sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Minha Estante de Livros (Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia)


Uma tragédia no Amazonas é uma novela envolvente que narra como o ódio e o desejo de vingança pode arruinar muitas vidas, e como uma pessoa pode ser odiada e amada ao mesmo tempo.

É cheio de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Com maestria o autor narra a história de Eustáquio, sua esposa Branca, e a enteada Rosalina, que passaram a ser vitimas de perseguição, que incluíam tanto danos à propriedade da família, que ficava no vilarejo de São João do Príncipe no Amazonas, como tentativas de matar Branca e Rosalina. Curiosamente, em duas tentativas contra as mulheres, um misterioso protetor dá cabo dos agressores, o que não acontece com um escravo e um soldado contratados para defender a casa do subdelegado.

Começa por parte de Eustáquio uma caça aos agressores, aos poucos o editor traz a lume fatos que culminam com a identificação dos mesmos como sendo um grupo de negros que após assassinarem seu feitor e o dono da fazenda, saqueiam a sede e fogem, sendo capturados e presos pelo subdelegado, no entanto pouco depois eles fogem da improvisada cadeia, para a floresta, e começam a maquinar a vingança.

A morte de um dos escravos pelo misterioso defensor da família faz com que eles fiquem um pouco acuados, e passam dois anos sem fazer novas ameaças. No entanto a chegada ao vilarejo de salteadores espanhóis interessados em roubar Eustáquio, porque foram informados que ele possuía uma grande riqueza, reacendeu nos escravos fugitivos a chama da vingança, e encorajados pelos espanhóis voltaram a tramar contra a família.

Nesta ocasião, Eustáquio, que já não é mais subdelegado, passa a espionar o bando, descobrindo que tramavam atacar a casa no dia seguinte, recorre à ajuda do padre que no afã de proteger a casa indica quatro lavradores da cidade para reforçar a segurança. Eustáquio os contrata, sem saber na verdade que eles faziam parte dos seus inimigos, num plano do líder espanhol de infiltrá-los na residência de Eustáquio fato que o padre também desconhecia.

Enquanto aguardavam o ataque protegendo a casa, o padre revela que o misterioso protetor que por vezes defendeu a família, era na verdade um jovem que teve sua vida salva pelo pai de Rosalina, a enteada da família, só que embora salvasse o garoto o homem não sobreviveu ao acidente, em retribuição a isso o garoto vigiava a casa para proteger seus moradores.

Neste mesmo dia os vingadores conseguem invadir a casa, matam Branca, Eustáquio, bem como outros que ali estavam, incluindo uma criança que ainda a pouco havia nascido, filho de branca com Eustáquio.

Quando o jovem que protegia a família chega já é tarde e o malfeitor lhes tira a vida, e como última vítima Rosalina é barbaramente torturada e morta. Finalizando a história, o pai do jovem chega de uma viagem, mas já encontra todos mortos e o fim é dramático, com o pai ao lado do corpo do filho lamentando sua morte.

A história é cheia de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Em Uma Tragédia no Amazonas, ressaltamos três espaços, onde decorre a intriga na novela, a floresta, a casa e o roseiral. Todavia, dos três espaços apontados, é a floresta que recebe um tratamento discursivo e imagético mais acentuado, em princípio, por ser objeto da curiosidade de leitores urbanos e alimentar fantasias de aventuras e de expedições fascinantes e perigosas, e depois, por estabelecer relação direta com a criação e a manutenção da atmosfera trágica.

Sob certa perspectiva historiográfica, a representação discursiva e imagética da floresta amazônica, na novela de Raul Pompéia, alude tanto à retórica dos cronistas de viagem do século XVI quanto reproduz a retórica folhetinesca.

Ao seguir o roteiro de narrativa linear, Raul Pompéia reserva o primeiro capítulo da novela à descrição de dois espaços em que se desenrolará a história, um deles, é a floresta amazônica e outro é a casa de Eustáquio. Esses dois espaços contribuem para determinado desenrolar e desfecho do enredo. A floresta e a casa do protagonista recebem do escritor certo tratamento visual que torna evidente a natureza oposta e contraditória de ambos, a partir dos quais e nos quais se refletem conflito e tensão decorrentes da relação entre cidadão e natureza, civilizado e selva, estrangeiro e autóctone, agente da justiça e regime do instinto, da violência e da vingança. A representação da floresta sobrepõe à representação da casa e se constitui esfera em que esses polos opostos provocam estado de situação pouco esclarecida que conduz o protagonista a cometer erros e enganos, o chamado miasma para os trágicos gregos.

No desenrolar da novela, notamos algumas formas de representação da floresta, que pretendem intensificar a ideia de que trágico é o espaço. Já nos primeiros parágrafos, o narrador reproduz discurso semelhante aos dos cronistas de viagem ao fazer referência a alguns aspectos geográficos da região, o que atribui tom levemente informativo à descrição da natureza. No entanto, o aparente esforço do escritor em tornar verossímil a descrição do espaço cede à projeção da imagem poetizada e alegórica da Amazônia

Em princípio, o enredo da novela de Pompéia explora a temática da vingança para justificar o drama violento vivenciado por Eustáquio e sua família em plena floresta amazônica. Todavia, a chacina da família do subdelegado, de seus ajudantes e amigos mais do que representar a efetivação do plano de vingança de um grupo de bandidos, representa a replicação, em escala menor, do fracasso da utopia da formação da civilização brasileira a partir da ação do homem branco em explorar e dominar a floresta.

O drama violento vivenciado pelos personagens possibilita a alegoria da repetição desse fracasso que sugere que outros problemas históricos e sociais brasileiros se fazem presentes a partir do desenrolar da trama, tais como exploração e domínio da terra, formação de novas cidades no interior do país, ausência dos aparatos do Estado em locais extremos e isolados do país, e a problemática jurídica em torno da aplicação da lei em “terra de ninguém”.

Fontes:
Net Saber. Resumos.

Danilo de Oliveira Nascimento. A representação do espaço trágico em Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia. Disponível na Revista Recorte. Mestrado em Letras: Linguagem, Cultura e Discurso / UNINCOR. v. 12 - n. 1. jan -jun, 2015. (trechos)

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