sábado, 15 de janeiro de 2022

Hans Christian Andersen (O Caracol e a Roseira)


Em volta do jardim havia um bosque de avelãs e mais adiante se estendiam os campos e os prados, nos quais haviam vacas e ovelhas. Porém, no meio do jardim havia uma roseira em plena floração. A seus pés estava um caracol, o qual valia muito, segundo a sua própria opinião.

- Espere que chegue o meu tempo, - dizia - farei muito mais do que dar rosas, avelãs ou leite, como as vacas ou ovos como as galinhas.

- Espero muito de você! - respondeu a Roseira - Poderei saber quando veremos essas maravilhas que tanto anuncia?

- Levarei para isso o tempo que achar necessário. - replicou o Caracol - Você sempre tem tanta pressa em seu trabalho, que não chega a despertar a curiosidade de ninguém.

No ano seguinte, o Caracol estava quase no mesmo lugar de antes, isto é, ao Sol e ao pé da Roseira. Esta estava cheia de botões, que começavam a abrir-se, mostrando umas rosas magníficas, sempre viçosas e novas. E o Caracol, mostrando meio corpo para fora da concha, esticou seus tentáculos e os encolheu novamente, para voltar a esconder-se.

- Tudo tem o mesmo aspecto do ano passado. Não se vê o mínimo progresso em nenhum lugar. A Roseira está coberta de rosas... Mas nunca fará nada de novo.

Passou-se o verão e logo após o outono. A Roseira dera rosas lindas, até que começaram a cair os primeiros flocos de neve.

O tempo ficou úmido e tempestuoso e a Roseira se inclinou até o solo, enquanto o Caracol se escondia dentro da terra.

Começou novo ano e a Roseira reviveu. O Caracol também apareceu.

- Você já é uma roseira velha, - disse o Caracol - de forma que logo secará. Você já deu ao mundo tudo o que havia dentro de si. E se isso valeu alguma coisa, é assunto que não tenho tempo de examinar, mas o certo é que você não fez nada para o seu aperfeiçoamento, senão teria produzido algo diferente. Pode negá-lo? E agora você se converterá numa vara seca e desnuda. Entende o que digo?

- Está me alarmando! - exclamou a Roseira - Nunca pensei nisso. Jamais imaginei o que está dizendo.

- Não, você não se preocupou muito em pensar em algo. Porém, nunca pensou em averiguar a razão de sua floração, por que você produz flores? E por que motivo o fazia sempre de forma igual?

- Não! - replicou a Roseira - Dei flores com a maior alegria, porque não podia fazer outra coisa. O Sol era tão quente e o ar tão bom!... Eu bebia o orvalho e a chuva; respirava... E vivia. Logo me chegava novo vigor da terra, assim como do céu. Experimentava um certo prazer, sempre novo e maior, e era obrigada a florescer. Tal era a minha vida, não poderia fazer outra coisa.

- Você sempre levou uma vida muito cômoda. - observou o Caracol.

- Na realidade, sinto-me muito favorecida, - disse a Roseira - e, de agora em diante, não vou possuir tantos bens. Você possui uma dessas mentes inquiridoras e profundas e de tal maneira é bem dotado, que não duvido de que assombrará o mundo sem demora.

- Não tenho tal propósito. - replicou o Caracol - O mundo não é nada para mim. Que tenho a ver com ele? Já tenho muito o que fazer comigo mesmo.

- Em todo caso, não temos o dever, na terra, de fazer o que pudermos pelo bem dos demais e de contribuir para o bem comum com todas as nossas forças? Que foi que você já deu ao mundo?

- Que foi que eu dei? Que lhe darei? Pouco me importa o mundo. Produza as suas rosas, porque sabe que não pode fazer outra coisa, que as avelãs deem avelãs e as vacas leite. Cada um de vocês possui um público especial, eu tenho o meu, dentro de mim mesmo. Vou entrar dentro de mim e permanecer aqui. O mundo para mim não é nada e não me oferece o mínimo interesse.

E assim o Caracol entrou em sua casa e se fechou.

- Que lástima! - exclamou a Roseira - Não posso colocar-me num lugar abrigado, por mais que o deseje. Sempre tenho que dar rosas e mudas de roseira. As folhas caem ou são arrastadas pelo vento e o mesmo acontece com as pétalas das flores.

Em todo o caso, eu vi uma das rosas entre as páginas do livro de orações da dona da casa, outra de minhas rosas foi colocada no peito de uma jovenzinha muito formosa, e outra, enfim, recebeu um beijo dos lábios suaves de um menino, que se entusiasmou ao vê-la. Tudo isso me encheu de felicidade e será uma das recordações mais gratas de toda a minha vida.

E a Roseira continuou florescendo com a maior inocência, enquanto que o Caracol continuava retirado dentro da sua viscosa casa. Para ele o mundo não valia nada.

Passaram-se os anos. O Caracol voltou para a terra e a Roseira também. Do mesmo modo, a rosa seca no livro de orações já desaparecera, mas no jardim floresciam novas rosas e também havia novos caracóis, e se escondiam dentro de suas casas, sem se incomodarem com os outros porque para eles o mundo não representava nada.

Teremos que contar também a história deles. Não, porque, no fundo, não se diferenciariam nada daquilo que já contamos.

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