segunda-feira, 6 de maio de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) IX


EU ABRI OS MEUS OLHOS

Eu abri os meus olhos para a noite
e o céu se debruçou sobre minhas retinas...

Eu abri os meus olhos para a noite
e a claridade entrou pela minha alma escura
como gritos de festa...
-e a escuridão ao rasgou-me ante os punhais da luz
cravados na minha alma,
como as clareiras cravam lâminas de luz
no corpo da floresta...

Dos profundos mistérios do meu Ser
num estranho rumor de asas rufando
veio uma sombra que era luz na sombra
e que brotou do chão,
- veio... pousou nos meus olhos abertos
e voou buscando o céu que viu lá fora
batendo as asas da imaginação. ..
..................

Senti-me como a estátua de mim mesmo...
O meu corpo ficou como uma catedral
sonâmbula e vazia
onde se co'a a luz mortiça dos vitrais...
E a minha alma fugiu
(pobre alma sonhadora !)
pelos raios de luz dos vitrais dos meus olhos,
- tal como foge sempre
na ilusão de subir e não pousar jamais! . . .

EU TE QUERIA TÃO DIFERENTE

Há muito eu te esperava...

Mas eu queria que quando chegasses
trouxesses nos teus olhos vultos de bonecas;
e a tua boca sorrisse o sorriso dos botões
apenas entreabertos;
e as tuas mãos fossem como as folhas fechadas
de um livro que ninguém leu;
e a tua alma fosse mais pura do que a fonte
que canta dentro da pedra
e ainda por sobre a terra as águas não correu. . .

E tu chegaste...

Mas trouxeste nos olhos sombras estranhas
nuvens dentro de um céu;
e a tua boca sorri o sorriso das rosas encarnadas
cheias de sol e mel;
e as tuas mãos guardam vestígios de carícias que murcharam,
e a tua alma, apesar de ser grande e ser bela,
nos momentos de nossa exaltação,
às vezes me parece pálida e amarela,
como uma folha lida
e já relida
de um romance que andou talvez, numa outra mão.
.....................

Ah! Ninguém saberá nunca o quanto eu sou
desgraçado e infeliz na minha dor,
quando ao te amar assim, como louco
um doente,
encontro em teu amor, às vezes, casualmente,
os restos de outro amor!

EU... E ARVERS

Hás de ler estes versos algum dia
e mais ou menos pensarás assim:

"- ele ainda sofre muito, e esta poesia
escreveu-a, bem sei, pensando em mim...
Sou a mulher que a inspira e que a anima,
pensava em mim no instante em que compôs,
e na incógnita sutil de cada rima
há um pedaço da história de nós dois...
Sinto-me em cada verso, em cada frase,
e as palavras que leio são as minhas...
- Sou eu essa mulher!... Vejo-me quase
na expressiva mudez das entrelinhas..."

E sorrirás... Eu sei que sorrirás
ante a certeza do meu sofrimento,
- é o teu prazer, sorrir desse tormento
que me causaste... e que não finda mais...

Ah! Feliz foi Arvers, bem mais do que eu!
Ao menos, essa a quem ele escrevia,
perguntou certa vez depois que o leu:
- "que mulher será essa..."

E não sorria...

EXALTAÇÃO AO AMOR

Sofro, bem sei...Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar...colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor...com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs...Ninguém mais há de dispor...
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!

EXAUSTÃO

Falta essência... A minha alma trêmula vacila
como  um astro a faiscar, distante, na amplidão...
Vai no ocaso o meu sol... como rubra pupila
a se afundar na noite em plena escuridão

Às descargas de luz de cada sensação
e os sísmicos abalos, minha pobre argila
na carne exausta e exangue aos poucos se aniquila
como um monte de palha que entra em combustão!

Vou rolando em meu Ser de nevrose em nevrose
e como um sol que morre estourando luz
minha morte há de ser uma grande apoteose...

Despencarei nas trevas assim como um meteoro
deixando o turbilhão dos versos que compus
como estrelas de um céu esplêndido e sonoro!

FADA
 
Tua figura suave, delicada
nem parece que vive, parece bordada,
- como a boneca de seda de um desenho
de uma antiga almofada que eu tenho...

Teus gestos, teus embaraços
fazem lembrar finos traços
de uma filigrana,
e tão frágeis me parecem, tuas mãos, teus braços,
que nem sei se és de carne ou se és de porcelana...

Bonequinha de louça
linda moça,
tua alma é um fio de seda, estou bem certo,
e a minha imaginação
criou para o teu destino uma lenda encantada:

- jura que tu fugiste de algum livro
e que eras a ilustração
de uma história de fada !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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