quinta-feira, 30 de maio de 2019

João Líbero (A Gargalhada do Morto)


Antigamente o velório era feito em casa. Punha-se uma mesa na sala (a mesma das refeições!) E o caixão com o defunto em cima. Amarrava-se um pano do queixo até a cabeça, para o defunto manter a boca fechada!

Lembro de um velório que eu fui, que a netinha do morto perguntou: "o vovô tá com dor de dente, mãe?!".

Bom, essa introdução foi pra contar o velório do Adamastor!

Adamastor era técnico na Estação de Transmissão da Light. Ganhava bem e estava próximo da aposentadoria, apesar de ter só 45 anos (começou como aprendiz com 16 anos). Adamastor saia do trabalho e parava  nos botecos pelo caminho bebendo em todos. Ele era o rei da manguaça. Daqueles que ia pra casa no piloto automático. Uma vez, dona Carlota, sua vizinha, ao voltar da igreja, deu com o pinguço dormindo no seu sofá! Naquele tempo não se trancava a casa!

Ele fazia tanto isso, que os vizinhos mais próximos começaram a trancar o portão ao entardecer! Diziam que era a "hora Adamastor"!

Além disso, diziam que era jogador inveterado. Saia duas noites por semana pra jogar baralho e voltava tarde e bêbado. Geralmente perdia dinheiro.

Tinha a mulher, Guilhermina, que todos chamavam de Mina. E tinha um casal de filhos adolescentes. Mina ficava possessa quando ele dizia que tinha perdido no jogo, de novo!

Enfim, um dia Adamastor bateu as botas! No velório, Mina, sentada ao lado do caixão, estava inconsolável, chorava copiosamente. As más línguas diziam que ela esfregou pimenta nos olhos para lacrimejar, e que por dentro estava festejando! Se livrou de um traste, ia receber um seguro de vida muito bom e uma gorda pensão, além da casa que era deles.

Tudo corria dentro do esperado. Até as famosas frases de velório:-

- Coitado, era tão bom!

- Trabalhador!

- Bom pai, ótimo marido!

Mina pensava, nada disso. O filho da mãe era vagabundo, pingaiada, saia do serviço pra beber, mulherengo, morreu bêbado!

Ela soube pelo Cirilo, o melhor amigo dele (outro pinguço), que o encontrou caído na praça e chamou a ambulância e o levou ao pronto socorro, mas, já não puderam fazer nada. Foi infarto fulminante!

Por volta da meia noite, irrompeu na sala, soluçando, aos gritos, a Celina, uma conhecida biscate do bairro!

- Mastô, Mastô, meu lindo, me perdoe, me perdoe, e se jogou em cima do caixão quase o derrubando!

Mina só olhava,  olhos arregalados, e de repente se deu conta do que estava acontecendo,!

Celina, descontrolada gemia:-

- Nunca vou te esquecer meu lindo, você morreu fazendo amor comigo, seu último suspiro foi para mim, nunca vou esquecer isso!

Cirilo, que estava sóbrio, desesperado, puxou Celina de cima morto, mas não foi rápido o suficiente. Mina já pulava em cima da outra, se atracando com ela berrando:

- Sua biscate, vagabunda, era com você que ele andava gastando dinheiro, e eu pensava que perdia no jogo!

A mesa era velha, cambaia, e com o peso do defunto mais o das duas mulheres, cedeu e o caixão caiu! O morto rolou, com as duas mulheres se estapeando em cima dele. Celina abraçada nele e Mina dando porrada nos dois!  Na confusão, o pano que segurava o queixo de Adamastor, se soltou e a boca abriu, dando a impressão que ele estava dando uma gargalhada.

Mina vendo aquilo, começou a socar o rosto do morto:

- Você está rindo do quê, seu desgraçado? Sorte sua que já está morto, senão eu mesma te matava.

Alguém puxou Mina para fora da sala, Cirilo levou Celina embora

Alguém trouxe dois cavaletes, onde puseram o caixão com o morto. Só não conseguiram fechar a boca dele novamente e lá ficou o Adamastor dando sua última gargalhada, até a hora de fechar o caixão!

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