Celibatário por opção, Alfredo admirava e exaltava, a mais não poder, os amigos Lígia e Laércio, pela fidelidade sincera que deixavam transparecer no relacionamento conjugal.
Ele, Alfredo, optara pelo celibato. Nada de traumas ou pressões anteriores. Questão de foro íntimo. Melhor, só, do que ter de enfrentar a possibilidade de trair, ou de ser traído. Os tempos modernos, ou melhor dizendo, modernosos, de costumes desabridos e tendências liberais, ofereciam exemplos às dúzias. Se um dia viesse a casar, seria para valer. Nada de casa e descasa. Nada de filial por debaixo do pano. O "até que a morte nos separe", era o lema que tinha em mente. Na dúvida, preferia permanecer solteiro. Solteirão!
Lígia e Laércio eram caso ímpar. Par indestrutível! Quatro filhos. Quatro sólidas pilastras sustentando as bases seguras do edifício familiar. Construção perfeita! Sem deslizes, nem rachaduras.
Chovia naquela tarde em que, Alfredo, dolorosamente surpreendido, tremeu nas bases ao ver passar o amigo Laércio, aconchegando sob o mesmo guarda-chuva, os encantos loiríssimos daquela cujos ombros enlaçava carinhosamente. Uma loira espetacular!
Alfredo sentiu o estômago engulhado. Não podia ser... Laércio, logo Laércio!
Chocado, seguiu o par a distância. Não pretendia provocar o flagrante, vexatório, profundamente constrangedor, para qualquer das partes. Enxugou a testa coberta de suor frio. Compreendeu que nunca mais poderia encarar o amigo infiel, sem recriminá-lo interiormente. Sentia-se também traído. E quanto a Lígia, então?! Como enfrentar seu olhar cândido e meigo de esposa perfeita, vergonhosamente ludibriada pelo marido?!
Marido! Lá ia o descarado, sem o menor escrúpulo, a exibir a companheira, como quem exibe um troféu recentemente conquistado! Cachorro!
A raiva inflou as veias de Alfredo quando viu o casal sumir no carro de Laércio, estacionado adiante. Raiva pelo erro de julgamento. Laércio não era o que julgara ser. Não merecia sua amizade. Não o desmascarara, para poupar Lígia, que crescia no seu conceito.
Nessa mesma tarde, ao chegar em casa, abraçada pelo marido, Lígia sacudiu as roupas molhadas, olhando-se no espelho. Era bom demais sentir-se jovem, outra vez! Nova em folha! Que milagres faziam a dieta balanceada, o narizinho moldado pelo bisturi de um mestre e os reflexos dourados cobrindo a antiga cabeleira castanha. Era uma nova mulher. Uma loira espetacular!
Alguns anos depois, Lígia e Laércio questionavam, ainda, o inexplicável afastamento do amigo.
— E o Alfredo, hein? Que coisa estranha. Sumiu mesmo!
Laércio encerrou definitivamente a questão;
— Na certa, já chegou a esperada transferência. Foi para Curitiba e nem sequer se despediu! Cachorro! Em nossos dias, a gente não pode confiar nem no melhor amigo!
Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.
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