terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Walmor Marcellino (Poesias Avulsas)


TEOREMA DO PÃO

Há-de-ázimo
nesse pão azedo
de toda-a-vida.

Vindima acre transportada
de rácimos fermentos
fermentada saliva
posta em sua mesa.

Cogumelos do teu gosto
com saber da fome
o antidoce percorre
sem saber da sede.

Teu interstício de vivo
já vai morto.

Sem cerimônias
sem acrimônias
essas antinomias
demonstram amenas
um teorema: CQD

DESPOJAMENTO

(Um jogo prológico;
episódio com palavras
em lavras
de pura insensatez:
uma por vez)

Um começo de tudo:
poderia a quem finada
a voz, e o gesto mudo
sua tarefa terminada.

Ei-la que sua vida
seria-de pertencer
a quem a souber tecer
até a morte surpreendida...

Entrementes, dessarte
em todos os meus ensejos
espiada arte de desejos,
álgidos delírios loucos
sorvemos amor aos poucos.

E fomos assim
se aprouve às parcas.
Até que a vida se pôs
demais comprometida.
Até que a sobrevida se fez
bem distendida.
Até que a morte se faça
em agonia.

SONETILHA

É possível que este amor
seja mais que fome e sede
uma ferida na solidão, cutelada:
a dor física que não se mede.
Mais ainda que qualquer dor,
uma retribuição que se perde,
dor-surpresa, punção sangrada
Amor de fruição perdida, apaixonada.

PEQUENA ELEGIA

Os homens ganharam seu pão.
Podem comê-lo
como o sistema os come.
Podem amar em angústia,
com amor e tristeza
uma carga depositada
liberta seus ombros em nova marcha.

Podem gritar na noite
como animais acuados
sua indizível esperança.
Podem comer o fumo
banhar-se no álcool
engolir sua paçoca
extenuar-se na enxerga
povoar a fêmea de ruídos
e breves pensamentos.
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Fonte:
MARCELLINO, Walmor. Malvas, Fráguas e Macanilhas. Travessa dos Editores, 1994.

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