domingo, 12 de maio de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) X


FATALISMO

 Se eu for contar, hão de sorrir talvez...
- é o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre...

Morreu... e que se apague de uma vez,
- que dele nada subsista ou sobre...  
- onde a pureza e o amor?... se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.

Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado !

Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
- o amor que eu quero não tem preço ao lado,
não tem correntes, nem conhece leis!

FIM...

Nem foi mesmo preciso que você falasse,
era um pressentimento antigo dentro de mim,
há muito, na expressão que havia em sua face
via que o nosso amor ia chegando ao fim...

Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim...
Era o medo covarde deste desenlace...
E tudo terminou... e foi melhor assim
talvez, para você, que tudo terminasse...

Nosso amor, - e ninguém há de saber por que,
morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar),
e não somos culpados nem eu, nem você...

E o que é estranho afinal é que tudo acabasse,
sem que nenhum de nós falasse em terminar,
- e assim como se tudo ainda continuasse...

FRAQUEZA

Espero-te... E sei bem que eu só que te espero...
Aqui me tens... Constante e eterna é a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingênuo e sincero
por mais que experiência eu tenha, e a vida eu viva?

Chegarás... e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar... E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz... e eu desespero...

Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pés toda a minha vontade...

Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes...
E se choras, nem sei... Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!

FREIRA

Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido -  bem sei - um mistério qualquer...
- quem sabe se pecaste... e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher...

Hoje és santa... O passado passou --- é passado...
- dele já não terás uma ilusão sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silêncio... e em teu árduo mister...

Mais à frente está a vida... a vida humana e bela!
- teu presente é uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela...

Evadida do mundo - ao ver-te, à luz do dia
- não sei se te admiro a renúncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!

FUGA

Amo um lugar assim, amo os lugares
onde há montanhas, selvas, passarinhos...
- onde o giz alvacento dos luares,
à noite, faz rabiscos de caminhos...

Que bom ficarmos sempre assim, sozinhos...
quantas coisas depois, para lembrares!
Esta calma varanda... os meus carinhos...
Um silêncio... que é música, nos ares...

A porteira lá embaixo... a estrada, o fim...
Ah! Se pudéssemos nos esquecer
para onde segue aquela estrada, assim...

Ah! Se pudéssemos pensar que aquela
estrada , ali adiante vai morrer...
- Como a vida, meu Deus, seria bela!

GATA ANGORÁ

Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, - e risca
um estranho bordado ao centro da almofada...

Mal eu chego, ela vem... ( nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!

Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa,
Roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa...

E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!

IDEAL DE AMOR

Odeio aquelas almas onde encontro escrita
uma história que um outro antes de mim viveu...
Dentro de um grande amor, o amor-próprio se irrita
encontrando um romance que não seja o seu ...

Quero uma alma que seja inteiramente pura,
simples, e onde não haja escrita uma só linha,
onde possa ir deixar um poema de ventura
aquela que procuro e que há de ser só minha...

Quero um amor de egoísta todo meu, inteiro,
que não traga um vestígio de afeição sequer...
- se para ele eu não for o seu sonho primeiro
desde já renuncio a outro lugar qualquer...

Somente assim desejo e quero ser amado
e um grande amor somente assim posso sentir...
- hei de ser seu presente... hei de ser seu passado
e a esperança feliz que doure o seu porvir...

Para um perfeito ideal... para encher a minha vida
ser toda a minha crença em meu viver de ateu,
não quero a alma que foi por outro amor possuída
nem quero aquele amor que um dia não foi meu!

Quero o amor em botão... fechado, pequenino,
e ao calor do meu beijo há de florir então,
- para ser a razão do meu próprio destino
e a grandeza imortal da minha inspiração!…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que maravilha