ARTE METAFÍSICA
Estranha arte é esta de escrever...
Sem pincel, sem cinzel a obra cresce
E toma forma, e nem forma carece
Para que a outrem venha a entreter!
Um papel sujo basta ao seu mister,
Um papel que no lixo alguém esquece...
Na folha rota que o desdém merece,
É nela que o poema vai nascer.
Poesia, prima-irmã da Matemática
Que no papel também faz teorema,
Acha ela sempre musa mais simpática.
Seguem Música e Dança o mesmo esquema,
Brotando da sublime e etérea prática
Qual do nada também brota um poema.
CARTA DO MALANDRO ESCRUPULOSO
Minha querida Daisy, custa-me dizer...
Para teu bem-estar, por tua dignidade,
ver-me-as nunca mais. E não sintas saudade
deste vadio que te tanto fingiu querer.
Eu bem sei..., alma pura, jamais vês maldade;
mas esta virtude há de desaparecer
com a ilusão que só inspirou-te o padecer
por partilhar de minha vil intimidade.
Esquece do Brasil, do Rio, do meu franzino
e fingido sorriso de ingênuo menino.
É inevitável: nova ilusão vais achar.
Porém se, por ventura no teu fog londrino,
lembrança vier, lembra deste alexandrino:
"Eu te desprezo para não te ver chorar".
O BURACO
Na existência do homem, o buraco é tudo:
De um buraco ele vem, e para outro ele vai;
E outro buraco, ainda, bastante o distrai
Furtando-lhe a razão num louco anelo agudo.
O buraco será sempre coisa enigmática,
Esfinge alcandorada para a confraria
Dos homens indefesos perante a magia
Magnética, hipnótica, orificiática.
O buraco é ornado por pomposa flora
A qual mais seu mistério vela, encobre, oculta.
Buraco, és flor, não do Lácio, mas inculta!
E tanto o peito másculo, voraz, devoras
Que se o levas ao val sombrio da sepultura,
Ser fiel ao buraco eterno o homem jura.
O BURACO (2)
O buraco tem um quê de absoluto:
Não é palpável, mas claro é que existe;
Seu não-ser o faz ser, e assim persiste.
Sina humana, buraco, és cabal luto.
A terra cava de naco em naco
O menino que brinca angelical
E, ingênuo, conclui filosofal:
Jamais pode existir meio buraco!
Oráculo o buraco é do mistério,
Do insondável, da coisa indefinida:
Um buraco nos deu o dom da vida!
E nos espera lá no cemitério
à espreita, na tocaia escondida,
O Buraco, ironia sem medida.
RÉPLICA A CAMÕES
Alma minha gentil, qual hei deixado,
quiçá mesmo em favor da Humanidade
que hora ganha a lusa celebridade
das armas e barões assinalados;
se cá pr'onde subi contrariada
memória da outra vida se consente
nunca me esquecerei do ódio ardente
às rimas pelas quais fui eu trocada.
E se vires que pode merecer-te
algu'a migalha de ira — que sobrou —
cuida que obrando estou por socorrer-te
rogando ao que meus anos encurtou
que tão cedo Amor venha a abater-te
quão cedo em meu soçobro soçobrou.
SONETO DE NASALIDADE
De tudo ao meu nariz serei atento;
e tanto e pouco e no jamais e antes,
que mesmo em face de dois elefantes
m'nha tromba cause mais alumbramento.
Por ele hei de viver sempre asmático
de assoar minha alma, e escarrar sua escória;
enamorado e não menos pneumático...
da sublime função respiratória.
E assim, quando mais tarde me procure
quiçá o vexame, angústia de quem vive,
quiçá a rinite, conforme Deus mande;
possa eu me dizer do nariz (que tive):
que não seja imoral, inda que grande,
mas que seja aquilino, e não pendure.
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Marcos Satoru Kawanami nasceu na cidade de São Paulo, em 1975, e passou quase toda a infância e adolescência na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Cenecista Capitão Lemos Cunha.
Aos 18 anos, ingressou no curso de Astronomia da UFRJ; no segundo período, foi cursar Engenharia de Minas e permaneceu por um ano em Ouro Preto, de onde voltou para prosseguir na UFRJ até o 6º período de Astronomia. Então, trancou a matrícula. Simultaneamente, trabalhou na Fundação Oswaldo Cruz. Em 2002, concluiu o curso de Letras da UNIFEV, em Votuporanga; e, em 2003, efetivou-se como professor nas disciplinas de Português e Inglês.
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