sábado, 20 de fevereiro de 2010

Lucy Nazaro (Caderno de Poesias)



PEDRAS BRINCAM DE FAZER AMOR
(À Rishikesh)

Pedras se lavam na intrepidez de águas geladas que fluem
Escutando o cantar suave que escorre tranqüilamente com elas.
Enquanto brincam de fazer amor, misturam fluídos mágicos e riem
Incitando nossas almas a se abraçar mansamente e voar em sonho.

Um grão aqui, outro grão ali, juntam-se em abraços infinitos
Moldando um colchão para pés cansados e corpos inflamados
Que erguem-se das águas e deitam-se infinitamente unidos
Em lânguidos olhares e beijos ocultos pelos que se sentem amados.

O verde se exibe no horizonte da mãe bondosa
Espalhando esparsas folhas que se jogam de galhos vistosos
Querendo fazer parte da paisagem-cama que se faz briosa
Embalando sonhos e sons de amantes desejosos.

O suave encanto do momento marca corações
Que se abraçam timidamente, escondendo as próprias mãos
Um desvencilhar-se não querendo, um correr que busca ficar
E um enorme desejo de amor se escondendo.

As águas verdes com sua calma espumada seguem trilhas tortuosas
Agora testemunhas de um encontro fatal, pleno de medos
Que se enfileirarão também em vales distantes
Aguardando o momento do encontro em que se tornarão amantes.
–––––––

PÉROLA DO UNIVERSO

Uma curva desvia o que era destino,
Uma força, um vento, um siroco menino
Um grão perdido no sideral espaço
Cria a pérola solitária do universo.

Um róseo coração saltita pelos ares
Navega em barco a vela pelos mares
Voa inquieto, solitário burbulhando amor
Enfeitando jardins verdes de colorida flor.

Há um sonho que insiste se mostrar amarelo,
O quero azul, verde ou vermelho, mas sincero
Exibindo a nave do cósmico voante que o leva
E me busca e em dreams suaves nos enleva.

Mais um risco de um vento no universo... e um grão se fará pérola...
–––––––––––––––––––

ASAS PARA O AMOR

Asas me levam no horizonte sem fronteiras
Onde água, terra, ar e fogo se abraçam
Lambendo meu corpo flutuante em corredeiras
De mares e rios que passam.

Passo neles, com eles, como cisco imperceptível
Perdido num sopro de vento que me tirou da estrada
Boiando à toa, em tom descoberto, navego incrível
Sem leme, sem rumo, vento, bússola, sem nada.

Sou nada que se esvai no esquecimento da vinda,
Vida escolhida, magia indecifrável de meu caos tão vasto
Perambulando, sozinho, vejo luzes que pupulam risonhas, ainda.
Enquanto escorrego pelas sombras. Não vivo... me arrasto.

Lá no fundo da estrada, onde terra, céu e mar se abraçam
Tem luz, tem ar, tem fogo, tem eu esperando por mim
E, na iluminura de um quadro amarelo, um sorriso, enfim
Entrevejo, você, que me olha, me chama e diz que me ama

Asas me levam, ultrapasso a fronteira, não sou mais cisco, sou pedreira
.
_______

Antonio Brás Constante (A Morte Vai Acabar Me Matando)


Para algumas pessoas a morte dá pena, para outras o que se dá é a pena de morte. A morte é imparcial, não escolhe ou dá preferência entre novos ou velhos, bons ou maus, ricos ou pobres, o único critério exigido é que se esteja vivo (favor excetuar desta afirmação todos os zumbis, vampiros e afins que apesar de estarem tecnicamente mortos, também acabam morrendo, como já demonstrado exaustivamente em inúmeros filmes lançados através dos tempos).

O temor da morte causa contradições em nossas percepções, por exemplo, você sabe o que faz uma pessoa pensar que os anjos olham por ela? Sua fé cega. Viver é trocar a eternidade da inexistência por um pouco de essência. Aliás, viver é um ato de rebeldia, de loucura, que se cura com a morte. Como já dizia o humorista Rafinha Bastos, o homem nunca está satisfeito com sua vida, quando está solteiro quer casar, quando está casado quer morrer, e por aí vai.

Um fato interessante é que quanto mais vivos nós tentamos nos sentir, mais perto da morte ficamos, é o que acontece com quem pratica esportes radicais, onde a sede por adrenalina, por querer sentir-se vivo, faz com que estes indivíduos fiquem com suas vidas por um fio, muito próximas do fio afiado da navalha mortal da própria mortalidade.

Pensar na morte é algo que nos faz matar o tempo. Então percebemos que o tempo não morre, nós é que morremos dentro dele. Matamos o nosso tempo, bem como matamos o tempo dos outros através de nossas ações. Quando ficamos horas em uma fila porque o atendente acha que está fazendo um favor trabalhando ali, ele mata não somente o tempo dele, mas de todos que ficam prisioneiros na fila a espera de sua vez de ser atendidos.

Quando algum apressado no trânsito faz alguma manobra irresponsável causando um acidente e isso gera um engarrafamento quilométrico, ele pode até não ter matado diretamente ninguém, mas indiretamente está matando um pouco do tempo de cada um, um tempo que se somado pode equivaler a uma vida inteira.

Enfim, podemos dizer que a vida é uma história com infinitos enredos, TODOS com o mesmo final: A MORTE DO ATOR PRINCIPAL.

Fonte:
Colaboração do Autor

Vicência Jaguaribe (O Piano)


Para a dona Edite Moreira Barreto,
único piano que minha terra ouviu.

Os ouvidos do agrônomo, que estava ali a trabalho, surpreenderam-se ao distinguir, executados por mãos hábeis e sensíveis (algo inconfundível), acordes do Concerto para Piano e Orquestra Nº 21, de Mozart. Eram onze e quarenta de uma manhã de setembro, e ele, caminhando pelas ruas mal calçadas e pouco arborizadas, amaldiçoava o chefe que o fizera aventurar-se por aquele fim de mundo.

O som do piano o fez parar. Não! Aquele som era um delírio provocado pelo indescritível calor e pela sensação de sufocamento. Já ia retomando a caminhada em direção ao hotel, quando ouviu, agora mais fortemente, um som inequívoco – For Elise, de Beethoven. Não havia dúvida: aquela cidadezinha acanhada, a ante-sala do inferno, escondia em algum lugar, protegidos por quatro paredes, um piano e um pianista. E, pelo que estava ouvindo, não era uma atividade só para inglês ver, não. Havia ali um artista excepcional, cujas execuções se distinguiam pela sensibilidade das interpretações e pelas inovações aos arranjos tradicionais.

Quem tocava com tanta competência em uma terra de pés rachados? Quem, ali, tinha a sensibilidade de introjetar o sentimentalismo quase excessivo de For Elise, ou a sensualidade quase impertinente da Habanera, da Carmem, de Bizet? Algo deve ter havido ali para prender, em uma cidadezinha como aquela, a (não podia deixar de ser mulher e jovem) pianista excepcional que o estava deleitando. Uma grande decepção? Uma grande mágoa? Um grande amor? Um casamento medíocre? Uma ninhada de filhos para criar?

Apurou os ouvidos. Os acordes vinham de uma casa grande e antiga, construída do lado direito da igreja. Ele tentou orientar-se pelos sons do piano, que naquele momento iniciava a delicada Canção de Ninar, de Brahms. Ele parou na calçada do casarão, o qual conservava fechadas até a metade as portas interiores das duas varandas. Não teve coragem de tentar vislumbrar, mesmo por alguns segundos, o interior da residência, os mistérios da casa do piano. Recolheu-se intimamente e assim ficou, parado, até que a criança de Brahms finalmente adormecesse. É! Como lhe sentencia um grande amigo, professor de piano, não se ouve Brahms impunemente.

Um sentimento de respeito pela pianista (sim, era uma mulher, só podia ser!) que entregava seu talento de graça, a quem passasse pelas imediações do casarão; uma sensação de encantamento por aquelas peças artísticas que de vez em quando nos abriam as portas do paraíso; e uma veneração extrema pelos artistas que transformam em harmonia o caos dos sons que se perdem no nosso dia-a-dia... foram essas as emoções que envolveram o agrônomo durante as duas horas que ainda teve de esperar para ver de novo o transporte que o levaria para longe do piano. Que o levaria para o conforto burguês de seu apartamento e para longe do piano. Que o reaproximaria da mulher e dos três filhos, afastando-o do piano. Que o faria perder para sempre o piano.

Na hora em que o agrônomo resolveu voltar ao hotel, esquivando-se de bisbilhotar o segredo do piano, uma cuidadora de avental branco, e touca azul protegendo os cabelos, entrou na sala do piano, onde a pianista (era realmente uma mulher) ia iniciar a valsa de Strauss, Sangue de Viena. Mas o virar a página da partitura foi interrompido – chegara a hora do repouso recomendado pelo médico. A pianista, uma mulher que já ultrapassara os noventa anos, fez cara feia para a cuidadora, mas levantou-se e não opôs nenhuma resistência.

A cuidadora quis apoiá-la pelos braços, mas ela negou-se a aceitar a ajuda.

E, enquanto caminhava para o quarto, regia uma orquestra invisível, executando uma sinfonia que não constava em nenhuma partitura e que nem os ouvidos mais sensíveis poderiam captar – a sua 1ª Sinfonia, ou... A Sinfonia do Fim.

Fonte:
Colaboração da Autora.
Imagem = papel de parede do Baixaki

Márcia Carrano (Vento Leve)


Poemas soltos, destacáveis, pequena amostra de produção poética ainda inédita. O livro tem formato e concepção originais. A professora e doutora Rosa Gens, do Departamento de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta-o, com propriedade, em seu Palavras no vento, de Márcia Carrano.

Essência de poesia. Com esse centro o leitor irá se deparar ao iniciar a leitura da obra Vento Leve, de Márcia Carrano. Pois a autora articula a linguagem com sombras, nuances e jeitos que ultrapassam a superfície e atingem espaços inusitados do pensar. As palavras flutuam, movem-se, redemoinham e nunca se aquietam. São palavras que pairam, seduzem, inquietam. Oferecem o sumo do poético, através de uma dicção precisa, delineada já no poema de abertura (“tudo é letra e livro / em minha alma // até este caco de vida / no chão da sala.”).

No desvendar das páginas, o leitor passa os olhos e a mente se detém nos instantes poéticos, breves na apresentação e duradouros pela reflexão. A brevidade aponta para uma condensação de sentido, em que estão presentes notas do cotidiano, apontamentos de vida, em dias que passam limpos, e são ajeitados; em que a morte passa noturna; em que aparecem o IPTU e moedas. Imagens semeadas no vento, que se formam com o deslocamento do concreto e o abstrato, o cotidiano e o além de. Trata-se de concretudes que encaminham a outros sentidos, habilmente potencializados.

A proposta da autora é direta; no entanto, deixa entrever outras paragens, e nos sentimos impulsionados pelo vento que nos leva a diferentes indagações. Os temas são muitos, reunidos na vida e pelos truques de palavras. No entanto, há motivos recorrentes, que se transformam em eixo do poetar. Como exemplo, a busca de um saber, que pode ser apontada em vários dos textos. Outro dos temas é a articulação da escrita sobre a escrita, deixando pulsar a consciência, no discurso lúdico e lógico sobre a poesia. E a transformação do cotidiano em matéria poética, como nos versos “como pego no ar/o salto alto da emoção/disfarçada em rotina banal?”(p.25), que condensam o programa estético da autora no que diz respeito ao corte de uma sentimentalização piegas.

A forma como o livro é apresentado surpreende e encanta. A autora propõe uma leitura desautomatizada, que não caminhe do início ao fim no valor das páginas. Além dessa leitura individualizada, cada um dos poemas pode ser destacado pelo leitor e enviado a quem ele desejar. Trata-se de um leitor que tem a possibilidade de escolher, que se torna, ele também, doador de sentido, e que, provavelmente, irá sobrepor ao poema, cartão endereçado, a sua própria escrita. Pela intenção da autora, os poemas ficarão com o leitor, na memória, ausentes do livro, mas presentes em outras paisagens de doação de sentido.

Porque a poesia é tudo e está em tudo. Como a autora aponta, em sua dedicatória, à maneira de Adélia Prado, pode estar escondida nos recortes do cotidiano que não sabemos (ou podemos) por vezes valorizar. E que têm seu pouso neste Vento leve, de Márcia Carrano, poesia que não se dissolve ao vento, que se torna ventania dos sentidos, vendaval de significados.

Rosa Gens

Fonte:
Márcia Carrano

Márcia Carrano (Poemas Escolhidos)


POEMA 1 - VENTO LEVE

tudo é letra e livro
em minha alma

até este caco de vida
no chão da sala.
_______________

POEMA 2 - VENTO LEVE

o dia passando limpo
atravessando apenas
casual
banal
usual.

e de repente
esborracha uma verdade
bem no meio da vida
— e vira noite sem querer.
____________________

POEMA 3 - VENTO LEVE

intelectual lentidão bovina
lengalengando sonolenta
no triquetrique nervoso
da segunda-feira ruidosa.
____________________

POEMA 4 - VENTO LEVE

e aí?

como pego no ar
o salto alto da emoção
disfarçada em rotina banal?
____________________

POEMA 5 - VENTO LEVE

minha cabeça
amanhece zil textos.

mas o iptu
vence hoje?

e se desfazem
em mil moedas anoitecidadas
em podres carteiras mofadas.
______________________

POEMA 6 - VENTO LEVE

amor é
truque

trunca os corpos
por que passaram olhos
e coração
no corpo único
do agora amoroso.
_____________________

TEMPO NOVO
Para Litinha.

não desprezar o tempo
que se desmanchou enfumaçado
pra celebrar como herói o que vier.

fincar os pés no chão
reunir pedaços do que foi vivido
ligando-os com a lágrima inevitável
colorindo-os com a alegria certa
esculpindo-os com o sentimento puro
pra deixar vencer a paz.

pés no chão ancestral
umedecido pela água triste
o coração
juntando risos
rememorando sorrisos
afastando a tristeza inútil
— agora sim! — vai cantar
o tempo que vier
com o olhar lavado de quem vê
pela primeira vez.
------------------

Márcia Carrano (Primeiro dia)


Primeiro dia de aula. Pastinha na mão, laço de fita no cabelo e a vontade de descobrir o mundo. O que havia lá fora? O mesmo aconchego da casa de mãe, pai e irmãos? Lá fora... muita gente e ela sozinha ou muita gente e ela também?

Partiu como um novo cabral. Menininhas engomadinhas rezando e rezando uma vida inteira para o Deus que ninguém via.

Perto da capela, um bebedouro engraçado. A gente aperta e a água espirra. Água gloriosa se elevando a alturas desconhecidas. Maravilha! Mundo interessante este da escola. com água dançando no ar e na boca.

— Onde já se viu! Hora de rezar...

Primeiro dia de promessas desfeitas. A menina saía da capela e a puxavam de volta. Nada de água dançando, espirrando, numa deliciosa festa de descoberta.

— Mamãe, nunca mais vou à escola.

— Por quê, filha?

— Não deixam a gente beber água.

E não voltou mesmo, a não ser muitos anos depois, com lágrimas nos olhos — água que aprendera a fabricar.
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Fonte:
CARRANO, Márcia. Porção de Tintas. Juiz de Fora, MG: FUNALFA Edições, 2003.

Márcia Carrano



Márcia Carrano Castro é natural de Cataguases (MG). Mora em Juiz de Fora desde 1984. Possui Licenciatura Plena em Letras, bacharel em Direito.

Professora efetiva da rede de ensino estadual, ensina Português, Redação e Literatura no Criarte, curso criado por ela em 1980.

Em 1977, lançou seu primeiro livro de poemas, "Zero Versus", Editora Esdeva - Juiz de Fora. Possui trabalhos publicados em diversos jornais e suplementos literários do país e sítios da Internet.

Em 2001, a Secretaria de Cultura de Cataguases (MG) deu o nome de Márcia Carrano a uma das bibliotecas naquela cidade.

Seu livro de contos "Porção de tintas", premiado pela FUNALFA em 2003, foi lançado no dia 24 de abril de 2003, em Juiz de Fora (MG).

- Vento leve (poemas). Juiz de Fora: Editar, 2007

Fonte:
Márcia Carrano

Livraria Cultura (Programação)

SÃO PAULO
.
20 de fevereiro, sábado
.
14h30
Tema A Ficção Científica
Local Livraria Cultura Bourbon Shopping São Paulo

Quem nunca imaginou cenários fantásticos com carros voadores, armas lasers, viagens interplanetárias? Quem no planeta não conhece a respiração de Darth Vader ou as orelhas pontudas do Sr. Spock? Sejam as maravilhas encantadoras de desenhos como ‘Os Jacksons’, filmes e séries que passavam nos tempos de nossos avós ou bisavós, como ‘Flash Gordon’ nos cinemas, com sua ingenuidade sobre o futuro da humanidade, até o preconceito e a xenofobia de ‘Distrito 9’, a ficção sempre esteve à frente da ciência e nos trouxe calorosas discussões. Um mundo maravilhoso onde a humanidade trabalha em conjunto como a de Star Trek, ou uma caótica com problemas ambientais de Blade Runner, a verdade é única: a ficção cientifica é muito mais do que uma simples ficção. Nesse sábado, o assunto debatido na Livraria Cultura será ' Ficção cientifica'. Venha bater um papo com autores e editores, que falarão sobre o mercado nacional de ficção, e assistir a alguns episódios de seriados que fazem ou fizeram época.

Sobre os palestrantes:
Alan Uemura - editor do Aumanack.
Renato Azevedo - autor de De Roswell a Varginha, da Tarja Editorial.
Cristina Lasaitis - autora de Fábulas do Tempo e da Eternidade, Tarja Editorial.
Gianpaollo Celli - editor da Tarja Editorial.
Adriano Piazzi - editor da Aleph.
Rodrigo Coube - editor da Idea Editora.
Marcus Vinicius - Presidente da Comunidade 007 Brasil.

22 de fevereiro, segunda-feira

19h30
Tema Sucesso profissional com equilíbrio de vida
Local Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos

O sucesso profissional necessariamente vem acompanhado de muito trabalho, estresse e falta de tempo para o lazer e a família? A Livraria Cultura, em parceria com a Alliance Coaching, convida empresários, executivos em cargos de direção e gestores de RH a discutirem este tema. Na palestra, serão discutidos os fatores que envolvem a qualidade de vida no trabalho e fora dele. Um tema complexo tratado de forma simples e inspiradora.

Sobre os palestrantes:

Alexandre Rangel - Experiência como executivo da Arthur Andersen e da Alcoa durante mais de 20 anos. Formação acadêmica em Economia, Psicologia e Ciências Contábeis. Colunista do programa 'Executivos por Excelência', da Rádio Bandeirantes. Autor de vários livros, entre eles o best seller 'O que podemos aprender com os gansos', publicado também em Portugal e na Coreia do Sul.

Pablo Aversa - Formado em Administração de Empresas pela UERJ, com MBA Executivo pela BSP, acumula mais de 20 anos de experiência como responsável direto pela construção e liderança de operações estratégicas em multinacionais dos segmentos de alimentos e varejo (Empresas da Fortune 100). Autor do blog 'There's Always Room 4 Development!' (Sempre Há Espaço para Desenvolvimento!).

Silvio Celestino - Formado em Administração de Empresas e Pós-Graduado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas – SP. Possui 20 anos de experiência executiva no setor de Tecnologia da Informação e é Coach desde 2002, atuando em grandes grupos empresariais no Brasil, nos Estados Unidos, Angola e Suíça. Colunista sobre carreira e Profissões no site do Jornal O Globo. Autor dos Livros: 'Conversa de Elevador – Uma fórmula de sucesso para sua carreira' e 'Diversity in Coaching – Working with gender, age, culture and race', escrito com Jonathan Passmore na Inglaterra

23 de fevereiro, terça-feira

19h00
Livro TERAPOÉTICA
Autor Alessandro Uccello
Local Livraria Cultura Market Place Shopping Center

'Terapoética' é o quarto livro de poesias de Alessandro Uccello, o primeiro depois que ele soube ser portador de Esclerose Lateral Amiotrófica. O título do livro reflete o modo como o autor enfrenta essa doença neurodegenerativa, buscando inspiração no dia a dia, nos relacionamentos amorosos e no humor cáustico para transformar seus problemas em poemas.

23 de fevereiro, terça-feira

19h00
Livro HISTÓRIA DO BRASIL EM QUADRINHOS
Autor Edson Rossatto
Local Livraria Cultura Conjunto Nacional

No livro 'História do Brasil em Quadrinhos - Proclamação da República', fatos como o Primeiro e o Segundo Reinado, a Guerra do Paraguai e a Abolição da Escravatura são reconstituídos pela personagem do professor Daguerre a três crianças durante um passeio pelas ruas do Centro de São Paulo. Os autores basearam-se em obras de arte sobre este período da História do Brasil como forma de remeter a adaptação para os quadrinhos aos livros da educação formal nas escolas.

24 de fevereiro, quarta-feira

18h30
Livro TENHA CALMA!
Autor Vera Martins
Local Livraria Cultura Conjunto Nacional

Nesta quarta-feira, a autora Vera Martins realizará uma sessão de autógrafos de seu mais novo livro Tenha calma!, que traz uma reflexão sobre a raiva, uma emoção tão natural no ser humano, mas pouco compreendida no ambiente de trabalho. Além disso, mostra como entender seu processo, seus 'gatilhos' e seus impactos na saúde mental, emocional, física e comportamental das pessoas.

A proposta é oferecer ao leitor ferramentas para a promoção de seu autoconhecimento e de um modelo mental fortalecido o suficiente para a aquisição de uma maturidade emocional sólida, possibilitando que a raiva seja administrada de forma eficaz e garantindo a felicidade no trabalho.

* Este evento será realizado no piso térreo da loja principal.

Sobre o autor:

Vera Martins é mestre em Comunicação e Mercado e especialista em Medicina Comportamental. Durante vinte anos foi executiva na área de gestão de pessoas em diversas empresas. No momento, atua como professora universitária, palestrante, design de programas em educação corporativa e facilitadora de grupos, por meio da condução de seminários e workshops que buscam o desenvolvimento de competências humanas nas organizações. É autora do livro Seja assertivo!, publicado também pela Campus/Elsevier.

Porto Alegre

28 de fevereiro, domingo

18h00
Teatro Como dizia o poeta
Texto e direção - Clênio Viégas
Local Livraria Cultura Bourbon Shopping Country

Depois de cinco anos afastados - cinco anos, dois meses e dezesseis dias, pra ser mais exato - Lucas e Julia estão prestes a se reencontrar. Os dois, que tiveram um relacionamento repleto de altos e baixos, aproveitam enquanto o momento não chega para descrever ao público suas impressões um sobre o outro, seus diferentes pontos de vista em relação a sua história de amor e sobre relacionamentos em geral.

* Entrada: 1Kg de alimento não perecível.
** Duração: 70 min.

20 de fevereiro de 2010 (sábado)

14h00 às 16h00
Tema Oficina de Quadrinhos
Docente Jerri Dias e Mateus Santolouco
Local Livraria Cultura Bourbon Shopping Country - Av. Tulio de Rose, 80 - Porto Alegre

A Oficina de Quadrinhos – Projeto Dionísio é parte integrante da criação e publicação da graphic novel Dionísio, com roteiro de Jerri Dias e arte de Mateus Santolouco. Este projeto recebeu financiamento do FUMPROARTE – SMC - Prefeitura Municipal de Porto Alegre. A oficina será ministrada gratuitamente pelo roteirista Jerri Dias e pelo ilustrador Mateus Santolouco com 10 aulas com duração de 2 horas/aula, num total de 20 horas.

* Vagas limitadas - 15 alunos - por ordem de inscrição.
** Inscrições - projetodionisio@hotmail.com
*** Materiais: caderno de anotações, caderno ou folhas para desenho, lápis, borracha e caneta.
**** Faixa etária - a partir de 13 anos.
***** Local: auditório.

Fonte:
Colaboração da Livraria Cultura

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Trova 115 - Francisco Neves Macedo (Natal/RN)

Héron Patrício (Baú de Trovas)


Eu me recuso, tristeza,
a conviver com teu mundo:
- Vida que tem correnteza
não cria lodo no fundo!

Antes um "não " que amargura:
antes um "não" que maltrata,
do que a terrível tortura
do teu silêncio - que mata!

Mesmo sem assinatura,
o bilhete me revela
tanta meiguice e ternura
que eu sei que o bilhete é dela!

Ao criar seu falso drama
o pessimista parece
aranha que tece a trama
e se enreda no que tece!

Fim de amor, sonhos extintos...
Mas a saudade é radar
que atravessa labirintos
e consegue me encontrar!

Se contra tudo ele existe,
entre segredos e esperas,
nosso romance persiste
na volúpia das Quimeras!...

Quando passas ao meu lado,
te acompanha o meu desejo...
- Se a volúpia for pecado,
eu peco quando te vejo!

Nos caminhos do Universo,
eu sou catador de estrelas
e jogo o laço do verso
na esperança de prendê-las.

Trovador, longe da infância,
contando as horas da idade,
rima tempo com distância
e distância com saudade!

Meu salário teve, agora,
um aumento "cavalar"...
já me botaram espora
e aprendi a relinchar!

Uma lágrima, nascendo,
tem a trágica beleza
de gota de luz contendo
toda a essência da tristeza.

Infiéis os meus cabelos!
saudoso o careca chora...
"Dei carinho... tive zelos
mas foram todos embora!"

Ligo o rádio ... Enquanto o sono
entorpece os meu sentidos,
em carícias de abandono
vibra a Rádio em meus ouvidos

A tristeza é uma senhora,
minha velha conhecida,
que me rouba a luz da aurora
e põe noite em minha vida!

Somente para agradar-te
e não ficares sozinha,
a minha alma se reparte
e é mais tua do que minha!

Nó na vida?... - Não me abalo,
desfazê-lo não me cansa,
pois consigo desatá-lo
com dois dedos de esperança!

Uma estrela, no infinito,
é recado que os ateus
recebem, com luz escrito,
sobre a existência de Deus!

Tempo é moinho rangendo
aos ventos da eternidade,
trigais de sonhos moendo
para o meu pão de saudade!

Pela ofensa que machuca,
por mais que me queime e doa,
se meu sangue diz - "Retruca!",
a minha alma diz "Perdoa..."

Com remorsos na bagagem
ou rancor no coração,
briga de amor é viagem
rumo ao Cais da Solidão!

Ao sentir que a solidão
vai comigo, em meu caminho,
tenho a estranha sensação
de que nunca estou sozinho!

Quando a folhagem fenece,
cobrindo o verde de luto,
o outono, em troca, oferece
a recompensa do fruto.

No jardim, junto ao meu quarto,
o silêncio é tão profundo
que se pode ouvir o parto
das rosas chegando ao mundo!

O poeta é um ser aflito,
um eterno insatisfeito,
por ter um mundo infinito
no exíguo espaço do peito!

A neblina, em dias frescos,
descendo em vales sombrios,
aos poucos tece arabescos,
nas brancas margens dos rios...

Fim de amor, sonhos extintos,
mas a saudade é radar
que atravessa labirintos
e consegue me encontrar!

Eu não contei tuas idas
nem minhas voltas confesso..
O que marcou nossas vidas
foi nosso eterno regresso !

Nossos momentos de amor
temos, os dois, que guardá-los;
- No teu palco sou ator
somente nos intervalos...

Fim de chuva.. e a lua cheia,
que no espaço azul flutua
põe diamantes na bateia
da poça d'água da rua!"

Quando eu partir... quem me dera,
rompendo o infinito afora,
encontrar em outra esfera
meu Pouso Alegre de outrora.
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Fonte:
UBT/Juiz de Fora

Héron Patrício (1931)



Héron Patrício, este festejado e extraordinário Trovador, nasceu em Ouro Fino, nas Minas Gerais, a 17 de junho de 1931, filho de Salvador Santos Patrício e Dona Genoveva Cadan Patricio. Era uma criança muito saudável, porém magrinha.; um amigo vaticinou: vai crescer forte, inteligente, e até se tomará gordinho e Poeta - (Mas que trem de mineiro adivínhão, sô!').

O comboio ia correndo entre Ouro Fino e Pouso Alegre... Estávamos na década de 30. A locomotiva espalhafatosa bufava, chiava, apitava nas curvas. E aquele garoto, deslumbrado com a viagem, e com o rosto colado à vidraça do vagão, não compreendia porque naquela terra os postes da energia elétrica, as bananeiras e todas as árvores que margeavam a linha férrea "corriam" em sentido contrário ao do trem... Mas ele "via" que corriam! E para trás foi ficando seu doce chão onde veio ao mundo, seu mundo de brincadeira e de folguedos inocentes... A máquina bufou, chiou, deu um vasto suspiro de alívio, frenou e "solavanqueou" os passageiros. O clã do nosso amigo estava chegando à cidade que escolhera para nova residência. E Pouso Alegre foi mesmo um "pouso alegre" para todos. Foi logo providenciada a escola para o menino, que viria a tomar-se ótimo aluno. Foi nessa linda cidade que Héron começou a participar do movimento poético.

Em 1964 mudou-se para São Paulo, mas sempre dividiu, emocionalmente, sua residência entre a capital paulista e a cidade de Pouso Alegre.

Casado com a Trovadora Yedda Ramos Maia Patricio. Nasceu-lhes a filha Patrícia que já lhes deu os netos Raphael e Daníel.

Funcionário público aposentado, é Contabilista, Professor e Advogado, exercendo, atualmente, a nobre "profissão" de Poeta/trovador.

Além de ter seus trabalhos publicados em Jomais e Revistas do país, particípou de "MEUS IRMÃOS, OS TROVADORES" (Luiz Otávio), CIGARRAS EM DESFILE" (trovas), "GARIMPEIROS DE SONHOS" (Arcádia de Pouso Alegre), "EM PROSA E VERSO" (Academia Pouso Alegrense de Letras, "I Antologia de Trovas" (Livro Arte - SP) etc.

Pertenceu à Arcádia de Pouso Alegre e é membro-fundador da Academia Pousoalegrense de Letras. Desde 1994 é integrante da União Brasileira de Trovadores, Seção de São Paulo, onde ocupa uma více-presidência.

Ocupa a cadeira número 17 da Academia Pousoalegrense de Letras.

Fonte:
UBT/ Juiz de Fora

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Edival Perrini (Poemas Escolhidos)


BATISMO

Fazer-se ao mar
como quem se joga num abraço
e respira.

MAR ABERTO

Por frestas,
toco a luz que se escancara
para além dessas treliças.

Por farpas,
tenho gotas de oceano
e sede, e sede,
e sede.

O SURFISTA

Olhos de águia
olham
sobre o hálito do mar
estrelas que só eles veem.

O corpo abre um talho na água.

Entre vagalhões,
a prancha
é lança e é guerreira.

Soberano,
o surfista
põe-se de pé
e costura a onda
tantas e tantas vezes
que o fio
interminável
é o da linha do horizonte.

Na areia
uma vestal sorri,
e molha-se também.

À MARGEM

havia uma grossa casca,
abacaxi turvo,
sem qualquer possibilidade de fruto

havia palmeiras,
olhares ao mar,
o sol que vinha e que se punha,
e uma trava
sem nenhuma fresta
para ser rompida

MARULHOS

Um sonho feito balão
pressente o rumo do mar,
que chão de mar é molhado
e liso e fofo e alado
como carece ser chão
pra empinar sonho e gente.

Escafandrista de sonho
não diz que mar não dá pé.
Mergulha os olhos na água,
não dá bola pra marola,
ignora sombra e lama,
olha e vê, como vê!

Vê que gaivota é um peixe
que pulou fora do mar.
Daí que olhar seus avanços,
balanços e acrobacias,
traz um ar de nostalgia.
Saudades do vasto mar?

Vê a vida o mareante,
cavalga as algas e areias,
descasca o fruto-mar.
Aí se acendem estrelas,
conchas, polvos e arraias:
há um mar dentro do mar.

Apalpar estas entranhas,
alquimia de sereias,
é reencontrar o menino
que outro dia viu o mar,
e se pôs a perguntar
se o verbo dos princípios
não seria o verbo almar?

DOMICÍLIO

estar na hora exata
como o anzol e o peixe
e alguma brisa

depois
fugir das iscas
e fundar domicílio
num pensamento de mar

PASSAGEM

O alvoroço dos pássaros
diz do bom tempo que se vai.

Dentro de sua sombra
invisível
perece o azul,
último alecrim antes da chuvarada.

VÉSPERAS

No princípio é a luz do verbo.

Dentro da luz,
botão de flor das vésperas,
o verbo.

Dentro do verbo em luz,
a madrugada das palavras.

No princípio é a luz do verbo.

Se me toca,
falo.

VÉRTICE

Homem em pé sobre a canoa
pesca a manhã de cada dia,
noventa graus de poesia.

PROA

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Que venham as tormentas, que venha o que vier,
tenho o sonho comigo, o sonho é meu pastor.

O mundo da aparência não me engolirá.
Conheço bem suas manhas, meu ofício é interior:
girassol que é girassol tem proa pro amanhecer.

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Com ele eu teço o mundo, reinvento a via-láctea.
Mistérios são bem-vindos, o sonho é meu pastor.

Ou eu busco a verdade ou ela não me achará.
Minha verdade, o sonho, é pomar e é brasão.
Seu universo, os versos, fio do sim e do não.

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Encontro nele a luz, meu alimento e cor.
Que escorra a ampulheta, o sonho é meu pastor.
---------

Fontes:
PERRINI, Edival Antonio Lessnau. O Olho das Águas. Curitiba: Ed. Do Autor,
2009.
__________. Armazém de Ecos e Achados, Curitiba: Ed. do Autor, 2001
__________. Pomar de Águas. Curitiba: Kugler Artes Gráficas, 1993.

Bia Zolnier (Livro de Poesias)


TEUS CAMINHOS

Teus caminhos
São tão estranhos...
Inúmeros em quantidade e tamanhos
Me perco nas alamedas estreitas
Tropeço em troncos caídos
Ainda acabo me ferindo nos espinhos
Tão bem escondidos
Das flores com que me enfeitas
Entre sorrisos e carinhos

Teus caminhos
Se perdem em frases feitas
Quando finalmente encontro
O portão de saída

Mas acabo por me deter
Junto aos escombros
Do que foi tua vida
Sutis assombros...

E começo a refazer
O caminho de volta

Algumas coisas escolhemos
Outras...nos escolhem
Teus caminhos
Agora mapeados
Me acolhem...
Compreendo!

O JARDIM DAS FADAS

Vem
Já é madrugada
A cidade mergulha em silêncio sonolento
Barulho só do vento

Vem
Vamos passear no jardim das fadas
Que fica em qualquer lugar
Entre o querer e o acreditar

Vem
Ninguém nos verá flutuar
Entre as roseiras floridas
E por um breve momento
Cairá o véu de seda colorida
Que envolve o coração
Fazendo brilhar
No rosto a paixão

Vem
Sem medo
Vamos descer as escadas
Que levam à fonte
Dos segredos
Vamos atravessar a ponte
Deste improvável paraíso

Vem
Dançar com as fadas
Não se assuste com o riso
São cúmplices silenciosas
Das almas muito amadas
E nos presenteiam com o perfume das rosas

SONHOS

Um dia
Voamos
Nas asas do mesmo sonho
Sem querer
Nos quebramos
Sem querer
Sonhamos
Sem querer
Ainda queremos...

MAPAS DO ACASO

Nossos destinos
São desertos
Separados pelo mar...

Evoluímos
Do nada ao tudo
Num tempo muito rápido
Num desejo ávido
E nos tornamos navegantes incertos
Com medo absurdo
De se afogar

Perdemos a noção da rota marcada
Que revele
O mapa do acaso
Que a vida riscou em nossa pele
Voltamos ao nada
Buscando um tesouro
Escondido em algum lugar
...entre o presente
E o passado

Não é prata nem ouro
É diferente...
Nem sei se ainda pode ser encontrado
No acaso dos mapas
...separados.

PESSOAS-EMBRULHO

Embrulhados em papel-gente
Pouco
Ou muito presente
As pessoas carregam consigo
(Parece louco??)
Um pacote de qualidades
Defeitos
Desejos
Sentidos
...
Alguns tão grandes
Mas tão ausentes
Outros tão escondidos
Sempre
Em lugares indevidos
...
Somos pessoas-embrulho
Empacotadas
Com ou sem barulho
(São as interrogações
Reticências e exclamações
Que se enroscam a todo momento)
Ao menor movimento
Não dá para perceber no mundo real
E no virtual,
Todos os pacotes são pardos!

--

Vânia Moreira Diniz (Hoje é Domingo)


Hoje é domingo e sem querer imagino como foi sempre importante para mim. Acordava ao som de Vinicius de Morais e Jobim que meu pai adorava.Domingo recorda-me o sol de Copacabana, praia, amigos reunidos e alegres bate-papos em minha adolescência.Com era bom acordar tarde, vestir o biquíni correndo, apenas uma pequena toalha em volta da cintura e encontrar a turma na praia e a sedução das águas que sempre amei. Depois de uma conversa animada ficar deitada bem perto do mar e sentir a água fria e estimulante a cobrir o corpo.

Já tarde voltávamos queimados e aquecidos e ouvindo as admoestações de minha mãe sobre horários tardios. Mas não esperávamos muito e já era hora do cinema na Avenida Copacabana e depois a reunião na lanchonete cirandinha cheia de conversas animadas, muitos risadas, o olhar brilhando e franco, os namorados a se beijarem tranqüilos, e os planos animados e sonhos esperançosos.

Hoje é Domingo e vejo a noite estrelada, televisão ligada, movimento da casa inteira, meus irmãos e eu a brigarmos ou brincarmos e a casa cheia e animada. Ah, os Domingos como eram queridos e vertiginosos.

Mais tarde os serões familiares, as histórias fascinantes, todos querendo dar um aparte e os risos das crianças. Meu pai que era kardecista militante sempre ao fim da noite nos reunia para sortear entre os papéis dobrados alguma boa ação que devíamos cumprir durante a semana.

Isso já se passou. Foi há muitos anos passados. Outros domingos tiveram significação diferente dependendo da fase que eu estava vivendo. Mas sempre foram marcantes.

Hoje os Domingos tem outro sentido. E fazendo minhas reflexões, vejo a distância de idéias e sonhos que existe entre aquele tempo e os dias atuais.

Mas ainda ouço o som matutino de Vinicius de Morais e tenho uma nostalgia imensa de minhas águas verdes do mar de Copacabana. Hoje é domingo…

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/
Foto de Marcos Aurélio Alves de Oliveira

Silvane Daminelli (Filmes legendados: um caminho para o ensino da leitura)


RESUMO: É por meio da leitura que o indivíduo verifica suas experiências e valores. Ler é a condição para que o indivíduo saiba posicionar-se, ter opinião própria, ser crítico. No entanto, hoje, o que vemos nos interiores das salas de aula são alunos que não têm nenhum interesse pela leitura. Embora um dos principais objetivos da escola seja ensinar a ler, o que se percebe é que os alunos não conseguem ir além da simples decodificação. A escola enfatiza demasiadamente o ensino da escrita e esquece a leitura. Ensinar a ler exige analisar os aspectos ligados à compreensão, às estratégias e aos procedimentos de leitura. Portanto, é preciso pensar o ensino da leitura sob novas nuances, ou seja, é preciso cruzar as fronteiras e imergir num mundo novo. O uso de filmes legendados como suporte para o ensino da leitura é um caminho.

A todo instante ouve-se falar que vivemos em um país carente de práticas de leitura e de escrita. Essa carência não se refere somente à leitura de letras expressas no papel, refere-se também à leitura de textos através da tela. Segundo Chartier (2002), no mundo digital, “(...) todos os textos, sejam eles quais forem, são entregues à leitura num mesmo suporte (...). É assim criada uma continuidade que não mais distingue os diferentes gêneros ou repertórios textuais que se tornaram semelhantes em sua aparência e equivalentes em suas autoridades” (2002, p. 109). O aluno, hoje, é fruto da cultura visual e a todo instante se depara com imagens fantásticas, enquanto tudo acontece numa velocidade incrível, pois ele está cercado por imagens. Deixando de lado o computador, porque a maioria dos alunos brasileiros ainda não tem acesso a ele, os meios de comunicação se utilizam de uma linguagem carregada de estímulo visual.

Para os brasileiros, ler não é uma prática habitual, infelizmente. Geralmente a leitura ocorre nas escolas, no entanto não como um ato espontâneo, mas obrigatório, pois o foco normalmente está voltado a uma atividade posterior. É lamentável que este ato não se estenda aos lares destes alunos, o exemplo de casa com raras exceções existe. Se não bastasse o problema mencionado, ainda é preciso admitir que essa leitura escolar está distanciada da realidade das experiências pessoais. Por essa razão, ao chegar à vida adulta, o indivíduo esqueceu há tempos o gosto pela leitura. Partindo dessa constatação, poder-se-ia afirmar que há a possibilidade disso vir a repetir-se de pai para filho ou até mesmo da escola para o aluno. Nem precisamos ir tão longe; basta observar um aluno do ensino médio. O desinteresse pela leitura é tanto, que assusta. Para ler é preciso gostar de ler. É claro que quando não é fomentada esta prática, quando não há exemplos dos principais parâmetros referencias citados anteriormente, quando a leitura não é ensinada, raramente tem-se um leitor assíduo e interessado em aprender através da mesma.

São muitos os aspectos responsáveis pelo desinteresse à leitura. Talvez o maior e mais significativo seja o próprio sistema escolar. Segundo Paulo Freire (1988), há um abismo infindável entre o que é lido nas escolas e o mundo das experiências de cada indivíduo. Assim, ao estudante, resta a obrigação de ler o que lhe é exigido, ou melhor, decodificar mera e simplesmente. A vontade pessoal, o gosto de cada um pouco importa. Essa situação aos poucos tem dado mostras de mudanças, apesar da lentidão e dos questionáveis interesses daqueles que por uma razão ou outra não desejam ver um país de cidadãos opinativos e críticos.

Como a escola é a entidade responsável pelo ensino da leitura, cabe-lhe refletir e redirecionar sua postura diante dessa prática que pode, dependendo de como for conduzida, transformar o aluno num leitor competente ou distanciá-lo de qualquer leitura. Segundo Solé (1998, p.11), “cabe à escola, ainda, destacar a reflexão de fundo sobre os objetivos do ensino e aprendizagem da leitura e o esforço para situá-los no contexto mais amplo das funções que a escola deve desempenhar na sociedade atual”.

Ler é a condição para que o indivíduo saiba posicionar-se, ter opinião própria, ser crítico. Porém, é lamentável o fato de que a grande maioria das escolas brasileiras não tem dispensado à leitura tal tratamento; ao contrário: os alunos, quase que na totalidade, não gostam de ler, não se sentem atraídos pela leitura e, quando lêem, é meramente para cumprir exigências de alguma disciplina. O ato é mecânico, não-crítico, é simplesmente decodificação de letras, pois se assimila a aquisição e o ensino da leitura à aquisição e o ensino do código e se restringe àquilo que a leitura envolve e que supera as habilidades de decodificação. Conforme Solé (1998), falta à escola analisar os aspectos ligados à compreensão e às estratégias de leitura. Partindo desse pressuposto, é necessário reconhecer que a leitura e escrita são procedimentos e que, portanto, devem ser ensinados. Procedimento, segundo Coll (1987 apud SOLÉ, 1998, p. 68) geralmente também chamado de regra, técnica, método, destreza ou habilidade; é um conjunto de ações ordenadas e finalizadas, isto é, dirigidas à consecução de uma meta. A aprendizagem da leitura, como toda aprendizagem de um conhecimento, requer, como condição necessária, sua demonstração. E isso pode ser feito a partir do ensino das estratégias de leitura. Ensinar tais estratégias possibilita formar leitores capazes de aprender a partir dos textos.

Aprender a partir dos textos implica afirmar que ler é construir significado do texto. Para Leffa (1996, p.15) “compreensão não é um produto final, acabado, mas um processo que se desenvolve no momento em que a leitura é realizada” O enfoque está voltado à análise de como essa compreensão se dá, de que estratégias o leitor se utilizou para atribuir significado ao texto. Ainda conforme o autor, para se entender o processo de leitura é necessário considerar então o papel da leitura, o papel do texto e o processo de interação entre leitor e texto.

Desta forma, é pertinente ter claro o conceito de leitura e a necessidade de a mesma ser ensinada para que seja compreendida como parte de um processo mais amplo e, principalmente, ser reconhecida como uma atividade cognitiva por excelência, onde os leitores fluentes descrevem a leitura como um meio de obtenção de significados através do uso de estratégias adequadas.

Kleiman (2004) define leitura como um conjunto de habilidades que envolvem aspectos lingüísticos e psicológicos. Essa habilidade se refere à capacidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos de forma competente, ou seja, fazer uso da linguagem em diferentes situações que envolvem a comunicação.

Usar a leitura de forma competente significa, também, perceber que ler é uma atividade individual que se entrelaça a experiências interpessoais. Ou seja: a leitura é considerada um ato individual, porque submete o leitor a um processo pessoal e particular de processamento dos sentidos do texto. O sentido de um texto não está unicamente no texto ou no leitor desse texto, ele está presente nos dois: leitor e texto; assim a leitura é também uma atividade interpessoal.

Considerar tais aspectos é, sem dúvida, colocar em prática o letramento, cujo princípio básico, como já foi afirmado no texto anterior, é considerar a idéia de que não há como falar em leitura sem falar em letramento e vice-versa.

Saber ler com competência proporciona ao indivíduo, no que se refere ao seu desenvolvimento pessoal, subsídios para que desempenhe o seu papel no meio social em que vive. Outro grande benefício da leitura, e talvez o mais importante, é o poder de transformação que ela exerce sobre o ser humano. Através dela é possível aprimorar o conhecimento e desenvolver o senso crítico. É possível, ainda, interagir e compreender o mundo. A leitura fomenta o processo de desenvolvimento do indivíduo e proporciona, como apontam estudos neste campo, melhoria da condição social e humana. À medida que os conhecimentos se ampliam via leitura, o indivíduo amplia, aos poucos, a própria produção cultural e, em conseqüência, a da humanidade. Para que isso ocorra de fato, é necessário que a escola redimensione seus objetivos.

Um dos objetivos mais importantes da escola é ensinar a ler e escrever. O problema reside no fato de muitos educadores/escola enfatizarem demasiadamente o ensino da escrita e esquecerem a leitura. A esse respeito Cagliari (1991, p.167) afirma:

A escola exige muito mais do aluno com relação à escrita do que à leitura. Isso se deve ao fato de a escola saber avaliar mais facilmente os acertos e erros de escrita e não saber muito bem o que o aluno faz quando lê, sobretudo quando ele lê em silêncio. E a escola tem a mania de querer controlar tudo. O privilégio da escrita sobre a leitura na escola se deve a essa maior facilidade de avaliação.

É mister lembrar que a aquisição da escrita é parte fundamental do processo de aprendizagem, assim a leitura é, por sua vez, forma de interpretação da escrita e consiste em traduzir os símbolos escritos em fala. Porém, ler é tão importante quanto escrever. Como vemos, é pertinente uma mudança de atitude em relação ao que aqui foi apontado, pois a leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. É através dela que a escrita atinge seu objetivo.

Cagliari (1998) relata ainda que, na escola, a leitura serve não só para se aprender a ler, mas para aprender outras coisas lendo. Desta forma, a leitura ocupa lugar privilegiado na sala de aula e deve ser encarada como um processo de interação entre leitor e texto. Entretanto, segundo Kleiman (2004, p. 08) “poucos professores ensinam a criança a ouvir o autor nessa interação”. O que se vê, na maioria das vezes, é a ênfase ao estudo de elementos formais presentes nos textos.

Atualmente, o termo leitura parece estar relacionado simplesmente à decodificação da forma escrita. Mas decodificar não basta, é necessário interpretar o que se lê.

Todos sabemos que o bom leitor hoje é aquele que ao ler ativa as estratégias de leitura e que gosta de ler. Porém, é preciso lembrar que nem todo leitor proficiente é um bom leitor. Equivocadamente alguns autores consideram proficiente aquele indivíduo que lê um determinado número de palavras por minuto, se o assunto lhe for familiar. Considera-se leitor proficiente aquele indivíduo que consegue estabelecer uma relação, como já foi dito, de interação, ou seja, estabelecer um diálogo mútuo entre leitor e autor na construção do sentido daquilo que é lido. Portanto, ler um determinado número de palavras por minutos não classifica um leitor como proficiente.

Sabemos, ainda, que muitos alunos não gostam de ler não somente porque desconhecem as estratégias de leitura ou porque apresentam baixo nível de letramento e pouca proficiência, mas também por ignorar-se o fato de que, antes de tomar contato com o mundo da escrita, ou seja, antes de ir para a escola, o aluno já interage com representações do mundo. Freire (2004), afirma que antes de ler as palavras o indivíduo é capaz de ler o mundo. Assim, antes da escolarização, não só se lê o mundo como se escreve o mundo, ainda que não com a utilização do código valorizado pela escola.

Com base naquilo que é proposto por Paulo Freire (2004), é necessário repensar o posicionamento teórico da escola sobre a leitura e a escrita. Uma vez que o aluno, ao chegar à escola, traz o conhecimento de um mundo que ele já aprendeu a ler e escrever, é fundamental que seja desenvolvido nele a capacidade de interpretar o que ele lê e, conseqüentemente, possibilitar uma leitura de mundo muito mais ampla daquela oferecida hoje pela escola. Professor e escola não podem mais seguir ignorando o fato de que antes mesmo de o aluno chegar até a escola ele já mantinha contato com diversas representações do mundo. Talvez esta postura seja mais um dos muitos fatores que tenham afastado o aluno da leitura, ou seja, ignorar esta realidade pode contribuir para que os alunos se mostrem cada vez mais desinteressados.

Ler apenas como forma de decifrar os sentidos dos signos é automatismo. E ler como obrigação resulta em um ato desagradável, contudo a importância da leitura é tanta que mesmo assim, segundo Rangel (1990, p. 11), “agradável ou não, prazerosa ou não, confortável ou não, é necessária, indispensável, quando se trata de aprendizagem”. Para a referida autora, ler é uma prática básica, essencial para aprender. Portanto, para que esse ato seja mais frutífero e compensador, é necessário que pais, professores e escola se unam com um objetivo só: inserir naturalmente no cotidiano do aluno o gosto pela leitura, evitando que esta seja encarada como obrigação. E ainda, é necessário ensinar a ler, isto é, ensinar ao leitor a fazer uso de estratégias de leitura. Se há, como foi afirmado anteriormente, uma recusa tão grande por parte do aluno àquilo que se refere à leitura, há que se considerar que isso não ocorre de graça. Desprezamos aquilo que a nós se apresenta não só desinteressante, mas e principalmente aquilo que não entendemos, ou seja, que não aprendemos.

Arthur Schopenhauer, em 1850, já dizia em sua obra Über Lesen Und Bücher que quando se lê continuamente sem pensar depois no que foi lido, a coisa não enraíza. Podemos concluir a partir da afirmação de Schopenhauer que ler simplesmente por ler não acrescenta muito à vida do aluno. Se o leitor deseja se apropriar do que está lendo, é necessário ler com olhos voltados à interpretação, à compreensão, à inferência, ao diálogo, à interação com o texto e com o autor.

A prática de leitura deve ter por finalidade a preparação de leitores capazes de não só viver em sociedade, mas leitores capazes de modificar a sociedade que fazem parte. Para isso, é necessário que o aluno seja não somente um leitor, mas um leitor crítico, capaz de perceber o caráter social do ato de ler, pois, no momento da leitura, trocam-se valores que não pertencem somente ao leitor, nem ao autor do texto lido, mas a todo um conjunto sociocultural.

Hoje, um dos grandes desafios aos educadores, no meio escolar, é o de levar o aluno a interessar-se pela leitura. A leitura na escola não pode se limitar a um ou dois tipos de texto. Por isso, é importante promover situações que desenvolvam no aluno o gosto pela leitura, que tornem o ato de ler algo prazeroso, com sabor de “quero mais”. Para que isso aconteça talvez seja necessário sair daquilo que é tão convencional e adotar novas abordagens à prática da leitura.

Uma sugestão seria cruzar as fronteiras do que permeia a leitura e entrar num mundo novo: o uso de filmes legendados como suporte para o ensino da leitura. Assim, ao aluno será oferecida a possibilidade de melhorar sua capacidade leitora e conseqüentemente não ser mais um analfabeto funcional. Para tanto, é preciso pensar o ensino da leitura sob novas nuances, ou seja: entender que recursos como filmes legendados são capazes de promover a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura. É preciso principalmente entender que a leitura é fundamental aos processos de aprendizagem complexos, que envolvem construtos teóricos abstratos e que estão presentes nas instituições escolares. O seu ensino é a extensão da escola na vida das pessoas. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a leitura (Cagliari, 1991).

Uma das grandes preocupações dos educadores em nossa sociedade hoje é em relação à formação de uma cultura de leitura, voltada ao aluno. Porém, em muitas situações, o próprio professor apresenta-se despreparado, incapaz de formar outros leitores tanto pela carência de formação profissional para a docência quanto pelo baixo nível do próprio letramento. A esse respeito, Kleiman (2004, p.8) afirma:

O professor visto como modelo ideal a ser imitado pela criança na resolução de tarefas cognitivas complexas que estão além da capacidade real da criança é uma figura que nessa perspectiva não se faz presente na escola.

Embora tal problemática seja uma realidade, seria difícil defender que o aluno é incapaz de aprender ou que as dificuldades são decorrentes de carências individuais. Se este dispusesse de orientação adequada por parte do professor, possivelmente resolveria tarefas exigidas pela escola de forma mais eficaz e coerente. Todos sabemos que a leitura proporciona ao aluno o sucesso no desempenho de suas atividades.

Observando o contexto escolar e o que a literatura há muito vem apontando, o que se percebe é que, embora as escalas de letramento indiquem um avanço nos últimos anos, o ensino da leitura ainda se apresenta frágil, e isso tem gerado muita discussão e reflexão. Os índices de leitura, no país, são baixíssimos. Dados obtidos através da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2008), realizada pelo Instituto Pró-Livro, revelam que 77 milhões de brasileiros, o que corresponde a 45% da população do país, não têm o costume de ler. Essa informação explica porque somente 26% da população dominam as habilidades de leitura, ou seja, possuem nível de letramento pleno.

É neste momento que a figura do professor se torna importantíssima. Como sabemos, para que as práticas de leitura no contexto escolar se efetivem de fato, é necessário que o professor seja o intermediário entre ensino e aprendizagem. Cabe-lhe, e é imprescindível, criar diferentes meios para aproximar aluno e leitura. Tarefa, em princípio, não muito fácil, mas possível. Mesmo ciente da importância da leitura em sua vida, o aluno em geral não gosta de ler e, quando o faz, é por obrigação. Souza (2004) em sua tese de doutorado constatou que o desempenho em leitura demonstrado pelo grupo de estudantes que participou da pesquisa ficou aquém do esperado para o nível de escolarização em que se encontravam.

O objetivo deste artigo é sugerir o uso de filmes legendados como meio para promover o ensino da leitura. No entanto, para que isso ocorra de fato, alguns aspectos como proximidade, familiaridade e afetividade devem ser levados em conta, uma vez que estes estão ligados à produtividade. Desta forma, ao aluno será oportunizado o pleno desenvolvimento das habilidades de leitura, assim ele será capaz de avaliar as possíveis e diversas abordagens de um texto, conforme os fatores intervenientes: natureza do texto, propósito da leitura, contexto, entre outros.

Partindo desse pressuposto, é necessário reconhecer a importância do vídeo e a TV em sala de aula. Se no passado chegaram a ser vistos como ameaça ao letramento, pois se acreditava que os mesmos ocupavam um tempo que poderia ser gasto com leituras e estudos, hoje, entretanto, passaram a ser interpretados de outra forma. Segundo Spanos e Smith (1990), atualmente a crença de que o vídeo e a TV são instrumentos pedagógicos eficazes está difundida nas mais diversas áreas. A utilização da televisão e do vídeo, na escola, são recursos que possibilitam um ambiente de aprendizagem mais contextualizado e significativo (PCNs, 1998).

A abrangência de meios eletrônicos, em particular a TV e o vídeo, deve-se à capacidade de articulação, de superposição e de combinação de linguagens, imagens, falas, músicas e escritas diferentes. Num olhar distante tudo parece igual, mas ao olhar mais de perto, por trás da fórmula conhecida, há mil nuances que introduzem variantes adaptadoras e diferenciadas. A força da linguagem audiovisual está em dizer muito mais do que captamos (MORAN, 2006).

O amplo acesso e a familiaridade com a TV e o vídeo são ótimos recursos para mobilizar os alunos quando se pretende ensinar sob novas perspectivas. Assim, ensinar leitura utilizando estes recursos abre a possibilidade de oferecer ao aluno uma proposta de ensino que tem como princípio a motivação e envolvimento com a atividade, pelo caráter lúdico, pela multiplicidade de linguagens coexistentes que possibilitam/facilitam a compreensão, pelo apelo sensorial.

O uso de filmes legendados no ensino de língua materna ainda é algo novo. Daí a importância em apresentar esta prática não só no ensino de língua estrangeira (LE), mas, e principalmente, no ensino da língua materna, principalmente por ser uma proposta inovadora. Um exemplo disso é o texto que chega ao aluno através da legenda. Se o recurso existe, por que não utilizá-lo em benefício do aluno? Garcez (2005, p.108) afirma que

Nesta perspectiva deve-se focalizar o caso específico do uso do audiovisual pelo professor de língua portuguesa como forma de delinear algumas propostas de trabalho na escola. Em princípio qualquer material audiovisual pode ser considerado um texto e presta-se ao trabalho com a língua portuguesa, já que permite a leitura.

Sendo assim, é preciso inovar, ou melhor, usar o velho atrelado a novas dimensões, isto é, usar filmes legendados direcionados ao ensino da língua materna, mais especificamente à prática da leitura. Se o aluno demonstrou interesse pela linguagem do cinema, fará a leitura da legenda. Portanto, o uso de filmes legendados, quando bem utilizados, é capaz de promover a leitura, possibilitando ainda melhorar a habilidade leitora e amenizar o baixo nível de letramento apresentado pelos alunos.

Nesta concepção, o uso de filmes legendados como meio para ensinar leitura parte do princípio da motivação, do envolvimento. Ou seja: é fundamental pensar o ensino da leitura a partir do uso de novas ferramentas, recorrendo a estímulos audiovisuais, levando em conta a crescente proliferação destes recursos e a disponibilidade/presença dos mesmos nas escolas.

Fonte:
Revista Litteris. número 3, novembro 2009.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Jorge Luís Borges (O Guardião dos Livros)



Ai estão os jardins, os templos e a justificação dos templos,
A exata música e as exatas palavras,
Os sessenta e quatro hexagramas,
Os ritos que são a única sabedoria
Que outorga o Firmamento aos homens,
O decoro daquele imperador
Cuja serenidade foi refletida pelo mundo, seu espelho,
De sorte que os campos davam seus frutos
E as torrentes respeitavam suas margens,
O unicórnio ferido que regressa para marcar o fim,
As secretas leis eternas,
O concerto do orbe;
Essas coisas ou sua memória estão nos livros
Que custodio na torre.

Os tártaros vieram do Norte
em crinados potros pequenos;
Aniquilaram os exércitos
Que o Filho do Céu mandou para castigar sua impiedade,
Ergueram pirâmides de fogo e cortaram gargantas,
Mataram o perverso e o justo,
Mataram o escravo acorrentado que vigia a porta,
Usaram e esqueceram as mulheres
E seguiram para o Sul,
Inocentes como animais de presa,
Cruéis como facas.

Na aurora dúbia
O pai de meu pai salvou os livros.
Aqui estão na torre onde jazo,
Recordando os dias que foram de outros,
Os alheios e antigos.

Em meus olhos não há dias. As prateleiras
Estão muito altas e não as alcançam meus anos.
Léguas de pó e sonho cercam a torre.
Por que enganar-me?
A verdade é que nunca soube ler,
Mas me consolo pensando
Que o imaginado e o passado já são o mesmo
Para um homem que foi
E que contempla o que foi a cidade
E agora volta a ser o deserto.
Que me impede sonhar que alguma vez
Decifrei a sabedoria
E desenhei com aplicada mão os sí­mbolos?
Meu nome é Hsiang. Sou o que custodia os livros,
Que talvez sejam os últimos,
Porque nada sabemos do Império
E do Filho do Céu.
Aí­ estão nas altas estantes,
A um tempo próximos e distantes;
Secretos e visí­veis como os astros.
Aí­ estão os jardins, os templos.
---------
Fonte:
BORGES, Jorge Luíz . Elogio da Sombra (Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques).

Cristina Arraes Moreira (Reflexões Após Leitura)


Acabo de reler o livro “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, onde se encontra muitas reflexões que são inerentes ao ser humano. Ali se pode ter a oportunidade de ver retratado as preocupações com a beleza, em contraponto com nossa própria essência. Opções de vida, decisões que podem transformar nossa realidade também é ali apresentado de forma cativante e real.

Começo pela preocupação por uma beleza, muito menos desejada e muito mais imposta por um mundo, cuja população tem necessidade de modelos para se tornarem semelhantes. Mas o que é esta perfeição física, sem um espírito que a anime e a faça presente e participante?

Se pudéssemos separar a alma do corpo, como se fossem dois, o que seria um disparate, com qual parte gostaríamos de ficar? Optando pela alma, tenho o corpo físico junto porque ela é a verdadeira essência de ser. Mas o que acontece se, como o autor descreve, tem-se um desejo profundo de se tornar eternamente jovem, sem que as experiências da vida tenham qualquer sinal no que as pessoas podem ver.

Realmente fiquei muito pensativa, perdida nestas reflexões. Olho-me ao espelho e posso vislumbrar uma vida toda, de amores e decepções, tristezas, alegrias, dúvidas, realizações, tudo enfim que me fez ser o que sou hoje.

Lembro então do personagem desta obra, que fez a opção de não ver exteriorizado todo este caminho, sua verdadeira história. O autor consegue transmitir o completo vazio que se apodera do ser humano, ao se ver separado de suas emoções.

O mundo ocidental apresenta uma super valorização da juventude, sua disponibilidade, seu frescor, sua forma de sonhar e buscar seus projetos. As “não marcas” em seu corpo por uma história que apenas se inicia. Tudo isto é perfeito, na hora certa, no momento certo. Mas tentar eternizar esta condição, seria loucura, um desmando em relação à própria natureza.

História... A minha história, a sua história... Quantas coisas se perderiam se não houvesse um registro de fatos e emoções. E que são estes registros? Marcas que o tempo coloca em nosso corpo, mapa de uma existência que é dádiva e que se deve preservar. O personagem, provavelmente se olhava no espelho e deveria sentir o vazio de sua aparência, sua identidade se tornava algo irreconhecível, perdido no desejo da vaidade.

Gosto de minha vida, gosto de minha história, gosto de minhas experiências, gosto de me olhar e sentir que realmente vivi, que fiz diferença neste mundo, para mim, para os que encontrei, para os que amo. Não renuncio a isto por uma bonita imagem que o mundo anseia por impor. Que venha a maturidade, com suas transformações físicas, emocionais, espirituais, presentes de anos de vivência, ricos de tentativas, sucessos, derrotas.

Para tudo há o seu momento e, infeliz daquele que ousar modificar a ordem natural das coisas. Como é bom, como é gratificante ir conhecendo, aos poucos, tudo que se adquire com os anos que passam. Melhor ainda chegar à compreensão de que, por mais que se estude, mais teremos a aprender. A constatação de que a vida é um livro que não tem fim. A morte vem e interrompe o simples passar das páginas. Fica o enredo, fica a história, que servirá para outros continuarem.

Mate-se os sinais da própria vida, mate-se as emoções retratadas nas mãos, nos olhos, no corpo e há que se ter a morte que se precipita, chega-se ao fim, prematuramente.

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/

Cristina Arraes Moreira


Maria Cristina Moreira Safadi nasceu no dia 14 dezembro, no Rio de Janeiro e viveu no bairro de Copacabana sua infância e adolescência. Sua casa, onde morava com mais sete irmãos e seus pais, é fonte constante de inspiração para seus escritos.

Em criança, de temperamento mais caseiro, passou a conhecer o prazer da leitura na biblioteca de seu pai, e costumava permanecer lá, durante muito tempo. É desta época também, o hábito de escrever. Tudo isto lhe fornecia um mundo cheio de atrações, liberdade e amor à vida.

Estudou em colégio católico, onde aprendeu a conhecer o amor a Deus e o carinho de Nossa Senhora, a quem sempre recorre e por quem se sente acolhida. Sua fé é parte central de sua vida, do que escreve e a guiou na criação de seus três filhos. O mais novo, Daniel, também é colunista.

Formou-se em Estatística e exerce a profissão no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Paralelamente a isto, desenvolve textos neste site tão querido criado por sua irmã, Vânia Moreira Diniz, que sempre foi sua grande incentivadora.

Além de sua profissão inicial, gosta de informática, teologia, sociologia e filosofia. Faz curso na Escola Mater Ecclesiae – Escola de fé e catequese. Fez alguns cursos também na área de informática. Fez curso lato Sensu em orientação educacional, na Faculdade Pedro II, onde desenvolveu uma monografia com o tema ‘Exclusão Social do Idoso’. Interessa-se também por estudos na área de gênero e Meio Ambiente.

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/

Direitos Autorais (Esclarecendo Dúvidas)


Posso usar trechos de textos de outros autores para compor um texto meu?
Trechos de textos de outros autores podem ser usados desde que citada a fonte, dentro das normas da ABNT. Nesse caso, é necessário intercalar as citações com textos de sua autoria e com textos de mais de um autor.
Se você usar um mesmo autor muitas vezes ou trechos muito longos e sem intercalar com outros autores e com textos seus, isso é considerado plágio.

Posso modificar textos de outros autores?
Você pode parafrasear os autores, ou seja, escrever o texto do autor com as suas palavras. Mesmo assim, é necessário referenciar o autor original.

Ao usar trechos de obras, quanto da obra posso usar?
Um trecho da obra devidamente referenciado pode ser utilizado desde que não ultrapasse a 30% do conteúdo da obra completa, o que nem sempre satisfaz às necessidades da publicação.

O que é considerado obra completa?
São exemplos de obras completas:
- Livros
- Pinturas
- Fotografias
- Poemas
- Letras de músicas
- Melodias de músicas
- Filmes
- Charges
- Tiras (quadrinhos)
- Histórias em quadrinhos
- Roteiros
- Caricaturas

Para usar uma obra completa em produção própria basta citar a fonte?
A simples indicação da fonte não garante a possibilidade de utilizar uma obra completa. Não há impeditivos legais para usar qualquer obra para fins didáticos em sala de aula. Entretanto, para materiais que serão publicados, a utilização de obras completas precisa ser autorizada pelos autores/editoras/detentores dos direitos autorais e, quando se trata de adaptação, o autor/editora/detentor dos direitos autorais também precisa autorizá-la por meio de um contrato de cessão de direitos autorais.

Posso traduzir, adaptar e usar livremente obras completas em línguas estrangeiras?
Cada tradução de uma obra, que está ou não em domínio público, é considerada uma obra nova e o tradutor tem direitos autorais sobre ela. Entretanto, é necessário pedir autorização do autor da obra original, por meio de um contrato, para publicar a tradução. Observe-se que há obras escritas em uma língua estrangeira (Inglês, por exemplo) cuja obra original foi escrita em outra língua estrangeira (Francês, por exemplo).

Como identifico uma obra em domínio público?
Para identificar uma obra em domínio público é necessário pesquisar se o autor faleceu há mais de 70 anos e se os seus descendentes não requereram direitos autorais sobre a obra. Nesse caso, a obra pode ser usada em novas publicações sem problema algum. Caso os herdeiros tenham reivindicado os direitos autorais, a obra só cairá em domínio público após 140 anos da morte do autor. O autor e a fonte sempre devem ser indicados.

Quando devo pedir autorização ao autor de uma obra para republicá-la na minha produção?
Quando a intenção é usar parte significativa da obra, ou a obra completa, é necessário pedir autorização:
- Do autor, se estiver vivo.
- Dos herdeiros legais, se o autor faleceu há menos de 70 anos.
- Dos herdeiros legais, se o autor faleceu há mais de 70 e menos de 140 anos e os herdeiros reivindicaram legalmente os direitos sobre a obra.
- Da editora, caso tenha direitos patrimoniais sobre a obra.

Posso usar, em uma publicação, imagens/fotografias em que as pessoas podem ser identificadas?
Quando há concordância das pessoas que aparecem na imagem, essas podem ser usadas, mesmo assim, é necessário um contrato. Quando as imagens são de crianças, é necessária a autorização dos responsáveis. Outra possibilidade seria desfocar a imagem de modo a não permitir a identificação das pessoas.

Fonte:
Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Imagem = http://www.plural.com.br/

Jamil Snege (Para matar um grande amor)


Muito se louvou a arte do encontro, mas poucos louvaram a arte do adeus. No entanto, não há gesto tão profundamente humano quanto uma despedida. É aquele momento em que renunciamos não apenas à pessoa amada, mas a nós mesmos, ao mundo, ao universo inteiro. O amor relativiza; a renúncia absolutiza. E não há sentimento mais absoluto do que a solidão em que somos lançados após o derradeiro abraço, o último e desesperado entrelaçar de mãos.

Arrisco mesmo a dizer: só os amores verdadeiros se acabam. Os que sobrevivem, incrustados no hábito de se amar, podem durar uma vida inteira e podem até ser chamados de amor mas nunca foram ou serão um amor verdadeiro. Falta-lhes exatamente o dom da finitude, abrupta e intempestiva. Qualidade só encontrável nos amores que infundem medo e temor de destruição. Não se vive o amor; sofre-se o amor. Sofre-se a ansiedade de não poder retê-lo, porque nossas cordas afetivas são muito frágeis para mantê-lo retido e domesticado como um animal de estimação. Ele é xucro e bravio e nos despedaça a cada embate e por fim se extingue e nos extingue com ele. Aponta numa única direção: o rompimento. Pois só conseguiremos suportá-lo se ocultarmos de nossos sentidos o objeto dessa desvairada paixão.

Mas não se pense que esse é um gesto de covardia. O grande amor exige isso. O rompimento é sua parte complementar. Uma maneira astuciosa de suspender a tragédia, ditada pelo instinto de sobrevivência de cada um dos amantes. Morrer um pouco para se continuar vivendo. E poder usufruir daquele momento mágico, embebido de ternura, em que a voz falseia, as mãos se abandonam e cada qual vê o outro se afastar como se através de uma cortina líquida ou de um vitral embaçado.

Há todo um imaginário sobre os adeuses e as separações, construído pela literatura e pelo cinema. O cenário pode ser uma estação de trem, um aeroporto (remember Casablanca), um entroncamento rodoviário. Pode ser uma praça ou uma praia deserta. Falésias ou ruínas de uma cidade perdida. Pode estar garoando ou nevando, mas vento é imprescindível. As nuvens devem revolutear no horizonte, como a sugerir a volubilidade do destino. Os cabelos da amada, longos e escuros, fustigam de leve seus lábios entreabertos. Há sutis crispações, um discreto arfar de seios. E os olhos, ah!, os olhos... A visão é o último e o mais frágil dos sentidos que ainda nos une ao que acabamos de perder.

Uma grande dor, uma solidão cósmica, um imenso sentimento de desterro. Que se curam algum tempo depois com um amor vulgar, desses feitos para durar uma vida inteira...

Fonte:
http://raulpough.blogspot.com/

Herman Hesse (O jogo das contas de vidro)



Sinopse

Último romance escrito por Hermann Hesse, publicado em 1943, 'O Jogo das Contas de Vidro' descreve uma comunidade mítica, no ano 2200, onde as regras, a linguagem figurada e a gramática do jogo representam uma espécie de linguagem oculta, altamente evoluída, de que participam várias ciências e artes, especialmente a Matemática e a Música (ou seja, a musicologia). Essa linguagem tem a possibilidade de expor o conteúdo e os resultados de quase todas as ciências e de relacioná-los entre si.

O livro propriamente dito divide-se em três partes. A primeira é um curto estudo histórico sobre o jogo que dá nome à obra, também conhecido por Jogo de Avelórios, uma atividade lúdica e intelectual fictícia, à qual muitos sábios e acadêmicos da também fictícia comunidade de Castália se dedicam profissionalmente em um futuro distante (não há menção direta à datas na narrativa, mas a contra-capa da edição diz que a ação principal se passa no século XXIII; isso não faz do livro uma história de ficção científica, no entanto).

O próprio tema do jogo também é recorrente na maior parte do livro, e em geral ele parece servir de metáfora para a idéia do saber acadêmico e da erudição vazias, que são um fim em si mesmos e pouco ou nada devolvem à sociedade pelo tempo e recursos que consomem; eu, no entanto, acabei por fazer uma relação um tanto diferente a seu respeito. Pela nata profissional intelectualizada que o pratica, pela trabalhosa forma de preparo das partidas, com extensas pesquisas de referências e temas acadêmicos, e pela sua natureza pretensamente artística, me ocorreu em algum momento da leitura que o tal Jogo de Avelórios tem muito comum com a visão intelectulizada que alguns jogadores parecem ter do RPG; e, assim, muito dos avisos e decadências por que o jogo passa no decorrer da sua história, com o crescente afastamento do povo comum e a sua restrição a uma comunidade cada vez mais isolada e distante de jogadores, me pareceram ser bastante relevantes também para o RPG, se esse tipo de visão se tornar predominante. Mas isso já é outra história.

A segunda parte do livro, a mais extensa e que constitui o corpo principal da narrativa, trata de uma biografia fictícia de José Servo, uma virtuose no jogo desde a infância, que em dado momento da sua vida recebe o cargo de Magister Ludi, ou Mestre do Jogo de Avelórios, o mais alto título dado a um jogador, que tem por função coordenar e regular a prática do jogo. Os detalhes da sua vida são destrinchados desde a infãncia, com a entrada no universo acadêmico, passando pela sua descoberta e envolvimento com o jogo, e também pelo conflitos e discussões com duas figuras em especial - um colega de fora do universo acadêmico e um historiador beneditino que conhece durante um seminário que ministra sobre o jogo em uma abadia. A estes confrontos, entre outros tantos, é dado bastante importância na narrativa, pois é a partir deles Servo que se faz os principais questionamentos e reflexões a respeito do papel que ele e toda a comunidade acadêmica onde vive desempenha na sua sociedade, e sobre a função do saber e do cultivo do espírito, o que gradualmente vai se tornando no mote principal da história; por isso tudo, é certamente um livro bastante interessante e reflexivo para qualquer um com algum tipo de aspiração dentro deste universo da Academia, uma vez que não é difícil cair neste tipo de questionamento e dúvida. Eu sei que eu já passei bastante por isso, e ainda me pego muitos vezes pensando e refletindo sobre esse tipo de questão.

A segunda parte, enfim, acaba com a morte abrupta e um tanto inesperada do protagonista, o que também não é nenhum spoiler, já que é um fim anunciado desde bastante cedo na narrativa, além de esperado da maioria das biografias. Quem espera o fim da leitura, no entanto, se deparará então com aquela que é, talvez, a melhor e mais envolvente parte do livro, na centena de páginas final: as obras póstumas de José Servo. Constituem as tais obras alguns poemas atribuídos a ele, e, principalmente, três contos que fecham definitivamente a narrativa. A partir de três personagens bastante diversos - um xamã primitivo, um ermitão cristão e um príncipe indiano -, ele explora de forma mais sucinta e direta os temas que haviam composto o livro até então, com habilidade e clareza bastante nítidos e evidentes, e um resultado bastante cativante e espirituoso.

Resumo da narrativa:

Joseph Knecht é um estudante bastante dotado que foi «descoberto» e recrutado pelo Mestre da Música da Ordem de Castália, uma sociedade quase monástica onde se cultiva o estudo de todas as ciências e artes, sem lugar para a história e temas relacionados com a sociedade, sendo uma referência da nação e servidor de professores nas disciplinas mais puras e sublimes, tais como a matemática e a música. A jóia da coroa de Castália é o Jogo das Contas de Vidro, que consiste numa arte de montagem de divagações racionais a partir de qualquer tipo de conhecimento puro, misturando quaisquer disciplinas deste. Knecht é um homem que, devido às suas capacidades, mas, sobretudo, devido à sua abertura de espírito, rapidamente ascende ao lugar de Magister Ludi, supremo Mestre do Jogo das Contas de Vidro. O seu percurso de vida é deveras singular, permitindo que Knecht se confronte e complemente os seus conhecimentos e crescente sabedoria com vários sábios representantes de diferentes apologias face à vida.

Nos seus primeiros tempos em Castália é nomeado para ser seu representante nas discussões com Designori, pessoa do mundo secular que defende a vida do homem fora de elitismos de sabedoria tais como são vividos em Castália, com constantes críticas à mesma, firmemente, mas amigavelmente rebatidas por Knecht. Após a sua formação, Knecht parte em viagem pelo reino de Castália (cuja Ordem tem instalações em vários sítios da nação), aprofundando os seus conhecimentos, tomando contacto com um sábio ostracizado por Castália pelo seu excesso de misticimo, a quem chamam «O Irmão Mais Velho», aprendendo com ele novas perspectivas sobre o conhecimento e a sabedoria. Pouco depois, é designado para passar alguns anos num Mosteiro, para uma aproximação maior de Castália à Igreja, onde vai encontrar Frei Jakob, outro grande sábio, desta feita na vertente histórica/religiosa, com quem aprende muito e trava discussões bastante interessantes. Fruto de todas estas experiências, Knecht cria uma aura de calma, serena e ampla sabedoria que o torna no candidato preferencial ao lugar de Mestre do Jogo das Contas de Vidro, quando este falece, pelo que é eleito para esse lugar.

Mas não pára por aqui a fantástica aprendizagem de Knecht. No declínio da velhice do Mestre da Música (o seu tutor na juventude) constata nele a silenciosa sabedoria de quem tudo compreendeu. E, com Tegularius, seu colega em Castália e maior admirador, as desvantagens de uma postura rígida face à necessidade de flexibilidade quer em relação às instituições, quer em relação a conhecimentos opostos aos seus (de Castália). Interiormente, é cada vez maior a constatação da existência dos dois pólos, por Knecht: o aprofundamento ou a diversidade, representando esta última o eterno recomeço e a verdadeira apetência do ser humano na busca da sabedoria. O reencontro com Designori dá-se muitos anos depois dos seus confrontos de juventude, ambos desiludidos com a sua vida atual, mas que desperta em Knecht o rumo a seguir nos anos seguintes.

Todo este percurso, conforme previsto desde o início do livro, vai ter um final inevitável: embriagado por um constante aumento de sabedoria, Castália já não pode satisfazer Knecht, que, após uma brilhante troca de cartas e discussão com o presidente Mestre Alexander, vai sair de Castália e voltar à vida secular, seguindo a sua intuição que, até aí, lhe tinha sido sempre preciosa na sua busca pela sabedoria, mas que, depois, lhe vai proporcionar um final inglório embora comovente e revelador.

Comentários:

Por tudo aquilo que se referiu acima, pode-se considerar este romance como um romance de idéias, apesar do forte enfoque na personalidade de Joseph Knecht, símbolo irreal de um homem completamente aberto a todo o tipo de conhecimentos e sabedoria, que tudo absorve e potencia na sua visão sobre a vida, cumprindo sem limites o potencial maximizado do ser humano na sua busca da compreensão do mundo.

É importante destacar, no entanto, que talvez O Jogo das Contas de Vidro não seja uma obra fácil de ser lida por qualquer um. É um romance indiscutivelmente erudito, em parte por ser recheado de referências eruditas e falar de um personagem erudito que se desenvolve em um universo de erudição, mas também por tratar de temas e questionamentos que dizem respeito principalmente ao mundo dos eruditos e acadêmicos. Por mais cativante e envolvente que seja a narrativa, não consigo deixar imaginar boa parte dos leitores em potencial se sentindo entediados e fatigados pelos extensos devaneios e diálogos a respeito da filosofia e natureza da História ou da função do saber acadêmico, por exemplo. De qualquer forma, para alguém que se identifique nestas questões, e saiba se conectar ao enredo e personagens do livro, é uma leitura facilmente encantadora, e talvez mesmo transformadora.

Descrito como sublime por Thomas Mann, este excelente romance valeu a Hermann Hesse a atribuição do Prêmio Nobel da Literatura em 1946.

Excerto:

Nenhum ser nos foi concedido. Correnteza apenas
Somos, fluindo de forma em forma docilmente:
Movidos pela sede do ser atravessamos
O dia, a noite, a gruta e a catedral

Assim sem descanso as enchemos uma a uma
E nenhuma nos é o lar, a ventura, a tormenta,
Ora caminhamos sempre, ora somos sempre o visitante,
A nós não chama o campo, o arado, a nós não cresce o pão

Não sabemos o que de nós quer Deus
Que, barro em suas mãos, conosco brinca,
Barro mudo e moldável que não ri nem chora,
Barro amassado que nunca coze

Ser enfim como a pedra sólido! Durar uma vez!
Eternamente vivo é este o nosso anseio
Que medroso arrepio permanece apesar de eterno
E nunca será o repouso no caminho

Conclusão:

O «Jogo das Contas de Vidro» transmite uma mensagem de esperança e uma visão libertadora da materialidade e da quantidade como critérios fundamentais da Vida e do Conhecimento.

Fonte:
Anatoli: Um blog cultural. http://anatoli-oliynik.blogspot.com/