quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Adauto Gondim (Trovas)


Da trova fiz o meu pão
minha cantiga inocente,
a voz do meu coração
e o sentir da minha gente.

De meus idílios, o fado
me traz em triste labor:
quanto mais sou desprezado
mais aumenta o meu amor,

Prometo dar-te um milhão
de beijos, se me disseres
quem tem o meu coração
que perdi entre as mulheres.

Vendo-te assim tão formosa,
de porte esbelto e sereno
para intrigar uma rosa
chamei-te cravo moreno.

Nosso amor, que se renova,
aumenta em tal proporção
que não cabe numa trova
nem dentro do coração

Da distância em que me vejo
quero ir pelos espaços
voando para o teu beijo,
fugindo para os teus braços

Saudades - alívio das dores
e dentro da alma se estampa
qual um canteiro de flores
plantado sobre uma campa.

Parece uma coisa louca:
para aumentar meu desejo
eu vejo que tua boca
Deus fez em forma de beijo.


— Vi teus braços... que ventura! —
teu colo... as pernas... que gosto!
Agora, tira a pintura,
Que eu quero ver o teu rosto.

Na noite de núpcias. O Gama
encontra a esposa envolvida
num lindo roupão e exclama:
— Posso, enfim, ver-te vestida!

Quem tiver a alma doente
não fuja deste caminho:
recorde a mulher ausente
faça trova e tome vinho.

Penso em ti de olhos fechados
e o pensamento aprofundo:
ah! se eu tivesse ao teu lado
para glória do meu mundo!

Sobre minha enfermidade
disse o doutor, com razão;
é o germe de uma saudade
destruindo o coração.

No teu jardim, entre flores,
feliz estou ao teu lado
meu calendário de dores
hoje marcou feriado.

Rico de amor como eu
não há quem possa igualar,
e o muito que Deus me deu
é pouco para te dar.

Mulheres que estão me olhando
pensando no mesmo assunto,
são como freiras rezando
na intenção de um só defunto.

Deus pensou em nós. Primeiro
para esculpir nosso amor,
deu-me uma alma de troveiro
deu-te a ternura de uma flor.

Adoro a treva ao açoite
do vento que não tem dono:
Deus fez o escuro da noite
para a carícia do sono.

Não sei de maior pecado:
não sou santo e, como tal,
vi meu retrato guardado
dentro do teu manual.

Quando os raios prateados
do luar beijam a noite,
pede a saudade pernoite
nos corações namorados.

Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.

Amor que passou - rosário
de saudade e de ilusão,
folhinha de calendário
que a gente atira no chão.

Eu quando tiver certeza
que meu bem já não me quer,
irei matar a tristeza
nos braços de outra mulher.

Meu coração, se a esperança
dentro dele se renova,
se alegra qual a criança
que veste uma roupa nova.

Amor perfeito suponho
se houvesse seria assim:
ela dentro do meu sonho,
seu sonho dentro de mim.

Inverno, a terra se veste
de flores em profusão,
somente a minha alma agreste
vive em terno verão.

Inda recordo, querida,
foi numa noite de lua,
te beijei e a minha vida
se misturou com a tua.

Maria, quando eu morrer,
se Jesus me condenar,
deve também se perder
quem tanto me fez pecar.
--------

Fonte:
Adauto Gondim. 100 Trovas. (Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge).
Coleção “Trovadores Brasileiros”. Editora Vecchi – 1959.

Nenhum comentário: