BATISMO
Fazer-se ao mar
como quem se joga num abraço
e respira.
MAR ABERTO
Por frestas,
toco a luz que se escancara
para além dessas treliças.
Por farpas,
tenho gotas de oceano
e sede, e sede,
e sede.
O SURFISTA
Olhos de águia
olham
sobre o hálito do mar
estrelas que só eles veem.
O corpo abre um talho na água.
Entre vagalhões,
a prancha
é lança e é guerreira.
Soberano,
o surfista
põe-se de pé
e costura a onda
tantas e tantas vezes
que o fio
interminável
é o da linha do horizonte.
Na areia
uma vestal sorri,
e molha-se também.
À MARGEM
havia uma grossa casca,
abacaxi turvo,
sem qualquer possibilidade de fruto
havia palmeiras,
olhares ao mar,
o sol que vinha e que se punha,
e uma trava
sem nenhuma fresta
para ser rompida
MARULHOS
Um sonho feito balão
pressente o rumo do mar,
que chão de mar é molhado
e liso e fofo e alado
como carece ser chão
pra empinar sonho e gente.
Escafandrista de sonho
não diz que mar não dá pé.
Mergulha os olhos na água,
não dá bola pra marola,
ignora sombra e lama,
olha e vê, como vê!
Vê que gaivota é um peixe
que pulou fora do mar.
Daí que olhar seus avanços,
balanços e acrobacias,
traz um ar de nostalgia.
Saudades do vasto mar?
Vê a vida o mareante,
cavalga as algas e areias,
descasca o fruto-mar.
Aí se acendem estrelas,
conchas, polvos e arraias:
há um mar dentro do mar.
Apalpar estas entranhas,
alquimia de sereias,
é reencontrar o menino
que outro dia viu o mar,
e se pôs a perguntar
se o verbo dos princípios
não seria o verbo almar?
DOMICÍLIO
estar na hora exata
como o anzol e o peixe
e alguma brisa
depois
fugir das iscas
e fundar domicílio
num pensamento de mar
PASSAGEM
O alvoroço dos pássaros
diz do bom tempo que se vai.
Dentro de sua sombra
invisível
perece o azul,
último alecrim antes da chuvarada.
VÉSPERAS
No princípio é a luz do verbo.
Dentro da luz,
botão de flor das vésperas,
o verbo.
Dentro do verbo em luz,
a madrugada das palavras.
No princípio é a luz do verbo.
Se me toca,
falo.
VÉRTICE
Homem em pé sobre a canoa
pesca a manhã de cada dia,
noventa graus de poesia.
PROA
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Que venham as tormentas, que venha o que vier,
tenho o sonho comigo, o sonho é meu pastor.
O mundo da aparência não me engolirá.
Conheço bem suas manhas, meu ofício é interior:
girassol que é girassol tem proa pro amanhecer.
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Com ele eu teço o mundo, reinvento a via-láctea.
Mistérios são bem-vindos, o sonho é meu pastor.
Ou eu busco a verdade ou ela não me achará.
Minha verdade, o sonho, é pomar e é brasão.
Seu universo, os versos, fio do sim e do não.
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Encontro nele a luz, meu alimento e cor.
Que escorra a ampulheta, o sonho é meu pastor.
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Fazer-se ao mar
como quem se joga num abraço
e respira.
MAR ABERTO
Por frestas,
toco a luz que se escancara
para além dessas treliças.
Por farpas,
tenho gotas de oceano
e sede, e sede,
e sede.
O SURFISTA
Olhos de águia
olham
sobre o hálito do mar
estrelas que só eles veem.
O corpo abre um talho na água.
Entre vagalhões,
a prancha
é lança e é guerreira.
Soberano,
o surfista
põe-se de pé
e costura a onda
tantas e tantas vezes
que o fio
interminável
é o da linha do horizonte.
Na areia
uma vestal sorri,
e molha-se também.
À MARGEM
havia uma grossa casca,
abacaxi turvo,
sem qualquer possibilidade de fruto
havia palmeiras,
olhares ao mar,
o sol que vinha e que se punha,
e uma trava
sem nenhuma fresta
para ser rompida
MARULHOS
Um sonho feito balão
pressente o rumo do mar,
que chão de mar é molhado
e liso e fofo e alado
como carece ser chão
pra empinar sonho e gente.
Escafandrista de sonho
não diz que mar não dá pé.
Mergulha os olhos na água,
não dá bola pra marola,
ignora sombra e lama,
olha e vê, como vê!
Vê que gaivota é um peixe
que pulou fora do mar.
Daí que olhar seus avanços,
balanços e acrobacias,
traz um ar de nostalgia.
Saudades do vasto mar?
Vê a vida o mareante,
cavalga as algas e areias,
descasca o fruto-mar.
Aí se acendem estrelas,
conchas, polvos e arraias:
há um mar dentro do mar.
Apalpar estas entranhas,
alquimia de sereias,
é reencontrar o menino
que outro dia viu o mar,
e se pôs a perguntar
se o verbo dos princípios
não seria o verbo almar?
DOMICÍLIO
estar na hora exata
como o anzol e o peixe
e alguma brisa
depois
fugir das iscas
e fundar domicílio
num pensamento de mar
PASSAGEM
O alvoroço dos pássaros
diz do bom tempo que se vai.
Dentro de sua sombra
invisível
perece o azul,
último alecrim antes da chuvarada.
VÉSPERAS
No princípio é a luz do verbo.
Dentro da luz,
botão de flor das vésperas,
o verbo.
Dentro do verbo em luz,
a madrugada das palavras.
No princípio é a luz do verbo.
Se me toca,
falo.
VÉRTICE
Homem em pé sobre a canoa
pesca a manhã de cada dia,
noventa graus de poesia.
PROA
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Que venham as tormentas, que venha o que vier,
tenho o sonho comigo, o sonho é meu pastor.
O mundo da aparência não me engolirá.
Conheço bem suas manhas, meu ofício é interior:
girassol que é girassol tem proa pro amanhecer.
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Com ele eu teço o mundo, reinvento a via-láctea.
Mistérios são bem-vindos, o sonho é meu pastor.
Ou eu busco a verdade ou ela não me achará.
Minha verdade, o sonho, é pomar e é brasão.
Seu universo, os versos, fio do sim e do não.
O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Encontro nele a luz, meu alimento e cor.
Que escorra a ampulheta, o sonho é meu pastor.
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Fontes:
PERRINI, Edival Antonio Lessnau. O Olho das Águas. Curitiba: Ed. Do Autor,
2009.
__________. Armazém de Ecos e Achados, Curitiba: Ed. do Autor, 2001
__________. Pomar de Águas. Curitiba: Kugler Artes Gráficas, 1993.
PERRINI, Edival Antonio Lessnau. O Olho das Águas. Curitiba: Ed. Do Autor,
2009.
__________. Armazém de Ecos e Achados, Curitiba: Ed. do Autor, 2001
__________. Pomar de Águas. Curitiba: Kugler Artes Gráficas, 1993.
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