domingo, 26 de agosto de 2012

Paulo Vinheiro (Revoada de Poemas)

Paulo Vinheiro, é o pseudônimo de Paulo Vieira Pinheiro, poeta de Monteiro Lobato/SP

ATENÇÃO

Recordo, lembrança, achado
Um conto criado de fato suposto
Que é? Não sei. Só sei que perfaz
Completo, segue caminho seu
Por quê? Não interessa mais
Só peço atenção...
Uma delicadeza, afeto
Isso feito, um universo talvez.

POESIA

Quanta força os dedos fazem para digitar?
Pra qual objetivo eles trabalham?
O que querem dizer quando dizem?
Qual conteúdo emocional tem os dedos?
Escrever só com o corpo é incompleto
Escrever só com letras é muito pouco
Poetizar não é o mesmo que historiar
Relatar um fato e depois esquecê-lo

Há razão entre a intenção e a ação
Uma revelação depois da reflexão
Propor uma leitura maior que a grafia
Provocar encanto no exercício de ler
Ligar sem escravizar o leitor ao sentido
Da página, linhas, palavras, letras, sinais
Não há por que complicar o tão simples
Para ler temos de ter mais que os olhos

Para se fazer poesia há de um que a leia

VIVER DÓI
Mais que querer
Mais que bem-me-quer
Respirando fundo
Amando demais

Andando pela vida com a venda

Tateando os caminhos
Vencendo os medos
Transformando horrores
Menos horrores

Seja qual idade se tenha
O mais cruel de tudo
É viver sem saber por quê.

MONARKA

Esquece intensa e leve pelas veredas
Azulando e crispando o tempo espaço
Zero é seu nome, ou será, quem sabe
Dentro, tudo ou nada, ambicionam ser

Sem projetos, sem programas, ela só
É borboleta azul que natural impera
É sutil o processo que nos encasula
Fecho a porta e abocanho a chave

Para transformar o padecer é certo
Por isso não pode haver uma rotina
Nada paira como ela monarca alada
Que remanchada volta a seu casulo

Liga a sua TV e atualiza o programa
Uma noite mal dormida e está findo
Muitos traumas ajustarão sua psique
Um dia intenso cumprindo instruções

Dizem quanto vai viver e onde morar
Data de ativação e expectativa de vida
Tamanho da prole, número do sapato
Limite de crédito, carro de uso, e mais

Sem sentido, sem porque, sem sossego
Sem propósito seu, assim, mais nada
Sem poder só preenche o desígnio
Um dever sem motivo seu, apenas isso

Um estímulo do nada e faz tudo diligente
Um click, um plim, um splash, e aí vai
Às vezes é rápido, outras é progressivo
Um gatilho, estopim, estouro, finalmente

Sem cura, e por isso que a cura é o final
Aguarda um comando para se desfazer
Integral, não linear, partido, sem sentido
Morto desde o berço pode, até, se libertar

TIRANA

Tomar uma coca-cola, adorando, ingenuamente
Ir ao “maquedonalde” num fim de tarde e talvez comer
Ir ao teatro e assistir mais que uma peça
Ler Amado, Oswald, Saramago e se alimentar

Ouvir uma tirana a nos cantar sem encantos
Dobrar-nos às ordens de um tio distante
Darmos atenção à infâmia do dia
Mentiras que diminuem o nosso tamanho

Entendo que não entendamos os porquês
Ignorar os porquês é importante
Não viver alienado ou alienante
Instrumentos do indizível abandono

O nosso destino é o abandono programado
Para repetirmos aquilo que ouvirmos
Para vivermos a mentira ditada
Acreditarmos num salvador que não virá

Transformaram-nos ateus e foi escolhido um novo deus
Aquele que adoramos e adoraremos
Nos dias escuros e noites em claro
Dobrados, insanos, dementes... nos querem

O que queremos? Ninguém se importa
Você se importa? Mesmo? Será?
Não fomos criados para pensar
Afinal pensar cansa e temos quem pense por nós

Para que nascemos? Pra que nasceu todo esse gado?
Garantidos estão os votos e os consumidores, só
Não servimos a nós mesmos e sim ao novo deus
Incorpórea figura quem dita as regras e nos amaldiçoa

Enquanto isso no reino da pastelândia
Nos McColas da vida e da morte
Recolhendo os mortos entre os fracos
Há quem pense em você e em mim

Será você também?

SABOR

Uma sucessão de palavras
Ásperas macias, quentes frias
Salgadas doces, noites dias
Grandes pequenas, brancas negras
Formando a vida e a poesia
Desafiando o possível até o limite
Até que desalente a fantasia

Uma porta aberta leva as palavras
Leves as palavras voam soltas
Há quem as junte, quem dê sentido
Um bêbado do bê-a-bá
Contador de letras
Caçador das palavras perdidas
Você ou eu quando escreve

Um sentido que alucina e lancina
Outra forma de ver o vulgar
Explica e dá sentido à sombra
Quem vai ou quem vem de algum lugar
Ensina, divulga, assombra
Canta e conta o chão que se pisa
E faz mais macio o caminho
Ilumina com poesia

O poeta é um herege

Fonte:
Textos enviados pelo autor
Criação da Imagem por José Feldman

Nenhum comentário: