sábado, 25 de agosto de 2012

Caio Porfírio Carneiro (Maria Viviane)

Caio Porfírio Carneiro
Fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados, vestido azul desbotado, mancando da perna, ela percorria as vielas estreitas do cemitério, tentando, os olhos meio fechados da miopia, ler as lápides dos túmulos, alguns quase capelinhas, outros ao pés-do-chão. Desorientava-se. Via-se perdida entre cruzes. Ia e vinha, tentando ler.

Viu o homem que passava empurrando o carro-de-mão cheio de tijolos.

- O senhor sabe onde é que está a Maria Viviane?

- Maria de quê?

- Viviane.

- Não sabe o número da quadra?

- De quê?

- Da quadra.

- Não.

- Vá na administração. Lá eles informam.

- Onde é?

- Logo na entrada.

Perdeu-se muito para encontrar o pequeno escritório. O homem calvo examinava o livro aberto sobre o balcão, fazia anotações, não compreendeu bem o que ela dizia:

- O que é mesmo, minha senhora?

- A cruz de Maria Viviane.

- Maria de quê?

- Viviane.

- Como é o nome completo dela?

- Eu não sei.

- Não sabe qual a quadra, o número da rua? Tem lápide? - Tem o quê?

- Lápide. Nome dela gravado, data do nascimento e morte, essas coisas.

- Não sei.

- Assim fica difícil. Como é mesmo o nome completo dela?

- É Maria Viviane.

- Nome bonito. Mas deve ter sobrenome. Não sabe mais nada sobre ela, data da morte?...

Ela saiu desnorteada, sem saber onde encontrar Maria Viviane naquele oceano de túmulos e cruzes. O homem calvo ainda a chamou:

- Volte aqui. Vamos ver...

Foi crescendo dentro dela uma pena enorme de Maria Viviane, perdida no oceano de cruzes. Resolveu ir embora, manquitolando, apressada. O homem calvo chamou-a:

- Ei, minha senhora. Encontrei o nome dela. Sei onde está.

Não lhe deu atenção. Atravessou o grande portão, apressada, manquitolando junto ao muro alto do cemitério, amparando-se nele, uma angústia enorme no coração.

Desapareceu na esquina no vestido azul desbotado, a fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados.

 Fonte:
O Conto Brasileiro Hoje – vol. II

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