Se não tivesse dado com a língua nos dentes, ninguém saberia de nada. Culpava-se, socando o peito: — mea culpa... mea culpa!
Mulher é isso mesmo, acaba sempre escorregando no vício da tagarelice. Pior que pisar em sabão!
Guardava o segredo, hermeticamente, há tanto tempo, driblando situações, desviando abelhudos, fugindo a questionamentos que favorecem uma abertura. Evasiva, mas, determinada.
Bastara um momento de descuido e... Bem... "não adianta chorar sobre o leite derramado", é o que ouvira sempre da avó. E as avós sabem o que dizem, que a escola da vida ensina mais que qualquer outra e elas tiveram dias sem conta para decorar as lições.
Lá se fora o segredo, como água entre os dedos!
— Olá, Alice!… Olha, eu soube, um dias destes, pela Renata que...
Era isso… seu segredo, tão bem guardado, já assumira os guizos múltiplos de um autêntico Polichinelo e andava sacudido, por aí, mais do que chocalho em mão de criança!
A humanidade é mesmo assim. Fareja mistério ou segredinho à-toa, e pronto: — não sossega enquanto não traz tudo à tona, sob foco de um holofote, se possível! É por isso que, nem os sarcófagos escapam... os túmulos não são respeitados. As múmias perturbadas em seu sono milenar. E tudo por quê? Porque guardam em si segredos seculares, que fazem cócegas na planta dos pés, nos dedos de multidões bisbilhoteiras, e excitam a curiosidade de sucessivas gerações!
— Oi, Alice... Então é verdade que...
Alice não confirmou... nem negou. Aprendia, aos poucos, segundo as necessidades, a ser enigmática, usando a ambiguidade com habilidade crescente.
Mal contendo a irritação indagou:
— Quem é que lhe disse?
— Bem, o Saulo me disse que a Roberta soube através da amiga de uma amiga… que é sua amiga, também.
O ping-pong da fofocagem em plena função! Uma cortada em regra, desativou o adversário.
— Então, foi assim? Pois não é nada disso! Todo esse mundo de gente, que não tem o que fazer, está muito mal informado. Eu que sou a interessada, não sei nada de nada! Até outro dia …
Perdeu alguns amigos, que se sentiram hostilizados, repelidos ou simplesmente desprestigiados por terem sido os últimos ou penúltimos a saber.
Determinada, Alice fincou pé e colou os lábios. Ninguém, mas, ninguém mesmo, dali para frente, haveria de saber um fiapo a respeito. Cumpriu o que disse! Segredo é segredo!
E se você, leitor amigo, arriscou um olho até o último parágrafo, para ver se pescava alguma coisa, sabe que perdeu tempo, que Alice decidiu a questão nos seguintes termos:
— Sou um cofre. Tranquei-me e perdi a chave.
— Não conto... não conto... não conto. E, ponto final.
Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.
Nenhum comentário:
Postar um comentário