela, e redobrava de meiguice toda vez que seus olhos se encontravam. Memnon acolheu em seu coração, com excessivo ardor, os lamentos da senhora, e a cada instante mais e mais inclinado se sentia a servir uma tão virtuosa e infeliz criatura. Aos poucos, com o calor da conversa, deixaram de sentar-se um diante do outro, aproximaram-se mais, e já não tinham as pernas cruzadas. De tão perto a aconselhava Memnon, e com tão suave exortação, que pouco depois não falavam mais de aflições e não sabiam o que tinham ido ali fazer.

Nesse interessante momento, como bem pode ser imaginado, quem chegou se não o tio? Vinha armado da cabeça aos pés, e a primeira coisa que disse foi que sacrificaria imediatamente, como era justo, o sábio Memnon e a própria sobrinha, a última a afirmar foi que estava disposto a perdoar mediante polpuda quantia. Memnon foi obrigado a comprar a própria liberdade com todo o dinheiro que possuía no momento. Naqueles dias se conhecia a felicidade da fácil libertação. A América não fora descoberta, e as senhoras aflitas não eram tão perigosas quanto são as de hoje.

Coberto de vergonha e confusão, retirou-se Memnon para sua casa; lá encontrou um convite para jantar com um de seus amigos íntimos. “Se eu ficar só em casa, pensou ele, ficarei todo o tempo a martirizar o espírito com esta triste aventura, não serei capaz de comer migalha, e acabarei doente. É prudente, pois, que eu vá ver os meus amigos e partilhe com eles de um frugal repasto. Esquecerei, com os encantos da companhia, a tolice que tive, a fraqueza de praticar hoje de manhã”. E foi à festa. Lá sentiu-se indisposto, e pediram-lhe para beber e pôr de parte os cuidados. Um pouco de vinho, bebido com moderação, conforta o coração de Deus e do homem, assim raciocinou o filósofo Memnon, e acabou embriagado. Depois da refeição, alguém propôs o jogo. Um joguinho com amigos íntimos é inofensivo passa tempo. Jogou e perdeu tudo o que tinha na carteira, e quatro vezes mais, sob palavra. Em dado momento do jogo, surge uma discussão, os contendores se acaloram, e um dos amigos íntimos atira-lhe à cabeça uma caixa de dados, além de esmurrar-lhe um olho. Embriagado e sem níquel, levam para casa o filósofo Memnon que sentia ainda o desfalque de uma vista.

Dorme ele a sua orgia, e quando sente mais lúcido o entendimento manda o criado à casa do Recebedor Geral das Finanças de Nínive, a fim de sacar pequena importância com que pretende pagar a dívida de honra assumida com os amigos íntimos. Volta o criado e diz-lhe que naquele mesmo instante fora o Recebedor Geral declarado em falência fraudulenta, e que com isso tinham sido reduzidas à pobreza e ao desespero centenas de famílias. Memnon, quase fora de si, põe um emplastro no olho e uma petição no bolso, e corre à justiça para pedir intervenção do rei contra o falido. No palácio encontra-se com inúmeras senhoras em excelente disposição de espírito, todas vestidas de saias de arcos de vinte e quatro pés de circunferência. Uma delas, que o conhecia, olha-o de soslaio e brada:

“Oh! Que monstro horrível!” E outra, mais bem relacionada com o filósofo, chega-se a ele com estas palavras. “Bom dia, sr. Memnon. Folgo em vê-lo tão bem disposto. Ah! Como perdeu o olho, sr. Memnon?” E girando no calcanhar afastou-se sem esperar resposta.

Memnon escondeu-se num canto e esperou a hora de atirar-se aos pés do monarca. Chegou enfim o momento. Três vezes beijou o chão, e entregou o seu requerimento. Sua Majestade recebeu-o muito favoravelmente, e passou o papel a um dos sátrapas, para que lhe desse seu parecer. O sátrapa agarra Memnon, leva-o para o lado, e diz-lhe com ar altivo e um arreganho satírico:

“Ouça, seu caolho, você me parece um grande impertinente, para dirigir-se ao rei em vez de falar comigo, e mais ainda por se atrever a pedir justiça contra um honesto falido, a quem protejo, e que é sobrinho da dama de companhia de minha senhora. Não se envolva mais neste negócio, meu bom amigo, se quiser poupar o olho que lhe resta”.

Memnon, que, havia pouco no seu quarto, renunciara às mulheres, aos excessos da mesa, ao jogo e às controvérsias, e que especialmente determinara jamais ir à corte, no espaço de vinte e quatro horas fora ludibriado e roubado por sedutora dama, embebedara-se, jogara, numa querela perdera um olho, e comparecera à corte, onde o insultaram e maltrataram.

Petrificado de estupefação, o coração varado de mágoas, voltou Memnon para casa, em desespero. Ia entrar, quando foi repelido por oficiais de justiça que lhe carregaram a mobília para compensação dos credores: deixou-se cair sob um plátano, quase sem vida. Encontrou aí a linda mulher da aventura matinal, a qual conversava com seu estimado tio e ambos explodiram em gostosa gargalhada ao avistar Memnon com o emplastro. Caiu a noite, e Memnon preparou seu leito num monte de palha perto de sua casa. Atacou-o a febre intermitente, e ele adormeceu num dos acessos, quando lhe apareceu em sonho um espírito celestial.

Era todo resplandecente: tinha seis asas vistosas, mas nem pés, nem cabeça, nem cauda, não havendo nada com que ele se assemelhasse.

– Quem és? – perguntou Memnon.

– O teu anjo da guarda – replicou-lhe a aparição.

– Devolve-me então o meu olho, minha saúde, a fortuna e o entendimento que perdi – implorou Memnon, e contou-lhe como tudo perdera em um só dia.

– São aventuras que nunca nos esquecem no mundo onde vivemos. – disse o espírito.

– E que mundo habitas? – perguntou o aflito homem.

– Minha terra natal – replicou seu interlocutor – fica a quinhentos milhões de léguas distante do Sol, numa pequenina estrela perto de Sírius que daqui se pode ver.

– Encantador país – exclamou o filósofo. – E não há realmente mulheres vis para enganar um pobre diabo, nem amigos íntimos que nos roubem o dinheiro e nos arranquem os olhos a murros, nem falências fraudulentas, nem sátrapas que escarneçam de nós ao mesmo tempo que nos negam justiça?

– Não, – disse o habitante da estrela – nada disso que falaste temos lá. As mulheres não nos ludibriam, porque as desconhecemos, à mesa não cometemos excessos, porque jamais comemos ou bebemos, não sabemos o que são falências, porque não possuímos ouro nem prata, nem nos podem arrancar os olhos a bofetadas porque não temos, como os teus e, por sermos todos iguais, não existem lá sátrapas, que nos façam injustiças.

– Senhor! – atalhou Memnon – Sem mulheres e sem comer, como passais o tempo?

– A vigiar – disse o gênio – os outros mundos que nos são confiados, e eu aqui estou para consolar-te.

– Ai de mim! – lamentou-se o filósofo – Porque não vieste ontem para impedir que eu praticasse tantos despautérios?

– Estive com Hassan, teu irmão mais velho. – replicou a celestial criatura. – Ele merece muito mais piedade do que tu. Sua Majestade benevolentíssima, o Sultão das Índias, em cuja corte ele tem a honra de servir, mandou-lhe arrancar os dois olhos por insignificante indiscrição, e está agora num calabouço, mãos e pés cobertos de grilhões.

– É de fato uma felicidade – disse Memnon – ter-se na família um anjo bom, quando um irmão é cego de um olho, e outro de ambos: um a dormir na palha, jogado o outro num calabouço.

– Tua sorte mudará. – declarou o animal da estrela. – É uma verdade que nunca mais recobrarás a vista, mas afora isto, serás suficientemente feliz se tirares da cabeça a ideia de ser filósofo perfeito.

– É isso, então, coisa impossível? – indagou o outro.

– Tão impossível quanto a sabedoria perfeita, a força, o poder ou a felicidade perfeitos. Nós, ao menos, estamos longe disso. Há em verdade um mundo onde tudo é possível, mas nos cem mil milhões de mundos dispersos no espaço tudo caminha gradualmente. Há menos filosofia e menos prazeres no segundo do que no primeiro, menos no terceiro de que no segundo, e assim até o último da escala, onde são todos completamente loucos.

– Receio – disse Memnon – ser o nosso pequeno globo terráqueo o manicômio desses cem mil milhões de mundos dos quais tive a honra de ouvir referências.

– Não é bem assim – respondeu o espírito – mas é quase. Tudo deve estar no seu devido lugar. – Mas certos poetas e filósofos não têm então razão quando nos dizem que tudo está pelo melhor no melhor dos mundos?

– Eles têm razão – respondeu o filósofo celestial – mas quando consideramos as coisas relativamente ao universo inteiro…

– Oh! Pois nunca mais acreditarei em nada disso, enquanto não recuperar o olho perdido – replicou o infortunado Memnon.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Paulo Leminski (XLIII)


Lenda Australiana (Uma Estória de Canguru)

Lá longe no Kowmung e ao redor dos picos escarpados em que se encontram os grandes filões contendo a  prata de Yarranderie (1), vagava uma tribo de negros que têm a sua própria estória do primeiro canguru.

Essas pessoas diziam que certo dia uma mulher se escondeu do marido. Esse homem era um caçador muito inteligente. Seu bumerangue infalível derrubava todos os goanna (2). Os bumerangues que ele fazia só para diversão, voavam à distâncias mais longas, e voltavam e giravam uma e outra vez por cima da cabeça do lançador antes de pousar rapidamente a seus pés, e foi o que ele fez como uma arma e, claro, não voltaria, pois era o mais pesado e mais mortal, seja na caça ou na guerra.

Ele poderia habilmente virar o porco-espinho e não erraria um pássaro se ele tentasse derrubá-lo. Portanto, a bolsa de sua esposa estava sempre cheio de caudas de goannas, com grandes porcos-espinhos,  pássaros e larvas, embora a mulher tivesse ela mesmo catado as larvas, bem como as raízes de samambaia. As larvas eram de uma bela cor branca e se encontravam em buracos de troncos podres e eram chamados de “nuttoo”.

Se diz que o primeiro canguru era uma grande besta e era capaz de comer pequenas crianças. Se uma criança caminhava para longe de seu tapete ou sua caminha de folhas, sua mãe sempre a ameaçava com o chamado do canguru gigante.

Agora, a mulher com a sacola carregada se rebelou. Ela jogou fora o saco pesado e saiu correndo. Ela estava de pé, também, para que ninguém pudesse pegá-la.

Ao redor dessa parte do país se encontram muitas áreas pantanosas, que são densamente arborizadas com o Melaleuca Maideni (3) e foram igualmente cobertas com essas árvores nos dias distantes do primeiro canguru.

A esposa fugitiva se escondeu atrás do tronco de uma das maiores dessas árvores. Sua casca era branca, e em manchas largas, suave, irregular e com aparência de papel. E descascava em grandes pedaços.

O marido dela, muitas vezes conseguia alcançá-la e ela tinha que ser muito, muito rápida quando saia do esconderijo e começava a correr.

Dias se passaram e ela ainda não tinha sido capturado. Mas ela estava ficando cansada, e ela começou a pensar que carregar um pesado saco de carne estragada não era uma tarefa tão terrível como a ficar brincando de esconde-esconde pela vida inteira, em que ela era obrigada a fazer constantemente.

Se ela não tivesse sido uma das mulheres que tinha aprendido os segredos que apenas os homens deveriam possuir, ela nunca teria tido coragem de se rebelar. Se as coisas ficassem ainda pior, ela poderia invocar a ajuda do espírito, e algo aconteceria a seu favor. Ela sabia onde o barro que era necessário para a magia podia ser encontrado. O único problema era que ela não tinha conhecimento do paradeiro de seu povo. No entanto, ela arriscou tudo, e ao escalar o lado íngreme do monte, viu fumaça de fogueira.

Ela estava muito feliz ao perceber que ele estava na direção da montanha agora chamada de “Werong” (4), escapando sob as “Rochas de Alum.” E entre ela e as Rochas de Alum havia um depósito de argila  vermelho, amarelo, e branco. E lá foi ela, e logo ela que ela marcou um local cuidadosamente, colocando ainda o algodão selvagem nas linhas da argila para ter certeza de que ela iria receber a ajuda que ela precisava.

Por essa altura já era noite, e ela dormiu.

Pela manhã os alimentos vieram para ela. A larva de nuttoo enfiou a cabeça no tronco da árvore grama, e ela não teve dificuldade em atraí-lo para fora, e, torrada a larva era muito doce. O sabor da larva nuttoo, que quase sempre podem ser encontrados em acácias,  a fez querer muito mais.

É bem conhecido que um grande número de insetos muito destrutivos habitam as acácias. O eucalipto ou coolibah(5), também é outro hospedeiro para larvas de pragas. E acácias e coolibabs crescem em abundância, pois em menos de duas horas ela tinha recolhido um saco enorme, e logo em seguida ela procurou um lugar para fazer um outro fogo.

Este fogo foi sua ruína. A fumaça foi logo vista por seu marido. Ele era persistente e nunca deixou de observar e procurar por ela.

Com toda a sua astúcia, ele aproximou-se das pequenas espirais azuis de fumaça.

Mas a mulher não era de forma nenhuma irresponsável. Seus ouvidos estavam atentos, e ela ouviu claramente um galho se quebrando e o roçar de olhas mortas perturbando o ar. A mulher então apelou ao Espírito, batendo nos seus seios ao mesmo tempo. Entre ela e o homem rastejando furtivamente havia um toco de árvore do chá. O topo tinha sido arrancado por uma ventania e ele caíra morto no chão. Ela se lançou ao tronco, e se endireitando ela apertou os braços ao redor dele, suplicando ao Espírito, ao mesmo tempo, para protegê-la e guiá-la.

O toco de árvore ganhou vida. Ele pulsava. Tinha quase se separado de suas raízes, pois havia muito tempo desde que o seus ramos tinham sido arrancados dele.

O homem viu isso muito claramente. Para ele era só um toco de árvore do chá. Os grandes pedaços de casca eram bastante visíveis para ele.

Portanto, ele não viu nada de mais. Ele foi se aproximando até que ele pudesse ver o fogo ardente e suas narinas se enchessem do cheiro da refeição a cozinhar. Não havia nenhum sinal de sua esposa.

Bem, pensou ele, não importa neste momento. Ele iria comer sua refeição e, em seguida, ele iria espionar as trilhas e segui-la.

Ele passou a poucos metros do toco do árvore de chá, e assim ele estava tão distraído de sua guarda e estava prestes a começar a refeição, quando o toco saltou. Ele lançou um olhar para ele.  A surpresa o manteve paralisado. Lá, agarrado ao tronco, o que quer que fosse, estava sua esposa.

Ele teve um vislumbre das linhas brancas do tronco, e ele desistiu da ideia de o seguir.

Portanto, desde que o tempo é difícil dizer distinguir um canguru de um toco. Quando ele ainda está de pé no mato pode-se facilmente imaginar que é uma mulher aborígene, coberta nas costas com barro e algodão selvagens. As patas dianteiras escuras do canguru são seus braços. A  costa escura é o seu corpo. Sua cabeça escura é seu rosto. Mas sua frente desgrenhada e branca é toco da árvore.

A obsessão do canguru por bebês aborígenes  nasceu dessa mulher fugitiva que originou o seu ser. Alguns acreditam que ele os come, mas outros negam isso, mas esse mistério nunca será desvendado.

Mesmo sem acreditar, as mães aborígenes assustam seus filhos com essa estória, dizendo que o canguru o faz.
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NOTAS
(1) Yerranderrie é uma cidade fantasma localizada próximo do Kanangra-Boyd National Park de New South Wales, Australia em Wollondilly Shire.
Yerranderie era antes uma cidade mineira de aproximadamente duas mil pessoas, mas a indústria da mineração entrou em em 1927, e, desed 1959,  a cidade não teve mais acesso direto para a cidade de  Sydney pelas terras da represa de Warragamba e o lago Lake Burragorang. O posto do correio de Yerranderie abriu em 1 de novembro de 1899 e fechou em 1958.
Agora a cidade é dividida em duas partes, as adjacências residenciais próximas a uma pista de pouso e o sítio histórico um quilômetro mais a oeste. A área é cercada por relíquias e entradas de minas abandonadas. Acessada principalmente por uma estrada de terra de Oberon, New South Wales 70 km ao oeste, embora haja uma rota raramente utilizada através do Oakdale ao leste. Aviões voam ocasionalmente vindos do aeroporto de Camden . A cidade foi fundada nos arredores do Pico de Yerranderrie Peak, que são os restos de um dique vulcânica dique e a fonte da riqueza mineral da região. Yerranderrie provém de duas palavras aborígenes,  que significa encosta e topo.
 
(2) Tipo de lagarto monitor encontrado na Austrália. Das trinta espécie conhecidas, vinte e cinco são australianas.
 
(3) Tipo de árvore:
 
(4) Monte localizado no Blue Mountains National Park.
 
(5) É um tipo de eucalipto de zonas alagadas que é encontrado por toda a Austrália. A árvore é comumente chamada de  coolibah or coolabah.

Fonte:
http://www.sacred-texts.com/aus/peck/peck14.htm disponível em Casa de Cha

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Paulo Leminski (XLII)


Luiz Poeta (Poemas Escolhidos)

BOTÃO DE ROSA

Aos meus pés cai uma flor
Trazida pelo vento,
Dizendo talvez que o amor
É sutil ou violento.

Eu não a deixo ao relento;
É uma rosa... e quase fala !
Mas firo seus sentimentos
Se ela se despetala.

Pego-a delicadamente,
Mas me firo em seu espinho
Eu nem sei se ela sente
Esta forma de carinho.

Com minhas mãos perfumadas,
Seguro esta rosa-botão
Que mesmo depois de arrancada,
Se abre no meu coração.

A DOR DA TUA AUSÊNCIA

Se a tua ausência pode ser sentida
Como uma dor que apenas incomoda
E se em teu ser só fica uma ferida
No exato instante em que alguém te poda...

É interessante que tu compreendas
Que a outra ausência também é doída
E se tu queres que alguém te entenda,
Faz tua dor sutil ser percebida.

Não te maltrates – assim é a vida:
Fica o perfume onde morre a flor;
A dor da ausência é menos dolorida
Quando ela nasce da falta de amor.

E o teu amor é uma flor tão doce
Que não merece assim ser destruída...
Guarda em teu ser o amor que alguém te trouxe,
Porque ele faz parte da tua vida.

PALPITAÇÕES
 
Teu coração te palpita
Porque tem aprisionado
Um velho amor que te grita
De um tempo do teu passado.

Teu coração maltratado
Por teus sutis devaneios,
Grita sem ser escutado
Por quem não tem teus anseios.

E essa aflição repentina...
Que importa de onde ela veio ?
O importante, menina,
É que ela pulsa em teu seio.

AMANTE É QUEM AMA

Somos amantes sem sê-lo,
Mesmo epidermicamente,
Somos mesmo sem sabê-lo,
Somos amantes na mente.

Se um corpo alheio, ao vê-lo,
Sentimos um calor fremente
E, num átimo, por tê-lo,
Ansiamos de repente…

Mesmo estando tão presente
A pessoa que nos ama,
Mesmo estando até na cama
Em carícias envolventes…

Traímos o que nos sente,
Sem todavia traí-lo,
Sentimos o amante ausente,
Sem entretanto senti-lo.

E não depende da gente
Lembrar alguém no momento
Do amor mais forte e envolvente,
Repleto de sentimento.

Traímos no pensamento,
Sem toques e sem contatos,
Portanto, se não há ato,
Não traímos, tão-somente.

Se em pensamentos traímos…
Traímos! …mas quem reclama ?
Porque, quando nos unimos,
Amante é aquele que ama.

AO MAIS ANTIGO CIDADÃO DE SÃO FIDÉLIS

Sem que o relevo desta terra te proíba,
Com sedutora imponência…e mansidão…
Tu atravessas nossa história, Paraíba,
Abençoando muito mais que um coração.

Tua corrente é poesia em movimento
E por cruzares nossa Cidade Poema,
Quem te navega com o olhar, vê num momento,
Que és o verso…São Fidélis é o tema.

Numa das ruas que te abraçam, da matriz
Duzentos anos te miram…o campanário
Geme estridências solidárias e te diz
Que o teu matiz é sempre um novo itinerário.

Se retornasses há alguns tempos passados,
As tuas margens…de tão líricos caminhos,
Enlaçariam teus Puris e Coroados
E reveriam teus sublimes capuchinhos.

Quando anoitece, a cidade se emoldura…
E na ternura dos olhares solidários,
A luz da Lua se mistura…com brandura,
À escultura dos seus prédios centenários.

Das luminárias do presente fidelense…
Às lamparinas dos casebres ribeirinhos,
A poesia se dilui…sublimemente
Na agitação dos teus eternos torvelinhos.

E quando o sol, pela manhã, te ilumina,
Cada retina comovida que te chora
Reflete em tua solidão mais…mais cristalina…
A repentina emoção de quem te adora.

Os flamboiants fazem a corte quando passas,
Porque eles sabem que sempre reverencias
Cada poeta que passeia pelas praças
De São Fidélis, respirando fantasia.

Na solidão das tuas águas mais douradas,
Quando teu ímpeto…perene…nos completa,
Teu coração, em pulsações cadenciadas
Fala de amor com a ternura de um poeta.

Nós te louvamos, porque és o nosso irmão,
E quem visita nossa lírica cidade,
Sempre te vê, atravessando um coração
E desaguando em nossa sensibilidade.

PINTURA ALEATÓRIA

Tu te mascaras, mas as caras que tu fazes
São tantas caras... por que usas tantas tintas ?
Tuas pinturas inseguras são fugazes
Teu rosto é lindo... afinal... por que te pintas ?

Os que te amam de verdade não projetam
O que não és... querem te ver sem maquiagem
Ao natural... feliz... com os sonhos que completam
O interior do teu amor... por que outra imagem ?

Que importa a cor de um falso amor, se o rosto é triste ?
Se tu chorares, teu pranto vai dissolver
Essa pintura aleatória à dor que existe
E que insiste em habitar todo o teu ser.

Tira essa tinta... onde está o teu sorriso ?
Quando tu ris, teu coração, como uma flor
Se abre em pétalas sutis... rir é preciso
Porque o sorriso pinta a cor do teu amor.

Queres pintar o teu amor sem te mentir ?
Apenas ri da tua dor aleatória
Ao teu amor, assim vais multicolorir
O que existir de desamor na tua história.

Se a chuva é triste, o arco-íris se revela
Quando uma luz timidamente se projeta
Por entre as nuvens... como a cor dessa aquarela
Do teu amor na luz do olhar... que te completa.

PASSE...ARTE

Tu me passeias por dentro, irmã do meu coração,
Percorres a solidão do meu silêncio mais fundo...
São ermos reflexivos... são lagos onde a paixão
Repousa na abstração de um sonho fora do mundo...

Eu te passeio, menina... e entendo cada caminho
Que enfeitas devagarzinho com teu olhar delicado...
E a cada rumo que traças, colores com teu carinho
A borda de cada ninho de um passarinho encantado.

Poetas voam tão alto, diluem-se em devaneios,
São anjos...criam enleios tão nebulosos... sutis...
Que, quando sonham, sublimam a essência dos seus anseios
Alheios, dão seus passeios nos sonhos mais infantis...

Somos assim, minha amiga... iguais na necessidade
De amar nebulosidades e infinitos sem fim,
Por isso é que eu te passeio, percorro tuas cidades
E tuas ansiedades se perdem... dentro de mim.

ÂNSIAS SONOLENTAS

O homem mente quando diz que se extasia
Com a fantasia de amar o que ele inventa;
A euforia taciturna só aumenta
A sua ânsia de viver sem hipocrisia.

Por outro lado, é nas ilhas nevoentas
Que as formas dançam sedutoras, seminuas
E cada sombra toma a direção das ruas
Que o sonho cria em suas ânsias sonolentas.

É da emoção que o coração se alimenta;
O sonho tenta misturar a realidade,
Com seu prazer de amar e ter felicidade,
Quando a ilusão de ser feliz não o contenta.

O homem crê no que ele vê, porém duvida
Da sua vida, quando sua solidão
Cria a razão de uma dor que intimida
A própria vida do seu próprio coração.

Mas é no pranto que deságua no poeta
Que se completa este ciclo sedutor
Que se alimenta da essência inquieta
Quando o poeta inquieta o próprio amor.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Paulo Leminski (XLI)


A. A. de Assis (Revista Trovia - n. 195 - setembro 2016)


Tenho duas grandes provas
de que Deus muito me quer:
deu-me o dom de fazer trovas
e me fez nascer mulher!
Augusta Campos
 

Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
– São iguais às turmalinas
no destino de Paes Leme...
Célio Grünewald

Carteiro, ao fazer a entrega
das cartas, de porta em porta,
o pranto e o riso carrega
nos segredos que transporta.
Jacy Pacheco

Eu faço versos assim
como quem respira ou canta:
a poesia nasce em mim,
como do chão nasce a planta.
J. G. de Araújo Jorge

Se a vida, nos rios, nada;
nos galhos, brinca e balança,
podemos plantar na estrada
um novo pé de esperança.
José Lucas de Barros

Que todo coração bate
estou farto de saber.
O meu, cruel disparate,
apanha em vez de bater!
Lourival Passos

Tu nem me vês quando eu passo;
mas, num doce atrevimento,
sem que saibas eu te faço
carícias em pensamento.
Lucy Sother Rocha
 

Dos pobres velhos não zombes,
respeitá-los é agir bem;
porque às vezes, nesta vida,
se fica velho também!...
Nidoval Reis

Sei que é tarde, não me iludo,
e o que mais me dói agora
é pensar que tive tudo
que acabei jogando fora...
Nydia Iaggi Martins

O que dói na minha idade
não é ver próximo o fim;
é ver que mesmo a saudade
já se despede de mim...
Osório Dutra

Muita gente se parece
com o vaga-lume, também:
– Seu brilho só aparece
onde não brilha ninguém.
Peri Ogibe Rocha
 



O velho tudo trocava
(de namorada, também).
– Como vassoura – explicava –,
a nova é que varre bem!
Adélia Woellner – PR

Despido, ao lado da cama,
me peguei a me indagar
– Tendo nas mãos o pijama,
devo vestir ou guardar?
Amilton Maciel – SP

– Quando saiu… a maninha
foi com “mãinha” ou foi só?
– Sei não! Mas voltou “mãinha”,
quando chegou do forró!
Jaime Pina da Silveira – SP

– Quem vem lá? Pelo alarido
ela sabe, rapidinho:
se o cão latir, é o marido;
se fizer festa... é o vizinho!
José Ouverney – SP

Um sujeito extravagante
com “cc” meio bodoso
bebia desodorante
para suar mais cheiroso...
Maria Nascimento – RJ

Mostra o sábio o que destaca
do burro a paca, e sussurra:
– é que o burro sempre empaca,
e a paca jamais emburra...
Osvaldo Reis – PR

Zerou no vestibular!!!
Com vergonha, ela tremeu.
Disse ao pai pra disfarçar:
– Sabe a última?... Sou eu!
Therezinha Brisolla – SP



Anoitece. Bela e nua,
começa a rosa a orvalhar-se...
Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se.
A. A. de Assis – PR

A liberdade prospera
onde existe honestidade.
Muito mais que uma quimera,
ela é a expressão da verdade.
Agostinho Rodrigues – RJ

Deus se desdobra no amor
e deixa o ventre bem farto
quando a mãe dá com fulgor
mais de uma luz num só parto.
Aílto Rodrigues – RJ

Neste encontro inesperado,
vamos brindar a nós dois.
Primeiro, o beijo guardado...
o vinho eu peço depois!
Almira Guaracy Rebelo – MG

Namorei sonhos distantes,
que senti, mas não toquei;
e até dos sonhos errantes,
confesso: também gostei!
A.M.A. Sardenberg – RJ

Delírio é lira do poeta,
a rima do trovador.
É liturgia completa,
quer na alegria ou na dor.
Andréa Mota – PR

Felicidade é encanto
que se vive por um triz,
mas celebro, por enquanto,
apenas o que Deus quis.
Antonio Cabral Filho – RJ

Nunca supus que a saudade
tivesse um tiro certeiro.
Em vez de matar metade,
me matou foi por inteiro.
Antonio Colavite Filho – SP

Faço versos com carinho,
mas a musa, intrometida,
quer mexer, e faz beicinho,
na minha Trova da Vida.
Ari Santos de Campos – SC
 


Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda
quando é impossível sonhar!
Carolina Ramos – SP

Por que não curtir saudade,
que é parte do nosso ser?
– Saudade não tem idade,
fica em nosso entardecer.
Cônego Telles – PR

El primer Nobel del mundo
jamás ha sido entregado,
fue El de Paz y amor profundo;
ganador? Jesus amado!
Cristina Olivera Chávez – EUA

Por ironia da vida,
aprendi tarde demais:
quando encontrei a saída,
eu não precisava mais,
Dáguima Verônica – MG
Cem vezes tu repetiste
que me amavas loucamente...
Cem vezes tu me mentiste
e cem vezes eu fui crente!
Delcy Canalles – RS

Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto...
Domitilla Borges Beltrame – SP

Mesmo que a Terra se mude
e os montes vão para os mares,
Deus é refúgio e quietude
na angústia em que te encontrares.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Meu beijo tem a fragrância
dos perfumes da amizade,
mas... dado assim à distância
tem mais sabor de saudade!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Sonho com Deus pequenino...
Ele brincando comigo!
Quem brinca com Deus menino,
tem, para sempre, um amigo.
Evandro Sarmento – RJ
 
Sempre sozinha, aos farrapos,
mas de rosário na mão...
A fé tecida entre os trapos
remendava a solidão!
Francisco Garcia – RN

Todo indivíduo que é tolo,
mas que de sábio se arvora,
é tal um pão sem miolo...
só tem a casca por fora!
Francisco Pessoa – CE

No emaranhado dos fios
dessa história mal tecida,
encontrei nos desafios
a minha linha da vida.
Geraldo Trombin – SP
Refém de ti, não recuo,
réu do amor que me corrói:
cada sonho que construo,
tua apatia destrói...
Gilvan Carneiro – RJ
 
Uma luz incandescente
emana de forma nova
quando alguém declama e sente
todo o prazer que há na trova.
Gislaine Canales – RS

Hoje trago na lembrança
uma dor que sobrevive
num fiapo de esperança,
pelo amor que nunca tive.
JB Xavier – SP

Fazer as pazes... Presente
melhor a dar a um irmão
é desfraldar, complacente,
a bandeira do perdão.
Jeanette De Cnop – PR 


Vão-se a tristeza e amargura
e adentro num paraíso,
quando me rendo à ternura
e encanto do teu sorriso.
Jessé Nascimento – RJ
 

Quando a mente se alvoroça
e vocifera no entulho,
arremeda uma carroça:
mais vazia...mais barulho.
João BX Oliveira – SP

Não há dizer que defina
o doce amor da mulher;
quando toca, mescla, ensina,
faz do homem o que quer.
Jorge Fregadolli – PR

Na aliança nunca desfeita,
alma e corpo te entreguei:
juntei a ideia perfeita
ao passo maior que eu dei.
Josafá Sobreira da Silva – RJ

Quero achar o GPS,
neste mundo de maldade,
que me diga que conhece
onde está a felicidade...
José Fabiano – MG

Uma chave carregamos,
porta de um mundo melhor,
entretanto não largamos
a muleta de um pior.
José Feldman – PR

Nesta vida é quase nada
o tempo de uma alegria:
o orvalho da madrugada
não dura até meio-dia.
José Lira – PE

Bendigo a lágrima doce
da chuva que cai lá fora.
Bom seria se assim fosse
o pranto que a gente chora!
José Valdez – SP

Se não me dás teu carinho,
se não me queres amar,
sou barco triste e sozinho,
que já não quer navegar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
Maria Luíza Walendowski – SC

Guardei teu rosto, teus traços,
dentro da alma dolorida,
e aquele instante em teus braços
que valeu por uma vida!
Maria Thereza Cavalheiro – SP

Pelas ruas, no passado,
nos realejos risonhos,
um periquito amestrado
passava vendendo sonhos.
Marina Valente – SP

As marcas do teu batom,
deixadas no meu cristal,
têm sabor e têm o dom
de um grande amor, no final.
Maurício Friedrich – PR

Foi o beijo que me destes
que meu rosto coloriu.
Não sei se passei nos testes,
mas meu coração sorriu.
Mifori – SP

Deus, com seus poderes plenos.
fez todos homens iguais.
Mas sabe que valem menos
os que pensam valer mais...
Milton Souza – RS

Enquanto espero a velhice
eu passo a vida trovando,
pois sei que é muita burrice
passá-la só lamentando.
Nei Garcez – PR


 

Ficou mais lento o meu passo?
Caminharei mesmo assim.
Só temeria o cansaço
se me cansasse de mim...
Newton Vieira – MG

Prefiro a verdade dita
por amigo ou desafeto
a uma palavra fingida
de um adulador abjeto.
Nilsa Alves de Melo – PR

A rotina e os desencantos,
que fazem da vida um tédio,
têm alívio em nossos cantos
e, na trova, um bom remédio.
Olga Agulhon – PR

Em teu olhar fascinante,
meu coração se perdeu,
e mantém minha alma errante
plena do amor que é só teu...
Olga Maria Ferreira – RS
 

Nada recebe quem nega
dar amor ou coisa assim:
só colhe flores quem rega
dia e noite o seu jardim.
Olympio Coutinho – MG
 

Em vigília a vida inteira,
me trazendo lenitivo,
a Ilusão é uma enfermeira
que mantém meu sonho vivo...
Pedro Melo – SP

Tenho em meu peito guardada
para você, que me evita,
a alma um tanto magoada,
mas com ternura infinita.
Renato Alves – RJ

Nossas almas parecidas,
nossos sonhos se irmanando,
eu e tu, vidas vividas
tarde demais se encontrando!
Rita Mourão – SP
 

Desde criança a poesia
é a minha grande riqueza:
minha fonte de alegria,
minha eterna fortaleza.
Roza de Oliveira – PR

Tímido é o fogo abafado
– faísca ao pé do estopim...
Querida, estando ao teu lado,
eu tenho medo de mim!
Sávio Soares de Sousa – RJ
 

A semente, pequenina,
sob a terra protegida,
é assinatura divina
no grande livro da vida.
Selma Patti Spinelli – SP

Grata sou profundamente
por ter na vida encontrado
o mais caro dos presentes:
bons amigos a meu lado!
Sinclair Casemiro – PR

Do nascer à despedida,
ele é sal e sol na estrada,
ele é luz em nossa vida,
sem amor não somos nada...
Sônia Ditzel Martelo – PR
 

Nesta vida, o que consola,
quando algo nos acontece
é ver que o que nos amola,
com o tempo se espairece.
Talita Batista – RJ
 

Coração, nunca te emendas!...
És de fato um sonhador.
Até nas duras contendas
tu vês motivos de amor!
Thalma Tavares – SP
 

Meu tempo tornou-se esparso...
Por mais que tente retê-lo,
nem com tintura disfarço
o cinza do meu cabelo.
Vanda Alves – PR
 

Por mais que o progresso iluda,
deturpe e inverta valor,
o que Deus fez ninguém muda:
amor será sempre Amor.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

No lento passar das horas,
em insônia e devaneio,
contei inúteis auroras
à espera de quem não veio.
Wanda Mourthé – MG
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Folclore Japonês (Tsuru-no-Ongaeshi)

Há muito, muito tempo em uma terra distante, vivia um jovem camponês em sua pobre choupana. Um dia, enquanto colhia algumas parcas verduras na terra cansada de sua fazenda, uma brilhante garça branca veio descendo e caiu no chão a seus pés. O homem percebeu uma flecha perfurando uma de suas asas. Com pena da garça, ele puxou a flecha e limpou o ferimento cuidando pacientemente da ave. Graças aos seus cuidados, o pássaro logo foi capaz de voar novamente. O jovem então soltou a garça de volta para o céu, dizendo: “Tenha cuidado a partir de agora com caçadores”. O belo pássaro circulou voando três vezes sobre a cabeça do jovem, soltou um grito, como em agradecimento, e depois voou para longe.

Alguns tempo depois, ele foi surpreendido pela visão de uma bela mulher a quem ele nunca tinha visto antes em pé na soleira da porta de sua casa, que pediu que lhe desse abrigo por uma noite. O camponês, por ser bom, não negaria esta caridade a qualquer pessoa, mas a beleza da mulher fez com que ele acreditasse que deixá-la dormir em sua pobre cabana era realmente uma honra. Atraídos um pelo outro, apaixonaram-se. “Eu serei sua esposa”, disse a mulher. O jovem ficou surpreso e com medo de sua situação precária, disse: “Eu sou muito pobre, e não poderei sustentá-la.” A bela mulher respondeu, apontando para um pequeno saco, “Não se preocupe, temos muito arroz”, e começou a preparar o jantar. O jovem ficou confuso, mas feliz, os dois começaram uma nova vida juntos. E o saco de arroz, misteriosamente, manteve-se sempre cheio.

A noiva era delicada, atenciosa e tinha tanta disposição para o trabalho quanto era bonita, e assim eles viviam muito felizes. Mas o camponês, que já tinha muita dificuldade em viver sozinho, ficou muito preocupado em não conseguir cobrir as despesas de sua nova vida de casado.

Percebendo sua preocupação, a esposa perguntou ao jovem se poderia construir-lhe um quarto de tecelagem, disse ao marido que produziria um tecido especial (tecer era um trabalho comum para as mulheres nessa época). Ele poderia vendê-lo para ganhar dinheiro, mas ela alertou que precisaria fazer seu trabalho em segredo, e que ninguém, nem mesmo ele, seu marido, poderia vê-la tecer.

O homem construiu outra pequena cabana nos fundos de sua casa, e quando ficou pronto, ela disse: “Você tem que prometer nunca espreitar-me.” Com isso, ela se trancou no quarto. Lá, ela trabalhou durante dias, e o jovem pacientemente esperou.

O marido só ouvia o som do tear batendo, e a curiosidade e a saudade que tinha de sua bela mulher fazia com que estes dias demorassem muito para passar. Finalmente, depois de três dias, o som do tear parou e sua esposa saiu segurando nas mãos o mais belo tecido que ele já tinha visto. Era um tecido de textura delicada, brilhante e com desenhos exóticos. A tecelã lhe deu o nome de “mil penas de Tsuru”. “Leve este pano para o mercado que será vendido por um preço alto”, disse a esposa. No dia seguinte, ele levou o rico fardo para a cidade. Os comerciantes ficaram surpreendidos com a beleza do tecido e lutaram entre si para consegui-lo. E, assim como ela disse, foi vendido por muitas moedas de ouro.  O pobre homem não podia acreditar que tão de repente a sorte começasse a lhe sorrir. Feliz, ele voltou para casa.

A partir de então, a esposa passou a trabalhar no valioso tecido muitas outras vezes. O casal podia, com o fruto das vendas, viver em conforto. A mulher, porém, tornava-se dia após dia mais magra. Um dia, ela disse que não poderia tecer por um bom tempo. Ela estava muito cansada. Seus ossos lhe doíam e a fraqueza quase a impedia de ficar em pé. O camponês a amava muito e acreditava naquilo que ela dizia, porém, tinha experimentado a cobiça e, como havia contraído algumas dívidas na cidade, pediu para que ela tecesse somente por mais uma vez. A princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente.

Desta vez, ela não saiu no terceiro dia como era de costume. E o homem ficou preocupado. Mais três dias se passaram sem que ela aparecesse. E isso começou a deixar o marido desesperado. No sétimo dia, sem saber mais o que fazer, ele quebrou sua promessa, espiando o serviço de tecelagem que ela fazia dentro do quarto.

Para sua grande surpresa, não era sua mulher quem estava tecendo. Arqueada sobre o tear, encontrava-se uma garça, muito parecida com aquela que o camponês havia curado, arrancando suas próprias penas para tecer. O jovem homem sentiu-se arrasado, culpando-se pelo que poderia ter acontecido com sua amada esposa. Amaldiçoava-se por ter sido insaciável e praticamente tê-la obrigado a tecer mais uma vez.

O pássaro então notou o jovem a espreitar-lhe e disse: “Eu sou a garça que você salvou. Eu queria recompensá-lo, por isso tornei-me sua esposa, mas agora que você viu minha verdadeira forma eu não posso ficar aqui por mais tempo.” Então, com as mãos tremulas entregou-lhe o tecido acabado, e com a voz embargada ela disse: “Deixo-vos isto para que se lembre de mim.”  Assim dizendo, ela se transformou em uma garça e voou, deixando o camponês com lágrimas nos olhos vê-la desaparecer no horizonte.

Fonte: 
Livro: Myths and legends of ancient Japan in Caçadores de Lendas

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Paulo Leminski (XL)


Nilto Maciel (O Menino e o Bacamarte)

Para Airton Monte

De batismo chamava-se João Alves Mendes, nome depois reduzido a Jão. Apelidou-se Carcará, dizendo-se danado.

Virou índio aos cinco anos. Despia-se e corria pelo quintal, espantando galinhas e porcos. Subia às laranjeiras e de cima atirava laranjas podres nos bichos. Deu para fabricar arcos e flechas com que irritava os galos. Queria matar todos os brancos da cidade com as armas nativas amontoadas no canto do muro. Crescia analfabeto e grosseiro, metido nos ca­fundós do quintal, sem reza e sem hora para nada.

   — Vem comer, menino.

    — Já comi.

Devorava bananas quase verdes e chupava as laranjinhas mal brotadas.

Aos doze anos organizou uma tribo e saía pelas ruas a experimentar seu arsenal nos ossos dos cachorros. Os vizinhos reclamavam, o povo todo se maldizia.

— Mataram meu gato.

— Foi o moleque do Pedro Mendes.

— O doidinho?

  Já rapazinho, viu-se só. Nenhum dos companheiros de infância queria mais brincar de índio. Preferiam namorar nas pracinhas. E Jão seminu, armado de arco e flecha, pintado de jenipapo. Correndo o mato atrás de preás, pescando no Potiú. Mal dormia em casa.

Um dia deram-no por perdido. Vasculharam toda a cidade e arredores, e nada de notícia dele. Nos leitos dos rios nem sinal de corpo apodrecido. Nos açudes talvez nada. Nos matos nenhum mau cheiro. A mãe só faltou morrer de chorar. O pai resmungava.

Dias depois a notícia chegou: Carcará havia tentado invadir Parangaba, onde brancos escravizavam Jaguaribaras. Repelido, foi bater na Precabura. E em seu encalço saíram trinta soldados e alguns habitantes da Fortaleza. Acossado, embrenhou-se nos matos.

— Vamos pegar o doido.

Em Parangaba criou fama. Andava armado e voltaria para matar qualquer inocente. Talvez até uma criança. O povo todo do bairro só falava nele e alguns se armavam para caçá-lo.

Foi visto às margens do Choró e correu espantado feito bicho do mato.

— Querem ocupar também aqui?

Depois passaram pelo Pacoti.

Sua fama se espalhou. Todo o Ceará já sabia de um doido fantasiado de índio que andava pelos sertões. A confusão se fez logo. Qualquer rapazote visto de calção no mato era perseguido. Muitos apanhavam até provarem nunca ter ouvido falar de índio. Houve casos de barbaridades. E o estopim se alastrava pelo Rio Grande do Norte. Todo o sertão pegava fogo: Carcará atacava vilarejos com suas flechinhas que mal ofendiam um passarinho, e os homens o perseguiam com revólveres e metralhadoras.

Certo coronel João de Barros, saudoso de seus tempos de chefe de capangas, prometeu caçar e prender o delinquente. Procurou o padre João da Costa e prometeu-lhe entregar o doido. Dito e feito. Com poucos dias de caçada, lá estava Jão acuado numa grota, cercado por mais de vinte homens, seguro e amarrado. Levado à presença do padre, aquietou-se e prometeu viver pacificamente daí em diante.

Na conversa, conseguiu fugir, deixando o padre atarantado. Dessa carreira foi bater no Banabuiú. Vagou pelos sertões à cata de companheiros. Chegava às fazendas e convocava os caboclos para uma guerra.

— Que guerra, seu menino?

 — Para acabar com os brancos.

Aliciou alguns rapazes que já tinham ouvido falar em reforma agrária.

— Vamos expulsar os ricos das terras?

A guerra começaria em Aquiraz. De lá partiriam para outras cidades e as fazendas. E seguiram, ele nu e armado de arco e flecha, os outros vestidos de calça e camisa e armados de foice e facão. No meio do caminho encontraram uns capangas, que dispersaram o regimento, mas Carcará conseguiu escapar e continuar viagem. E entrou em Aquiraz, onde disparou centenas de flechas contra indefesos e pacatos aquiraenses atônitos. Ciente da carnificina causada, fugiu para o rio Choró, onde se defrontou mais uma vez com o coronel João de Barros, saindo ferido.

Em Aquiraz o pânico crescia. Organizou-se uma expedição para caçar o louco, caçada que nunca deu em nada. Carcará então já vagava por Pacatuba, Pacoti, Catu, Cocó, espiando as coisas.

Um dia foi ter numa fazenda de certo Senhor Feitosa, que disputava terras a uns tais Montes e precisava de homens valentes, cabras machos. A partir daí a vida de Carcará mudou. Deram-lhe um bacamarte. E virou capanga, com mais de cem mortes nas costas.

Fonte:
MACIEL, Nilto. As insolentes patas do cão. São Paulo: Scortecci, 1991.