quarta-feira, 1 de maio de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) VIII


E OS TEUS OLHOS ASSIM...

Nos teus olhos existe uma tortura imensa,
uma sombra de noite entre vagos clarões,
essa expressão inquieta e incerta de quem pensa
e vive o terror das interrogações...

E ao tempo que se esvai, cada vez mais se adensa
a noite em teu olhar ocultando aflições...
Parece que morreste, ou que sofres da doença
terrível da loucura ou das meditações...

A tua alma parou... A tua alma tão moça
não é como a água viva em loucas enxurradas,
mas como a água parada e morta de uma poça...

E os teus olhos assim... lembram, nessa negrura,
duas janelas rindo, aos céus, escancaradas,
numa casa vazia abandonada e escura!

E TU CHEGASTE...
Mas trouxeste nos olhos sombras estranhas
nuvens dentro de um céu;
e a tua boca sorri o sorriso das rosas encarnadas
cheias de sol e mel;
e as tuas mãos guardam vestígios de carícias que murcharam,
e a tua alma, apesar de ser grande e ser bela,
nos momentos de nossa exaltação,
às vezes me parece pálida e amarela,
como uma folha lida
e já relida
de um romance que andou talvez, numa outra mão.
........................

Ah! Ninguém saberá nunca o quanto eu sou
desgraçado e infeliz na minha dor,
quando ao te amar assim, como louco
um doente,
encontro em teu amor, às vezes, casualmente,
os restos de outro amor!
Desde
cedo andei nas ruas entre os bandos
dos filhos dos pobres,
andei descalço... e apanhei muitas surras
por faltar às lições...

ERA UMA VEZ ...
- Meu Primeiro Amor -

O meu amor primeiro... o meu primeiro amor,    
foi anseio, e viveu na incerteza de uma ânsia, 
   - botão que não se abriu... que não chegou a flor,
- um pedaço de céu, quase limpo e sem cor      
perdido nos sem-fins azuis da minha infância...

Silhueta a se apagar, mas que o meu Ser divisa,
uma emoção feliz que nem foi emoção ...           
- nuvem leve a fugir aos impulsos da brisa,     
tênue... vaga... sutil... bem distinta e imprecisa,
passando na memória do meu coração...           

O meu primeiro amor, - um vulto que esqueci 
num canto da lembrança a dormir empoeirado,
- rosto que se apagou porque nunca mais vi,  
- um quadro que se esvai, e que deixei ali        
esquecido no sótão velho de um passado...      

Alma de uma ilusão pequenina e simplória      
que se dissolve em mim... e aos poucos se desfaz...
parece outro destino, outra vida, outra história,
quando o tento arrancar das sombras da memória
tão longe... que ao lembrar-me... eu nem me lembro mais...

O meu primeiro amor... A primeira esperança   
que abriu asas de sonho a procurar o além,      
- hoje, é apenas lembrança a brincar na lembrança
levado na tristeza do que não se alcança,            
na saudade de tudo o que nunca mais vem!       

Pétala que entre um livro amarelou, perdida,     
há muito tempo, há muito... por alguém que o leu,
- e agora, ao encontrá-la, seca e fenecida            
no romance sem fim da minha própria vida       
nem sei se quem a pôs entre as folhas fui eu...   
.....................

O meu primeiro amor... O meu amor primeiro,
foi uma história azul dessas de " era uma vez"...
- uma história feliz... um conto verdadeiro        
que um dia o meu Destino, um velho feiticeiro,
quis fazer mas não soube terminar talvez...      

Minha glória primeira... e o meu maior desejo
de crescer, de subir, de explicar o Universo!  
Passou... Foge de mim... mas ainda o sinto e o vejo,
- porque ele é a sensação do meu primeiro beijo
e a impressão imortal do meu primeiro verso!

ESQUECIMENTO

Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora...
- Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar
apagam quase sempre as lembranças de outrora...

Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar
sem conseguires nunca o que a tua alma implora...
- É que a vida é uma fonte, a correr sem parar
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora...

Não se vive outra vez... O que chamas presente,
há de ser, amanhã, um romance apagado
que em vão procurarás reler, inutilmente...

O tempo tudo vence... Tudo ele consome...
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!...

ESSA...

Essa, que hoje se entrega aos meus braços escrava
olhos tontos de amor que aos poucos me farto,
ontem... era a mulher ideal que eu procurava
que enchia a minha insônia a rondar meu quarto...

Essa, que ao meu olhar parado e indiferente
há pouco se despiu - divinamente nua -,
já me ouviu murmurar em êxtase fremente:
- "Sou teu!"   E já me disse, a delirar: - "Sou tua!"

Essa, - que encheu meus sonhos, meus receios vãos,
num tempo que eram vãos meus sonhos, meus receios,

já transbordou de vida a ânsia das minhas mãos
com a beleza estonteante e morna de seus seios!

Essa, - que se vestiu... que saiu dos meus braços
e se foi... - para vir, quem sabe? uma outra vez...
- segui-a... e eu era a sombra de seus próprios passos.
Amei-a... e eu era um louco quando a amei talvez !

Hoje, seu corpo é um livro aberto aos meus sentidos
já não guarda as surpresas de antes para mim...
Não importa se há livros muita vez  relidos
importa... é que afinal, todos eles tem fim...

Essa, -  a que julguei ter tanta afeição sincera
e hoje...  não enche mais a minha solidão,
simboliza a mulher que sempre a gente espera,
mas que chega... e se vai... como todas se vão...

ESTRANHA ENCRUZILHADA

Não sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino é inconsciente e não sabe o que faz...
- Encontro-te, e afinal, já sei que tu és amada,
encontras-me, e afinal, já é bem tarde demais...

Já não posso esquecer a existência passada,
perdi meu coração - o amor não tenho mais...
- já não tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo há de ficar sem me esquecer jamais...

Até hoje nesse amor não tínhamos pensado:
é por  isso talvez que em silêncio tu choras,
e em silêncio também meu pranto é derramado

Eu cheguei... Tu chegaste... Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!...

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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