quinta-feira, 2 de maio de 2019

Jorge Americano (Casamentos)


Começavam umas conversas íntimas, quase inconvenientes.

— O namorado passa todos os dias. Mas você sabe, estas coisas... — Ela espia pela veneziana. — É preciso não encorajar.

Depois "acontecia" que ela e ele estavam num baile. Ele pedia apresentação. O amigo apresentava e dançavam.

— Dançar uma vez, está direito. Duas, ainda vá. Mas três vezes!?

A mãe ralhava, a filha insistia, o pai fechava a cara. A moça "podia ficar falada".

Entretanto, já não espiava pela veneziana. Ou olhava atrás da vidraça, ou abria a vidraça.

No próximo baile, o rapaz se "declarava". A moça dizia que era preciso falar ao pai.

Enquanto isso, corriam boatos: "Estão noivos? Não. Namorados. Disseram que ia ficar oficial, mas não se sabe. Parece que o pai dela não quer".

O rapaz falava ao pai dela. Quando se tratava de gente importante, era o pai do rapaz que falava.

Falado, havia a reunião na família da noiva, para apresentar o noivo e os pais. Depois, a reunião na família do noivo, para apresentar a noiva e os pais.

Seguia-se a comunicação às pessoas de amizade ou parentesco:

A Sra......... A Sra.........
e o Sr........ e o Sr........

têm a honra de comunicar

o contrato de casamento de seus filhos

F. e G.

São Paulo,... de.......de.....

Se as coisas não corriam bem e os noivos desmanchavam o casamento, era quase um escândalo:

— Você sabe quem desmanchou o casamento?

— Não diga? Por que?

— Diz que ele é muito mal-educado.

— É?

— E ela não tinha descoberto que ele tinha uma tia-bisavó meio esquisita.

— Ah!

Se as coisas davam certo, marcava-se o casamento, faziam-se os convites para a igreja (subentendido que era também para casa).

Todos os convidados mandavam presentes, flores, cartas, cartões e telegramas.

Vinha no jornal a lista dos presentes:

"Dos pais da noiva, um rico aparelho de jantar, de fina porcelana Limoge e uma rica mobília de quarto, em pau-marfim com incrustações em ouro; dos pais do noivo, um rico serviço de talheres, em prata D. João V; do Sr. F. (padrinho) um cheque; da Sra F. (madrinha) uma bandeja de prata e um necessaire de ouro (uma espécie de carteira, contendo pó de arroz e perfume). Do casal F. (tios) uma "trousse" bordada em "petit-point" para a noiva (qualquer, coisa como uma bolsa semelhante ao necessaire, porém maior, cabendo lenço, chaves e dinheiro) e um rico tinteiro em bronze e madrepérola, para o noivo".

E assim se enchiam a página do jornal.

* * *

Realizado o casamento, os convidados recebiam, entre quinze dias e um mês, a comunicação:

"F. e G. participam seu casamento e oferecem sua residência à rua ..."

(Quando tinha mandado presentes, acrescentava-se: agradecem penhorados a gentileza do brinde enviado).

* * *

Os casamentos religiosos celebravam-se à noite.

Os trajes eram "grande toilette" para as senhoras e casaca para os homens.

O número de convidados não excedia de quarenta a sessenta, entre parentes chegados e amigos íntimos.

Vinham à casa da noiva, meia hora antes da solenidade, para formar o cortejo.

No primeiro carro, um cupê enfeitado com flores de laranjeira, a noiva e pai. No segundo, o noivo e sua mãe. No terceiro, o pai do noivo e a mãe da noiva. No quarto e quinto os padrinhos da noiva e do noivo. Depois parentes e convidados.

Ao desembarcar, na igreja, encontravam um criado da família da noiva, que ia recebendo os capotes dos homens e as capas das senhoras, que eram guardados em carro vindo especialmente para esse fim, e restituídos no fim do casamento religioso.

Entravam na ordem de chegada, pelo corredor central da nave. Os bancos laterais estavam literalmente cheios de curiosos, todo o grupo do casamento entrava aos pares, de braço dado, acompanhando os noivos, na ordem em que desembarcaram. Subiam ao altar-mor.

Terminada a celebração, ali mesmo os noivos recebiam os cumprimentos, e recompunham-se os pares para sair.

Dos curiosos, nos bancos laterais, escutava-se: "Olha o vestido dela, que lindo!" "O noivo é baixinho, não orna!" "Gente, que cauda comprida" "Quem é aquele, alto, de nariz grande?"

Aproximavam-se os carros na ordem exata, e seguiam, em cortejo, para a casa da noiva.

Depositavam-se numa sala ou quarto as cartolas e agasalhos. Havia uma mesa de doces e champagne. Primeira mesa, segunda e terceira, conforme o número de pessoas e o tamanho da mesa.

Na primeira sentavam-se os noivos, os pais, os padrinhos e os convidados de mais idade e categoria. Trocavam brindes.

Meia hora depois levantavam, recompunha-se o arranjo e começava a segunda mesa. Os noivos continuavam sentados. Brindes.

Levantavam, recompunha-se o arranjo, terceira mesa. Os noivos continuavam sentados. Brindes.

A casa está quase vazia. A noiva trocou o vestido, o noivo também já está em traje comum, houve troca de beijos com os pais, e partiram.

Fonte:
AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo.

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