OS FILMES EM QUE MORREMOS DE AMOR.
Noite de Domingo
Morre pesada
Em pratos do almoço
Ainda na pia.
Ainda insisto
Em alguma vida na casa:
Abro-fecho sites
Com os dedos no telefone
Procuro pessoas
Mas não todas:
Apenas as que me falem
De dias na praia,
De filmes em que
Morremos de amor.
Mas como a noite
Pode ser nave imensa
Que não pousa,
Desisto de buscas,
Rendo-me calado
No primeiro quarto
Que encontro.
Nos grotões da sala apagada
Sherryll Crow canta
Algo que tocava em novela,
Sem bem me lembro.
Ah, as músicas e minha
Inconformada relação
Com o tempo!
O problema
É que o CD gira sem consolo
No fim de outra noite,
Em 1995 talvez.
CASAS EM PLANALTINA DE GOIÁS.
Essa luz da tarde seca não nos espanta:
É sempre o mesmo infortúnio
Para os olhos pesados do almoço.
Novidade também não é
O morto antigo que assunta do retrato.
Os mais novos não têm certeza
De quem foi.
Talvez tenha sido o último
A mexer nessas telhas
Por cujas rachaduras o sol se atreve.
Periga voltarmos ao século XVIII
Se, desavisados,
Suspirarmos fundo
Vencidos por um cochilo.
POR VOCÊ
Para M ª. Beatriz.
O meu amor é tão grande
Que logo quando nasceu
Já não cabia mais no peito.
O meu amor é tão grande
Que há muito tempo
Já não cabe mais no céu de Brasília
E nem em todas as praias do Rio.
O meu amor é tão grande
Que quanto mais se torna imenso,
De mais imensidão ele precisa
Para não me sufocar.
O meu amor é tão grande,
Que já não cabe mais
Dentro dele mesmo.
SEM TÍTULO I
‘Inda pouco eram sete horas
Agora são quase dez.
A semana já está acabando
E sábado-e-domingo também é tão rápido.
O ano passou do meio
E minha vida, da metade.
Logo é outro natal
Teu aniversário é mês que vem
Qualquer dia, a nossa morte.
Apenas a gradual angústia das horas
É lenta,
Lenta feito um visgo-movediço-vagaroso
Nos subindo pelas pernas,
Passando da cintura
Até nos roubar inteiramente o ar.
BRASÍLIA EM JANEIRO
Árvores tortas
Decalcam o maior céu do mundo:
Penso nelas como gestos
de quem se afoga,
de quem dá adeus da plataforma.
O sol prateia nuvens musculosas.
Atravessando o Lago,
A vela persegue
Lembrança de baía.
Em algum lugar
Bem próximo
Do horizonte
A tempestade
Espreita o fim da tarde.
HOJE FOI SEXTA-FEIRA
Passei o dia inteiro correndo atrás da vida
com o mundo no meu pé
e agora à noite fiquei só,
curtindo a liberdade de não ter pra onde ir.
Arrastei meus vinte e poucos anos pelos bares
e reconheci rostos de velhos desconhecidos.
Quis fugir do barulho lá fora,
me tranquei num caixa eletrônico
e tentei cortar os pulsos
com o cartão magnético.
Abandonei mais tarde a TV ligada
e, louco, cometi poemas desatentos,
com todos os cuidados
em não fumar a caneta
e escrever com o cigarro.
Depois de tudo me sentei na poltrona
feito um anônimo passageiro do oculto
lobo com medo da floresta.
Se ela não ligar até o fim da vida
talvez eu vá à casa de alguma ex-namorada
para ver se ainda pego as sobras do jantar.
MENDIGO
Nos últimos dias
meu coração anda dormindo
debaixo das marquises
da tua rua.
--------------
Noite de Domingo
Morre pesada
Em pratos do almoço
Ainda na pia.
Ainda insisto
Em alguma vida na casa:
Abro-fecho sites
Com os dedos no telefone
Procuro pessoas
Mas não todas:
Apenas as que me falem
De dias na praia,
De filmes em que
Morremos de amor.
Mas como a noite
Pode ser nave imensa
Que não pousa,
Desisto de buscas,
Rendo-me calado
No primeiro quarto
Que encontro.
Nos grotões da sala apagada
Sherryll Crow canta
Algo que tocava em novela,
Sem bem me lembro.
Ah, as músicas e minha
Inconformada relação
Com o tempo!
O problema
É que o CD gira sem consolo
No fim de outra noite,
Em 1995 talvez.
CASAS EM PLANALTINA DE GOIÁS.
Essa luz da tarde seca não nos espanta:
É sempre o mesmo infortúnio
Para os olhos pesados do almoço.
Novidade também não é
O morto antigo que assunta do retrato.
Os mais novos não têm certeza
De quem foi.
Talvez tenha sido o último
A mexer nessas telhas
Por cujas rachaduras o sol se atreve.
Periga voltarmos ao século XVIII
Se, desavisados,
Suspirarmos fundo
Vencidos por um cochilo.
POR VOCÊ
Para M ª. Beatriz.
O meu amor é tão grande
Que logo quando nasceu
Já não cabia mais no peito.
O meu amor é tão grande
Que há muito tempo
Já não cabe mais no céu de Brasília
E nem em todas as praias do Rio.
O meu amor é tão grande
Que quanto mais se torna imenso,
De mais imensidão ele precisa
Para não me sufocar.
O meu amor é tão grande,
Que já não cabe mais
Dentro dele mesmo.
SEM TÍTULO I
‘Inda pouco eram sete horas
Agora são quase dez.
A semana já está acabando
E sábado-e-domingo também é tão rápido.
O ano passou do meio
E minha vida, da metade.
Logo é outro natal
Teu aniversário é mês que vem
Qualquer dia, a nossa morte.
Apenas a gradual angústia das horas
É lenta,
Lenta feito um visgo-movediço-vagaroso
Nos subindo pelas pernas,
Passando da cintura
Até nos roubar inteiramente o ar.
BRASÍLIA EM JANEIRO
Árvores tortas
Decalcam o maior céu do mundo:
Penso nelas como gestos
de quem se afoga,
de quem dá adeus da plataforma.
O sol prateia nuvens musculosas.
Atravessando o Lago,
A vela persegue
Lembrança de baía.
Em algum lugar
Bem próximo
Do horizonte
A tempestade
Espreita o fim da tarde.
HOJE FOI SEXTA-FEIRA
Passei o dia inteiro correndo atrás da vida
com o mundo no meu pé
e agora à noite fiquei só,
curtindo a liberdade de não ter pra onde ir.
Arrastei meus vinte e poucos anos pelos bares
e reconheci rostos de velhos desconhecidos.
Quis fugir do barulho lá fora,
me tranquei num caixa eletrônico
e tentei cortar os pulsos
com o cartão magnético.
Abandonei mais tarde a TV ligada
e, louco, cometi poemas desatentos,
com todos os cuidados
em não fumar a caneta
e escrever com o cigarro.
Depois de tudo me sentei na poltrona
feito um anônimo passageiro do oculto
lobo com medo da floresta.
Se ela não ligar até o fim da vida
talvez eu vá à casa de alguma ex-namorada
para ver se ainda pego as sobras do jantar.
MENDIGO
Nos últimos dias
meu coração anda dormindo
debaixo das marquises
da tua rua.
--------------
Fonte:
André Giusti.
André Giusti.
Um comentário:
"Sem título I", "Sexta-feira" e "Mendingo" ficaram ótimos!
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