quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Domingos Barroso (Caderno de Poesias)


Apenas um Crepúsculo

O raio de luz
que se derrama
sobre o teclado
é motivo de louca epifania.

O que mudou
é que agora
meus dedos brincam
de pular amarelinha.

Naquele tempo
na folha de papel
havia algo estranho

mediunidade
olhar perdido
lançado à escrivaninha.

Hoje, sobre o teclado
os dedos rasgam as túnicas
enlouquecem trocando suspiros.

Enquanto o raio de luz
de final de tarde

continua o mesmo de outrora
sobre a folha de papel

e neste instante
parece milagre
nada muda sobre o teclado.
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Ato Tresloucado

Feliz é a lâmpada do quarto
mesmo quando queima
morre feliz.

Nem fumaça
nem barulho.

Enraiveço.
Quebro o interruptor de plástico.

Lúdica é a lâmpada do quarto.
Brinca com minha ira.

Silenciosa,
do alto do teto,
manda-me um beijo.

Pego meu tênis,
o mais sujo,
lanço-lhe ao focinho.

Agora sim,
uma tragédia:

vapor de mercúrio
dentro dos meus olhos.
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No Íntimo Sou um Pré-Socrático

O poema feito panela de barro
precisa que os dedos sejam viciados.

Trêmulos.
Queimem-se as unhas.

Já bebi meu cafezinho.
Jantei um peixinho ao molho.

Agora é deitar-se na cama box solteiro
onde minhas gueixas muriçocas
esperam-me sedentas.

Inferno é que tenho
de escovar os dentes.

Minhas gueixas muriçocas
odeiam o poeta maltrapilho
com uma moreia no esôfago.
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Macumba

Certa noite
Painho me disse
após beijar-me a cabeça
que era injusta minha peleja:

"Como pode um pobre mortal
contra as façanhas de uma entidade?"

Painho apiedou-se da minha alma
trêmulo, ofegante
sussurrou aos meus ouvidos:

"A partir de agora teu sofrimento
é a lâmina do meu punhal,
ouro dos meus dentes ..."

Sei que depois daquele sonho
nunca mais acordei ansioso

com a boca espumando
e o coração apertado.

Painho também me dissera
que logo eu voltaria a ser feliz
do meu jeito:

taciturno,
fora do plano celestial.

E que jamais o vinho
roubaria meus segredos:

cascos de bode,
asas de borboleta,

escamas de peixe,
veludo de urso,

presas de javali,
ventre de tubarão.

De fato,
faz tempo
que não abro
uma garrafa
em alto mar.

Todas enterradas na areia,
após um olhar discreto
dos orixás.

Quanto aos meus segredos:
é difícil guardar um poema
do úmido silêncio das paredes.
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