segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (Pequeno conto não contado)

Pintura de Salvador Dali
Aquele homem não precisava de psicólogo. Era um homem comum. Trabalhava, estudava, cuidava do que devia cuidar, enfim, ninguém jamais diria que ele precisava de psicólogo. Isso talvez ainda ocorra porque as pessoas nem saibam de verdade o que faz um psicólogo. Na verdade, ninguém sabe muito bem o que se faz na profissão de ninguém. É preciso estar na pele do outro para sentir o que ele sente? Nem sempre. Mas o caso é que, se soubessem que aquele homem comparecia às sessões com psicólogo pelo menos quatro vezes por mês, diriam que ele, de fato, não precisava "disso".

Diziam muita coisa sobre aquele homem. Dizem muita coisa sobre todo mundo. Mas aquele homem não era quase nada do que falavam dele. Sabia que era mais ou menos bom, mais ou menos "humano", isto é, mais ou menos capaz de amar. Amar é lição que causa muita repetência, só não se divulga muito por aí. Nas fotos do Face, nas caras da Caras, o que se vê são olhos sorridentes que, por dentro, se desmancham como frágeis flores de dente-de-leão. Leão. Eis um bicho que aquele homem jamais seria. Estava mais para gato, para ave, ou até mesmo para peixe. Só, "nadava" em si mesmo.

O que acontece é que um dia tudo muda. A mandala da vida se desfaz e se refaz pelas mãos do tempo, que é cristão, zen-budista e todas as demais religiões ao mesmo tempo. Tempo que estava naquele homem. Do trabalho para casa, de casa para o trabalho, sem amigos, sem amor, contava com a presença de uma grande e velha amiga a lhe fazer companhia. Era seu anjo na Terra. De repente, entre um e outro movimento desse planeta, o homem se viu diferente do que sempre foi. Primeiro, foi mudando por dentro e, devagar, mudou por fora também. Não foi o cabelo, mas a cabeça.

Aquele homem foi trocando os hábitos que o prejudicavam por outros, que o favoreciam. A carinha dele, de menino, foi ficando ainda mais jovem. A vida é jovem para quem acredita que aprender um pouco a cada dia é a única e verdadeiramente possível fonte da juventude. Perdeu os quilos que precisava perder, mudou a mente, os pensamentos de outrora, e sua alma, seu espírito ficou mais livre, soou mais light, cantou mais firme ao violão que um companheiro lhe dera. Os sonhos repousavam nele e, como pássaros no fio de luz, lá ficavam. Seu psicólogo, contente, o aplaudia muito.

Diziam muita coisa sobre aquele homem. Mas a verdade é que, pela primeira vez, começaria ele mesmo a dizer a que veio, porque existia sob a forma humana nesse mundo de tantas formas diferentes e (in) decifravelmente afins. O que acontece é que um dia tudo muda. Aquele homem não precisava de psicólogo, diziam. Mas foi um deles que lhe deu a mão e o tirou do "mar morto" em que estava para o prenúncio das areias de Ipanema, com guarda-sóis e gente à beça, um sol a pino, brasileiro, como quis Vinicius, com muita música e poesia. Não foi o cabelo, nem a cabeça: foi ele, sabe?

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