A nossa instrução pública cada vez que é reformada, reserva para o observador surpresas admiráveis. Não há oito dias, fui apresentado a um moço, aí dos seus vinte e poucos anos, bem posto em roupas, anéis, gravatas, bengalas, etc. O meu amigo Seráfico Falcote, estudante, disse-me o amigo comum que nos pôs em relações mútuas.
O Senhor Falcote logo nos convidou a tomar qualquer coisa e fomos os três a uma confeitaria. Ao sentar-se, assim falou o anfitrião:
- Caxero traz aí quarqué cosa de bebê e comê.
Pensei de mim para mim: esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar. Vieram as bebidas e ele disse ao nosso amigo:
- Não sabe Cunugunde: o véio tá i.
O nosso amigo comum respondeu:
- Deves então andar bem de dinheiros.
- Quá ele tá i nós não arranja nada. Quando escrevo é aquela certeza. De boca, não se cava... O véio óia, óia e dá o fora.
Continuamos a beber e a comer alguns camarões e empadas. A conversa veio a cair sobre a guerra europeia. O estudante era alemão dos quatro costados.
- Alamão, disse ele, vai vencer por uma força. Tão aqui, tão em Londres.
-Qual!
- Pois óie: eles toma Paris, atravessa o Sena e é um dia inguelês.
Fiquei surpreendido com tão furioso tipo de estudante. Ele olhou a garrafa de vermouth e observou:
- Francês tem muita parte...- Escreve de um jeito e fala de outro.
- Como?
- Óie aqui: não está vermouth, como é que se diz "vermute"? Pra que tanta parte?
Continuei estuporado e o meu amigo, ou antes, o nosso amigo parecia não ter qualquer surpresa com tão famigerado estudante.
- Sabe, disse este, quase fui com o dotô Lauro.
- Por que não foi? perguntei.
- Não posso andá por terra.
- Tem medo?
- Não. Mas óie que ele vai por Mato Grosso e não gosto de andá pelo mato.
Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura.
O nosso amigo indagou dele em certo momento:
- Quando te formas?
- No ano que vem.
Caí das nuvens. Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos!
O nosso amigo indagou ainda:
- Tens tido boas notas?
- Tudo. Espero tirá a medáia.
O Senhor Falcote logo nos convidou a tomar qualquer coisa e fomos os três a uma confeitaria. Ao sentar-se, assim falou o anfitrião:
- Caxero traz aí quarqué cosa de bebê e comê.
Pensei de mim para mim: esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar. Vieram as bebidas e ele disse ao nosso amigo:
- Não sabe Cunugunde: o véio tá i.
O nosso amigo comum respondeu:
- Deves então andar bem de dinheiros.
- Quá ele tá i nós não arranja nada. Quando escrevo é aquela certeza. De boca, não se cava... O véio óia, óia e dá o fora.
Continuamos a beber e a comer alguns camarões e empadas. A conversa veio a cair sobre a guerra europeia. O estudante era alemão dos quatro costados.
- Alamão, disse ele, vai vencer por uma força. Tão aqui, tão em Londres.
-Qual!
- Pois óie: eles toma Paris, atravessa o Sena e é um dia inguelês.
Fiquei surpreendido com tão furioso tipo de estudante. Ele olhou a garrafa de vermouth e observou:
- Francês tem muita parte...- Escreve de um jeito e fala de outro.
- Como?
- Óie aqui: não está vermouth, como é que se diz "vermute"? Pra que tanta parte?
Continuei estuporado e o meu amigo, ou antes, o nosso amigo parecia não ter qualquer surpresa com tão famigerado estudante.
- Sabe, disse este, quase fui com o dotô Lauro.
- Por que não foi? perguntei.
- Não posso andá por terra.
- Tem medo?
- Não. Mas óie que ele vai por Mato Grosso e não gosto de andá pelo mato.
Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura.
O nosso amigo indagou dele em certo momento:
- Quando te formas?
- No ano que vem.
Caí das nuvens. Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos!
O nosso amigo indagou ainda:
- Tens tido boas notas?
- Tudo. Espero tirá a medáia.
Fonte:
Lima Barreto. Crônicas. Publicado no “Careta”, em 1915.
Lima Barreto. Crônicas. Publicado no “Careta”, em 1915.
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