sábado, 8 de janeiro de 2022

Sammis Reachers (O valentão da madrugada)

Algumas histórias por que passamos em nosso dia-a-dia envolvem certa violência, e sabemos que o melhor, em relação à violência, é mantermos distância dela. Afinal, "violência gera violência." Mas, trabalhando nas ruas, estamos sujeitos a tudo, e muitas vezes nossa única opção é dançar conforme a música. Trabalhando durante a madrugada então, ah, aí é que 'o bagulho fica doido'.

Tudo começa com nosso amigo Sílvio, hoje motorista e homem de Deus, mas na época trabalhando como cobrador, e dado a tomar alguns tragos da "marvada" cachaça. A madrugada ia em seus inícios, lá pelas uma da manhã. A empresa era a ABC de São Gonçalo; a linha era a 12, Santa Luzia x Covanca. Havia já alguns passageiros no carro, dentre    os quais alguns maus    elementos, bandidagem conhecida do bairro Jardim Catarina. Sempre pegavam carona    quando iam ou voltavam de suas 'atividades'. Área de chapa quente é sempre igual: Se não uma amizade, ao menos alguma tolerância se estabelece entre eles, os marginais, e os rodoviários que, acuados, não têm outro recurso senão fazer vista grossa a certos movimentos e caronas.

Pois bem, em certo ponto sobe no veículo um elemento, moreno parrudo, acompanhado de duas mulheres, bonitas e vestidas como 'mulheres da vida'. As mulheres passam pela roleta, e em seguida o cara que, mal-encarado, saca uma nota de cem cruzeiros, algo como 100 reais de hoje. Ao que Sílvio, o cobrador, pergunta:

- O senhor não teria nota menor aí não?

- Só tenho esse, dá seu jeito aí.

Sílvio disse então para o elemento aguardar, pois não havia ainda troco suficiente. O indivíduo, muito cheio de si e querendo se mostrar para as duas mulheres, que sorriam, começou a bater boca com nosso amigo. Ofensa vai, ofensa vem, um dos tais malandros, que estava lá no fundão do buzu, se levanta, vai até Silvio e diz baixinho:

- Aí, cobra, esse malandro tá chiando muito. Segura aqui essa peça e põe na cara dele - e em seguida sacou um trabuco da cintura e fez menção de entregá-lo a nosso amigo.

- Não, não, quero não, tá tranquilo - disse Sílvio, assustado.

Enquanto isso o indivíduo, entretido com as mulheres, sequer percebera a movimentação. Mas continuou a falar grosso, enquanto o malandro voltava para seu lugar.

Mas, meus amigos, o problema foi que o indivíduo não parou de falar. Não se aguentando mais, dois dos malandros se levantaram, e um deles foi logo apontando o canhão direto na cara do 'brabo'.

- Abre a porta aê, motorista. O otário aqui vai descer. Bora otário, desce!

O cara, levantando-se assustado e contrariado, ainda perguntou:

- E o meu troco?

– Troco?!! Tem troco não mané! Desce, vaza!!!

O indivíduo, agora sem a expressão de homem valente, desceu. Mas, como bom otário, cometeu mais um erro: do lado de fora, foi até a porta de trás, que se abrira para apanhar outro passageiro, e perguntou novamente ao cobrador:

- E o meu troco? Quero meu troco.

Ao ouvir isso, os malandros não se aguentaram:

- Para, para, para aê, motô, que nós vamos limpar esse mané.

Os quatro elementos desceram atrás do 'valentão', e o ônibus seguiu viagem, tranquilamente, com Sílvio aliviado por se ver livre da encrenca.

Uma semana depois, um dos malandros do Catarina apanhou novamente o ônibus da dupla. Ao reconhecer Sílvio, o marginal foi logo contando:

- Aí, cobra, lembra daquele otário? Limpamos ele e as duas meninas. Até a camisa e o tênis dele levamos.

Moral da história: Cuidado quando for pegar um ônibus na madrugada. Toda humildade é pouca!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

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