MAS PARA QUE CONTAR?
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar...
Quando passas assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para a frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto... e vais seguindo displicentemente...
- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencido
e que um dia choraste... e que choraste um dia...
Mas para que contar?... Que sejas sempre assim!
E que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar para mim!...
MASCARADOS
Mascarados os dois. Eu, mascarado
na hipocrisia com que levo a vida,
tu, na aparência inútil e fingida
que usas na rua com o maior cuidado ...
Passas por mim e segues ao meu lado
como outra qualquer desconhecida,
- quem há de imaginar nosso passado
e a intimidade entre nós dois perdida ?...
Ninguém... Certo ninguém pensa e adivinha
porque eu não digo e porque tu não dizes
Que eu já fui teu... e que tu foste minha...
Mas, quantas vezes, amargurado penso
em como nos sentimos infelizes
no Carnaval do nosso orgulho imenso !
MENTIRA...
Tanta coisa passou... E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados...
- Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao léu... a sonhar acordados...
Ontem juntos, felizes... hoje, separados,
- (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...)
E sorrimos em vão... sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .
Cruzamos nossos passos muita vez: - é a vida!
- eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída...
Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora !
MEU CALVÁRIO
Ando sempre a seguir-te... a buscar-te distante
como a visão que anseio e os olhos me seduz,
- e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em êxtase constante...
Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora às vezes pare, - sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!
Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce à frente de mim, - no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento...
E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
- se ao cair no caminho... e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!
MEU CÉU INTERIOR
Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
- não tentes decifrar... – mil corações
nós os temos num só, todos diversos...
Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas... e as constelações...
- no céu das minhas íntimas visões,
no "meu céu interior..." cheio de versos.
Não procures o poeta compreender...
- Os versos que umas coisas nos desnudam,
Outras coisas, ocultam, sem querer...
Uns, são felizes... Outros, ao contrário...
- No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são contas de um rosário!...
MEU CORAÇÃO
Eu tenho um coração - um mísero coitado
ainda vive a sonhar... ainda sabe viver...
- acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer...
Eu tenho um coração, - um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender...
- é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser...
Quando tudo é matéria e é sombra - ele é uma luz...
Ainda crê na ilusão... no amor... na fantasia...
- sabe todos de cor os versos que compus...
Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
- e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.
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