segunda-feira, 20 de maio de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XII


LÁGRIMA

Orvalho do sofrer - dentro do peito nasce
e nos olhos em pranto sem querer floresce;
aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce...
- e rola finalmente em gotas pela face...

sublime florescer da dor... se ela falasse
diria para o mundo a mais sentida prece,
no entanto, em seu silencio humilde é que enternece
pois guarda na mudez um triste desenlace...

Repentina, ela brota, assim como se fosse
( de um mar que em nosso peito as ondas estrugisse)
uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe...

Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse:
- é a pérola de um mar completamente doce,
de um mar feito de amor... de sonho e de meiguice!

LEMBRANÇA

Bom tempo o que ficou - amei-te na alegria
de uma tarde azulada e linda de setembro,
- disso tudo, hoje, triste, eu muita vez me lembro
enquanto uma saudade o peito meu crucia...

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
eras o meu sonhar de janeiro a dezembro...
Depois... Tu me deixaste, e ainda hoje se relembro,
amargo a mesma dor cruel daquele dia. . .

Agora, em solidão - sou um corpo sem alma -,
e indiferente a tudo vou chegando ao fim
como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto... não sofro... já nem vivo até.
- Se a vida ainda era vida ao ter-te junto a mim,
hoje, longe de ti, nem vida ao menos é!

LEVANTE!...

Apenas entre os lábios de uma aurora
sanguínea, o sol desponta num sorriso,
eu saio para o engenho, que diviso,
lá longe, no horizonte, estrada afora...

Os campos orvalhados - toda a flora
verdejante, é um espelho de improviso
dos céus, onde algum astro ainda indeciso
- não sabe se ficar ou se ir embora...

à beira dos caminhos, vez em quando,
passam lentos, os carros carregados,
que dois bois sonolentos vão puxando...

E a vida vai nascendo entre os currais...
- Os galos cacarejam nos cercados,
no espaço, ouve-se o canto dos pardais!...

LIRISMO...

Eu quero ser o poeta da ternura
o poeta dos carinhos, da meiguice,
das palavras de amor e de doçura
que ainda ninguém pensou... e ninguém disse...

O poeta dos "castelos" e dos beijos
quando vivemos longamente, a sós,
- que põe vultos de sonhos nos desejos
e que põe abajures na própria voz. . .

Eu quero ser o poeta que te enleia
e te encanta, e te embriaga, e te seduz,
- que no teu corpo branco como a areia
compõe versos de amor feitos de luz.

O poeta que em teus olhos, num momento
acende estranhos mundos e visões,
e que adivinha o teu deslumbramento
deslumbrado com as próprias emoções...

Eu quero ser o poeta dos anseios,    s
dessa minha alma, irrefletida e louca,
- e desvendando o encanto dos teus seios
murmurar versos para a tua boca!

Quero ser esse poeta que tu queres
e os meus versos, assim como um perfume,
hão de embriagar a alma das mulheres
para o teu sofrimento. . . e o teu ciúme. . .

Eu quero ser o poeta da ternura  
que espalha poemas e a sonhar caminha,
e que encontra afinal toda a ventura
nessa ventura de sentir-te minha!

O poeta que põe alma nos sentidos
e as belezas incógnitas desvenda,
- que murmura canções aos teus ouvidos
e fala sobre o amor num tom de lenda....      
      
O poeta a quem tua alma se prendeu,
esse que chamas louco e sonhador,      
para imortalizar teu nome e o meu
na imortalização do nosso amor!



Má que tu foste - me negaste aquela
última dança que eu pedi, no entanto
eu lá fiquei pelo salão a um canto
debruçado sozinho na janela...

E magoado, a te olhar, vi-te tão bela
nos braços de outro - que chorei, e o pranto
secava em minhas faces por encanto
como se fossem lágrimas de vela...

De que serve chorar - pensei - de nada
vale mostrar aquela que adoramos
a dor que temos na alma sepultada...

E me pus a dançar... Brinquei... Sorri...
E os dois sorrimos... nós dois brincamos...
Mas tu sofreste!... E eu - quanto sofri!...

MALDADE

Tu podes ser igual a todo o mundo
teres defeitos mais que toda a gente,
- que importa ? se este amor cego e profundo
teima em dizer que te acha diferente !

Para mim (eu que te amo como um louco)
os que falam de ti são línguas más,
- ah ! todo o amor que te dedico é pouco
e é sempre pouco o amor que tu me dás !

Sou a sombra que segue os teus desejos
e aos teus pés, numa oferta extraordinária
a minha alma vendeu-se por teus beijos...

Falam de ti... Escuto-os... Fico mudo...
Quanta maldade cruel, desnecessária
se eu já sei quem tu és... se eu sei de tudo !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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