De vez em quando é bom fechar os olhos ao panorama atual, com suas crises e cataclismos que nos puxam para baixo e abrir o cofre das lembranças, deixando aflorar o que venha de mais leve.
Desta vez, foi um sanhaço que saiu voando do baú em forma de crônica escrita há algum tempo, em apoio à surpreendente repercussão alcançada por outra publicada na imprensa local, na qual o autor falava de um sanhaço em sua vida. Crônica que acabou por motivar mais duas, de outros autores, levando-me à tentação de também dizer algo a respeito daquele que eu poderia chamar, possessivamente, de - "o meu sanhaço".
Todo interesse demonstrado pelas publicações que enfocavam essa avezinha silvestre, capaz de enfrentar com denodo as complicações da vida de uma cidade, veio provar que a sensibilidade humana, mesmo embotada pelas calamidades divulgadas todos os dias pela mídia, ainda não está de todo morta, permitindo algumas fugas pelas janelas da alma.
Mas... deixem que eu diga, solidária: - Sim, eu também tive um sanhaço em minha vida! Azul como um retalho de céu! Foi meu... por espaço mínimo, que talvez nem tenha passado de meros minutos, mas, valeu a pena... como vale a pena contar:
Tinha um amplo quintal na casa de meus pais. Coisa bastante rara em nossos dias. Casa com pomar, no qual não faltava a tradicional goiabeira de galhos acolhedores, permitindo escalada.
Casa com galinheiro - mais raro ainda! E, portanto, com direito a clarinadas de galo pela manhã! E até com pintinhos a bicar o ovo pelo lado de dentro... rompida a casca... o milagre da vida!
Coisas que hoje poucas crianças têm o privilégio de testemunhar, fora da área rural.
Coisas mágicas que, graças a Deus, meus filhos puderam presenciar por conta daquele quintal encantador, palco de cenas cada vez mais difíceis de serem vistas!
Ovos... nos supermercados. Galinhas... nas panelas, ou nos pratos, às refeições. E a tal clarinada dos galos?... Talvez, que ainda possa ser ouvida nas vizinhanças, vinda de uma dessas casas velhas que, paulatinamente, cedem espaço aos espigões de concreto, vítimas indefesas das pressões financeiras, enquanto as famílias se empoleiram, umas sobre as outras, em prédios espigados, às vezes tortos, como os daqui da orla santista.
- E o "meu sanhaço"... onde fica ele, após emaranhadas digressões sobre casas e quintais?!
Naquela tarde distante em que o irrequieto sanhaço entra nesta história, eu chegava serenamente ao amplo quintal de minha antiga casa, a meia quadra da praia, onde agora um prédio moderno exibe o garbo.
Levava o almoço para os dois gatos que, como sempre, me aguardavam com miados festivos. Foi quando, a meus pés, se abateu um punhado de penas azuis e asas agitadas a despertar pronto interesse dos bichanos ronronantes à minha volta.
Num átimo, recolho a ave! Biquinho aberto... debatia-se em desespero, garganta totalmente trancada por um grão de milho, o que exigia ação imediata. Sufocava!
Com o pássaro nas mãos, voei, atrás de uma pinça! Vencendo a ansiedade, trêmula e com extremo cuidado, consegui, com a ajuda de Deus, extrair da garganta bloqueada o grão assassino!
Aquele terrível grão que, sem matar a fome, quase matara o faminto! E que grande seria a fome daquela pobre ave... já que os sanhaços, frugívoros, alimentam-se apenas de frutos, não de grãos!
Com alívio, senti o oxigênio revitalizar os pulmões do pássaro aflito, que, estonteado, permaneceu por mais alguns segundos na concha de minhas mãos.
Asas ligeiras, logo depois o levariam de volta ao espaço, tão azul quanto ele, num maravilhoso voo de redenção!
Por ter resgatado da asfixia aquela pequena ave indefesa e por tê-la livrado das garras ávidas dos gatos, prontos para saboreá-la como sobremesa, guardo para mim, deliciada, a dupla e gratificante sensação de ter salvado, por duas vezes, aquela preciosa joia emplumada!
Assim, embora nunca mais o tenha visto, creio ter pleno direito de chamar o pequenino herói desta crônica, muito afetivamente de: - o "meu" sanhaço!
Desta vez, foi um sanhaço que saiu voando do baú em forma de crônica escrita há algum tempo, em apoio à surpreendente repercussão alcançada por outra publicada na imprensa local, na qual o autor falava de um sanhaço em sua vida. Crônica que acabou por motivar mais duas, de outros autores, levando-me à tentação de também dizer algo a respeito daquele que eu poderia chamar, possessivamente, de - "o meu sanhaço".
Todo interesse demonstrado pelas publicações que enfocavam essa avezinha silvestre, capaz de enfrentar com denodo as complicações da vida de uma cidade, veio provar que a sensibilidade humana, mesmo embotada pelas calamidades divulgadas todos os dias pela mídia, ainda não está de todo morta, permitindo algumas fugas pelas janelas da alma.
Mas... deixem que eu diga, solidária: - Sim, eu também tive um sanhaço em minha vida! Azul como um retalho de céu! Foi meu... por espaço mínimo, que talvez nem tenha passado de meros minutos, mas, valeu a pena... como vale a pena contar:
Tinha um amplo quintal na casa de meus pais. Coisa bastante rara em nossos dias. Casa com pomar, no qual não faltava a tradicional goiabeira de galhos acolhedores, permitindo escalada.
Casa com galinheiro - mais raro ainda! E, portanto, com direito a clarinadas de galo pela manhã! E até com pintinhos a bicar o ovo pelo lado de dentro... rompida a casca... o milagre da vida!
Coisas que hoje poucas crianças têm o privilégio de testemunhar, fora da área rural.
Coisas mágicas que, graças a Deus, meus filhos puderam presenciar por conta daquele quintal encantador, palco de cenas cada vez mais difíceis de serem vistas!
Ovos... nos supermercados. Galinhas... nas panelas, ou nos pratos, às refeições. E a tal clarinada dos galos?... Talvez, que ainda possa ser ouvida nas vizinhanças, vinda de uma dessas casas velhas que, paulatinamente, cedem espaço aos espigões de concreto, vítimas indefesas das pressões financeiras, enquanto as famílias se empoleiram, umas sobre as outras, em prédios espigados, às vezes tortos, como os daqui da orla santista.
- E o "meu sanhaço"... onde fica ele, após emaranhadas digressões sobre casas e quintais?!
Naquela tarde distante em que o irrequieto sanhaço entra nesta história, eu chegava serenamente ao amplo quintal de minha antiga casa, a meia quadra da praia, onde agora um prédio moderno exibe o garbo.
Levava o almoço para os dois gatos que, como sempre, me aguardavam com miados festivos. Foi quando, a meus pés, se abateu um punhado de penas azuis e asas agitadas a despertar pronto interesse dos bichanos ronronantes à minha volta.
Num átimo, recolho a ave! Biquinho aberto... debatia-se em desespero, garganta totalmente trancada por um grão de milho, o que exigia ação imediata. Sufocava!
Com o pássaro nas mãos, voei, atrás de uma pinça! Vencendo a ansiedade, trêmula e com extremo cuidado, consegui, com a ajuda de Deus, extrair da garganta bloqueada o grão assassino!
Aquele terrível grão que, sem matar a fome, quase matara o faminto! E que grande seria a fome daquela pobre ave... já que os sanhaços, frugívoros, alimentam-se apenas de frutos, não de grãos!
Com alívio, senti o oxigênio revitalizar os pulmões do pássaro aflito, que, estonteado, permaneceu por mais alguns segundos na concha de minhas mãos.
Asas ligeiras, logo depois o levariam de volta ao espaço, tão azul quanto ele, num maravilhoso voo de redenção!
Por ter resgatado da asfixia aquela pequena ave indefesa e por tê-la livrado das garras ávidas dos gatos, prontos para saboreá-la como sobremesa, guardo para mim, deliciada, a dupla e gratificante sensação de ter salvado, por duas vezes, aquela preciosa joia emplumada!
Assim, embora nunca mais o tenha visto, creio ter pleno direito de chamar o pequenino herói desta crônica, muito afetivamente de: - o "meu" sanhaço!
Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.
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