domingo, 28 de fevereiro de 2010

Belmiro Braga (100 Trovas)


1
As almas de muita gente
são como o rio profundo:
- a face tão transparente,
e quanto Iodo no fundol ...
2
Em ti, minha Mãe, se encerra
todo o meu maior troféu:
- guardas num corpo de terra
uma alma feita de céu.
3
Fiz na vida o meu escudo
desta verdade sagrada -
o nada com Deus é tudo
e tudo sem Deus é nada.
4
Quem, mesmo nas alegrias,
de lastimar não se furta
de ver tão longos os dias,
para uma vida tão curta?
5
Pobre de mim! Por desgraça
meu coração é um coador:
nele, o riso escorre e passa,
e fica tudo o que é dor.
6
A beleza não te atrai?
Só te casas por dinheiro?
Tu pensas como teu pai,
que morreu velho e ... solteiro.
7
Saudade... palavra linda,
de sete letras... Saudade
é noite que tem ainda
lampejos de claridade.
8
Casa em março Ester Macedo
e em julho é mãe... Ora, o alarde!
O filho não veio cedo,
o esposo é que veio tarde...
9
Só mesmo Nossa Senhora
pode dar paz e conforto
à desgraçada que chora
a ausência de um filho morto.
10
Muitas vezes imagino,
nos meus dias desolados,
que o meu coração é um sino
dobrando sempre a finados.
11
Eu não lamento o revés
do morto que se fez pó;
do vivo, que espera a vez,
desse sim, eu tenho dó.
12
Quantos mortos trago vivos
no fundo do coração,
e dentro em mim quantos vivos
há muito mortos estão! ...
13
Olhaste Jesus na Igreja
demais. E tanto o tens visto ...
Fazes-me assim ter inveja
da própria imagem de Çristo.
14
Não devo guardar ressábios
da nossa extinta afeição:
morto me trazes nos lábios
e, vivo, no coração,
15
Eu morro por Filomena,
Filomena por Joaquim,
o Joaquim por Madalena
e Madalena por mim.
16
A vida, pelo que vejo,
hoje é vale e amanhã cimo:
- A quantos pobres invejo
e a quantos ricos lastimo!
17
Vivo, encheu (a História o prova)
com suas glórias o mundo,
e, morto, não enche a cova
de quatro palmos de fundo.
18
Teu coração é morada
que não atrai, felizmente:
- Quem nele arranja pousada
encontra a cama ainda quente.
19
Meu coração é uma ermida
toda enfeitada de flores,
onde conservo escondida,
Nossa Senhora das, Dores.
20
Uma princesa parece
pelos trajos do alto preço,
mas quanta gente conhece
seus vestidos pelo avesso! ...
21
Os beijos, segundo os sábios,
dados com muita afeição,
não deixam sinal nos lábios,
mas deixam no coração.
22
Num tronco seco, sem vida,
minha mão teu nome abriu
e o tronco seco, em seguida,
reverdeceu e floriu.
23
Desilusões, desenganos,
tudo a velhice nos traz,
mas existe, além dos anos,
a eterna bênção da paz
24
Politiqueiros... Que súcia !
Segundo as leis de Lavater,
o que lhes sobra em astúcia,
é o que lhes falta em caráter.
25
Dizem que a lágrima nasce
do fundo do coração...
Ah! se a lágrima falasse,
que doce consolação!
26
Vi teus braços... que ventura!
teu colo ... as pernas, que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.
27
Quis a sorte que eu te visse,
quis o amor, que eu te adorasse,
quis o dever que eu partisse,
quis a paixão que eu ficasse.
28
Mulheres que eu vi no banho,
vejo-as depois num salão!
- Se pelo rosto as estranho,
pelas pernas sei quem são.
29
Por ver-me alegre e contente,
julga-me o mundo feliz:
nem sempre o coração sente
aquilo que a boca diz.
30
Na justiça tem confiança
e verás, depois, surpreso
que, por ter venda e balança,
ela te rouba no peso.
31
Muitos supõem a ventura
ver em meus olhos brilhar,
quando esse brilho é a tortura
de não poderem chorar.
32
A mulher para ser Venus
deve ter cintura fina,
olhos grandes, pés pequenos
e língua bem pequenina.
33
Que grande, triste verdade
me sussurra o coração:
- a dor é uma realidade,
a alegria - uma ilusão...
34
Quanta vez junto a um jazigo
alguém murmura, de leve:
- Adeus para sempre, amigo!
E diz-lhe o morto: - Até breve!
35
Natal! E eu sinto em minha alma
cantando uma ave... Natal!
No dia azul - quanta calmal
Parece a noite um rosal!
36
O que perdemos na vida,
procuramos sem achar,
exceto a mulher perdida,
que achamos sem procurar...
37
Tu não vês que vivo louco
por causa desta afeição?
Coração, sossega um pouco,
coração sem coração!
38
Muito mais desenxabido
que a goiabada sem queijo,
é te abraçar, bem querido,
e não poder dar-te um beijo.
39
(Mãe)
Acima de tudo, acima
do céu, te devemos pôr:
o teu nome não tem rima,
nem limite o teu amor.
40
Coração, bate de leve;
deixa os teus sonhos horríveis,
que um coração nunca deve
sonhar coisas impossíveis.
41
Como juiz, reto e calmo
posso afirmar sem receio:
- Mulher de boca de palmo
tem língua de palmo e meio.
42
Amigos ... E quanta gente
não crê na verdade atroz
que, no mundo, há um somente:
Aquêle que existe em nós.
43
Natal. No céu e na terra
quanta alegria! Natal!
A paz adoçando a guerra,
o bem adoçando o mal.
44
Teus olhos, Risália amada,
me recordam dois ladrões,
sob a pálpebra rosada
tocaiando corações...
45
Olhos pretos, dois acesos
e recendentes carvões:
- Par de algemas que traz presos
corações e corações.
46
Prezado amigo, perdoa
a resposta demorada:
tu sabes, quem vive à toa,
não tem tempo para nada.
47
Não conhecem mesmo os sábios
este caso singular:
- Fala a mente pelos lábios
e o coração pelo olhar.
48
A mulher, além de tema,
faz tudo com perfeição,
que até nos passando a perna,
tem a nossa gratidão...
49
No anel que me deste, pego
e vejo que é falso, crê.
- Se o amor verdadeiro é cego,
também falso é o amor que vê
50
Nossa Senhora Sant'Ana,
permita que possa um dia
mobiliar minha choupana
com as "cadeiras de Maria!"
51
Na vida, maior ventura
nada nos pode causar
do que a tépida ternura
que nos vem de um doce olhar.
52
De Júlia o pesar profundo
parece uma coisa pouca;
- vive na boca do mundo
por ser beijada na boca.
53
Aquele que dá esmola
tem duas vezes a palma:
- Primeiro, ao pobre consola,
depois, consola a sua alma.
54
Deus do amor, Deus da esperança,
conduze por flóreo trilho
os passos dessa criança
- lindo filho do meu filho!
55
Há dois poderes no mundo
que tudo movem. Primeiro:
- Mulher bonita. Segundo:
dinheiro, muito dinheiro.
56
Sobre o triste chão de abrolhos
em que tu vieste ficar,
meus tristes, cansados olhos,
não se cansam de chorar.
57
Dos beijos me lembro, Glória,
mas não do sabor, meu bem.
Por que a fronte tem memória
e a minha boca não tem?
58
Na terra que te consome,
nem uma triste inscrição!
Pudera! Porque teu nome
não me sai do coração.
59
Ouvindo-a falar da vida
dos próprios pais, tive pena
de ver língua tão comprida
numa boca tão pequena.
60
Onde um berço se embalança
há riso, ventura e luz:
- Sobre os berços, doce e mansa,
paira a sombra de Jesus.
61
Do berço à tumba há um caminho
que todos têm de transpor:
de passo a passo - um espinho,
de légua em légua -uma flor.
62
Chegaste, afinal! Chegaste
no instante mais que preciso;
vens trazer a quem mataste
as rosas de um teu sorriso...
63
Noite de núpcias. O Gama
encontra a esposa envolvida
num lindo roupão e exclama:
- Posso, enfim, ver-te vestida!
64
A mãe, que aperta no seio
um filho de seu amor,
tudo enfrenta sem receio:
a calúnia, a injúria e a dor.
65
Minha vida é uma jangada
num mar revolto de escolhos,
baloiçando sossegada
à doce luz dos teus olhos.
66
Tenho um neto e essa ventura
veio florir os meus dias,
que um neto é um sol que fulgura
num céu de nuvens sombrias.
67
Arvore és santa: os teus ramos
baloiçam ninhos de amor;
és abrigo, e em ti achamos
sombra, fruto, aroma e flor.
68
Entre o berço e a sepultura
um relâmpago fugaz,
mas que séculos perdura
pelo que nele se faz!
69
A mãe que a um filho acalenta
- tal o seu amor profundo -
tem a impressão que sustenta
em seus braços todo um mundo.
70
Quem maldiz a vida, prova
não conhecer que ela é vã:
- no espaço do berço à cova
há ontem, hoje, amanhã.
71
Coração de coração
quando quer bem, faz assim:
- põe nas arestas de um não
toda a pelúcia de um sim. . .
72
A caridade... Consola
ao vermos que ela é perfeita,
não por ser grande a esmola,
mas no modo por que é feita.
73
Quem ama, há de conhecer
a triste escala do amor:
- Desejo, ilusão, prazer,
cansaço, fastio e dor.
74
O noivo, da noiva outrora
via o rosto e nada mais;
se o rosto não vê agora,
todo o resto vê demais...
75
Que em vossos risos mais brilho
nas alvoradas não vemos;
nos olhos ternos de um filho
é que nós, Pais, nos revemos.
76
Assim como brotam flores
do triste, empedrado chão,
em rima brotam-me as dores
que trago no coração.
77
Da tua voz a frescura
feita de encanto e de olor,
lembra um veio de água pura
sob roseiras em flor.
78
Para ser feliz, um louco
costuma me aconselhar:
- deverás desejar pouco
e quase nada esperar. . .
79
Para um pai o bem se encerra
num berço - como um troféu,
as alegrias da Terra
e as esperanças do Céu.
80
Vi-a apenas uma vez;
uma só; não mais a vi,
e tal impressão me fez,
que nunca mais a esqueci.
81
Há no livro uma luz calma
que torna o mundo maior:
- quem vê pelos olhos da alma,
vê mais longe e vê melhor.
82
Na minha infância, dezembro,
aos outros meses igual
passava triste... e eu me lembro
de que não tive Natal...
83
- Toda amizade - é fingida,
todo mal - recompensado,
toda injustiça - aplaudida
e todo amor - enganado...
84
(A Maria Teresinha)
Nestes dois nomes se encerra
um rutilante troféu:
- Se Maria é a flor da terra,
Teresinha é a flor do céu.
85
Nosso amor, que ardia em brasa,
foi morrendo de mansinho,
e entre a minha e a tua casa
mal se descobre o caminho ...
86
Filha - o sorriso que encanta,
noiva - é a flor que perfuma,
A esposa - a graça de pluma,
e mãe - a graça da santa.
87
Maio, outrora tão ridente,
como vive triste agora!
Que saudades tem a gente
daqueles maios de outrora!
88
Quantas vezes tenho ouvido:
- Como ele ri de prazer!
Quando esse riso é um gemido
que aos lábios me vem morrer...
89
Fogem-te da alma os pesares,
a treva aos teus olhos brilha,
toda vez que tu beijares
esse amor, que e a tua filha.
90
Teus olhos, lagos risonhos,
de escuras margens em flor,
ah! se eu pudesse os transpor
no bergantim dos meus sonhos! ...
91
Correm-te os dias serenos
e um ano vem e te traz:
uma esperança de menos,
um desengano de mais.
92
Quando a mulher quer, eu acho
que nem Deus a desanima:
- É água de morro abaixo,
ou fogo de morro acima.
93
Um bacharel, meu vizinho,
quer saber por que razão
eu faço um verso "assinzinho"
e o denomino... versão...
94
Risália, naquelas flores
que te dei à despedida,
entre lágrimas e dores,
eu pus toda a minha vida.
95
O maior dos meus desejos
é ver-te, vendo com gosto
eu entupir com meus beijos
as covinhas do teu rosto...
96
Só duas cores havia
de rosas que aqui registo:
a cor dos pés de Maria
e a cor das chagas de Cristo.
97
Se eu fosse uma flor, querida,
queria, cheia de anelos,
morrer ditosa e esquecida
na noite dos teus cabelos ...
98
Se eu fosse uma fonte, nada
me privaria do gesto
de ver-te em mim reclinada,
para em mim veres teu rosto ...
99
Raio de sol ser desejo
para um dia (oh! que ventura!)
depor-vos na fronte um beijo
e vos ver ainda mais pura...
100
Arvore seca, nem flores
nem sombra e frutos dou mais:
mataram-me a seiva as dores
continuas dos vendavais.
___________________

Fonte:
JORGE, J. G. de Araujo e OTÁVIO, Luiz (organizadores). 100 Trovas de Belmiro Braga. RJ: Editora Vecchi, 1959.Coleção Trovadores Brasileiros. volume 1.

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