A VINGANÇA
Na manhã do dia 11 de setembro de 1711, os sinos da Igreja da Sé, situada no morro do Castelo, e os tambores dos regimentos de milícias tocaram a rebate. O povo corria atemorizado pelas ruas da cidade; uns dirigiam-se para o Castelo e outras eminências da cidade, e os mais timoratos corriam para as suas casas. Os soldados de milícias, saindo fardados e armados de suas habitações, dirigiam-se com a pressa que lhes permitia o seu armamento, para se reunirem aos seus respectivos corpos. A guarnição portuguesa, desde o dia 10 já estava sobre pé, e se tinha postado no prolongamento da costa, compreendida entre o Forte do Calabouço e o Saco do Alferes. O ruído das armas, os pesados passos dos soldados, o surdo rodar das carretas das peças de artilharia, o som do clarim, tudo enfim atemorizava as almas fracas, ao mesmo tempo que incutia valor nos peitos valentes e destemidos.
O povo, que coroava o morro do Castelo, podia distinguir com facilidade uma esquadra que bordejava fora da barra: era ela a causa do terror espalhado entre os habitantes de São Sebastião. No dia 10, depois do meio-dia, viu-se algumas velas que se dirigiam para a entrada do porto; em pouco tempo pôde-se distinguir a sua nacionalidade. Todos os navios traziam o pavilhão francês.
O governador D. Francisco de Castro, não esperando da parte dos franceses senão hostilidades, já por cobiçarem as inumeráveis riquezas minerais, descobertas nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, já pelo assassinato cometido na pessoa do Almirante Du Clerc, deu ordens para que as fortalezas do porto e a guarnição fizessem todo o possível para impedir a entrada da esquadra inimiga.
Toda a tarde do dia 10, e parte da manhã do dia 11, os franceses bordejaram fora da barra e do alcance da artilharia dos fortes. O seu prudente chefe, o Almirante Duguay-Trouin, não queria aventurar a sorte da esquadra debaixo de seu comando, em um ataque mal dirigido, e onde não visse um feliz êxito; assim esperava ele um vento favorável para poder entrar com vantagem no porto. Às 8 horas da manhã principiou a soprar da parte do sul um vento rijo e forte. Duguay-Trouin faz sinal a toda a sua esquadra para que o siga, e ele, pondo-se à sua frente, dirige a proa de seu navio para a entrada da barra.
As pessoas que viam das iminências e arredores da baía o aspecto hostil que tomava a esquadra inimiga, esperavam com ansiedade o êxito do combate.
As fortalezas e fortes abriram o fogo, porém a esquadra continuava a sua marcha. A capitania foi a primeira que sofreu o fogo dos fortes; uma chuva de balas caía ao redor dela e fazia ferver o mar; os artilheiros franceses, como morrões acesos, esperavam com impaciência o momento do combate. Duguay-Trouin, depois de estudar a posição de toda a sua esquadra, manda fazer sinal para que ela abra o seu fogo, e embocando a sua buzina de comandante, solta estas palavras há muito esperadas: – Fogo! fogo de bombordo e estibordo!!
Uma detonação terrível se ajuntou ao concerto infernal. Toda a esquadra seguiu o exemplo.
– Assim! assim! meu bravos!.. sustentem o fogo; que um turbilhão de fumaça nos oculte à artilharia dos fortes!
Uma fumaça densa e branca ocultou aos olhos dos espectadores a cena do combate; porém eles ainda podiam conhecer que a esquadra continuava a avançar.
Um mancebo de alta estatura, que comandava uma das companhias postadas no Forte do Calabouço, via com impaciência que a esquadra francesa penetrava no porto, e que os navios de guerra portugueses estavam estacionários.
– Ah! que não esteja eu dentro de uma daquelas Naus! Então; enquanto uma só tábua estivesse unida a outra, eu defenderia a entrada do porto!... Agora é que eles principiam a suspender ferro!... mas já é tarde!!... Oh! e eu nada posso!!...
Henrique tinha razão. A esquadra portuguesa foi lenta em seu movimento; e quando ela quis impedir a marcha vitoriosa da esquadra francesa, foi tarde.
Duguay-Trouin atravessou toda a baía, fazendo continuadamente fogo, e com pouco custo apoderou-se da Ilha das Cobras, aonde desembarcou.
Henrique, temendo o bombardeamento da cidade pela esquadra francesa e Fortaleza da Ilha das Cobras, pede licença ao comandante de seu batalhão, por um instante, para ir pôr em segurança a sua querida irmã Henriqueta.
Henriqueta e Henrique moravam em uma casa com frente para o mar e, por conseguinte, exposta ao fogo inimigo. Henrique sobe apressadamente as escadas de sua casa e encontra a sua cara irmã muito assustada. Ela lança-se nos braços de seu irmão e oculta as suas belas faces no peito deste.
Ambos amantes, ambos órfãos, viviam estes dois irmãos. Henrique tinha 16 anos e Henriqueta 10 quando perderam seu pai; a vinda de Henriqueta ao mundo tinha custado a vida à sua mãe... Infelizes!...
Henrique sentia por esta única pessoa de sua família o amor sagrado e puro de um irmão; amor sem tempestade e egoísmo.
– Henrique, diz Henriqueta, eu tenho medo destes tiros!...
– Não tenhas medo.
– Tu queres que eu não tenha medo?! ah! mas eu não posso, eu tremo!
– Sossega, minha cara irmã; vai ajuntar alguma roupa tua para sairmos desta casa.
– Sim, sim eu vou... Vê, vê Henrique, aquele navio que ainda vem fazendo fogo!? – e ela apontava para um dos navios franceses que cobriam a retaguarda da esquadra, e que ainda não tinha lançado ferro.
– Ele se há de cansar. Vai aprontar a tua roupa.
Henriqueta caminhava para seu quarto, quando uma bala, atravessando a parede, passa assobiando por diante dela.
– Ah! Henrique!!...
Ambos ficaram pálidos como a morte. Henrique sustém sua irmã meio desfalecida, e a conduz para uma cadeira.
– Minha irmã, cobra alento, não te assustes.
– Henrique, eu tenho medo!!...
Uma pancada forte e seca fez este voltar a cabeça, e ver ao mesmo tempo uma das janelas, que estavam bem fechadas, fazer-se em mil pedaços, e uma bala, batendo em sua irmã, atirá-la no chão toda ensanguentada!
– Henrique, adeus!... (foram as últimas palavras que proferiu esta desgraçada.) E Henrique?
Oh! eu não posso pintar o seu desespero. Ele levantava a sua irmã em seus braços,
beijava as suas faces já frias, procurava reanimá-las; dirigia preces ao céu, para que lha restituísse; levantava os braços para a esquadra francesa em sinal de maldição... Oh! como não devia ele sofrer!...
– Infames assassinos! dizia ele, infames! ah eu juro pelo frio corpo de minha irmã, de vingar-me! ah! sim, tremei!...
Henrique não pôde por muito tempo resistir ao terrível choque, que feriu repentinamente a mais cara afeição de sua alma, ele caiu desmaiado junto de Henriqueta.
Alguns de seus amigos, procurando-o, acharam-no neste estado e com muito custo conseguiram que ele recuperasse os sentidos. Henrique não deu mais uma só palavra, porém via-se no seu olhar frio e brilhante que uma só ideia o preocupava.
Quando ele acompanhou o corpo de sua irmã para a sua última morada, antes que o túmulo os separasse para sempre, chegou-se para ela, e dando-lhe um beijo, disse-lhe com voz trêmula:
– Henriqueta, tu serás vingada!...
D. Francisco de Castro vendo os franceses senhores da Fortaleza da Ilha das Cobras, retirou-se para Mata-Porcos, e de lá expedia as ordens para a defesa da cidade.
Duguay-Trouin lhe enviou uma nota, pedindo satisfação pela morte de Du Clerc e a entrega de seus assassinos. D. Francisco de Castro recusou ambas as coisas, e então começaram de novo as hostilidades.
A noite de 21 a 22 de setembro foi uma noite de horror. Nuvens de uma cor medonha se estendiam como um manto por todo o firmamento, e de entre as vagas do mar se ouvia um mugido triste e sinistro. Os gritos de – alerta! bom quarto! – que os sentinelas e marinheiros enviavam uns aos outros só interrompiam este lúgubre silêncio.
meia noite, o almirante francês, seguido de grande número dos seus, desce com precaução para uma das praias que cercam a fortaleza, onde já estavam prontos alguns lanchões, e manda embarcar a sua gente, e lhes ordena que tomem por abordagem a esquadra portuguesa.
– A noite está escura, diz o almirante, ela nos favorece. Marinheiros franceses, fazei o vosso dever!
Os lanchões partem; o almirante sobe para a fortaleza e manda apontar toda a sua bateria para a cidade.
As sentinelas postadas nas praias da cidade viam ao longe um rastilho luminoso, causado pela ardentia do mar, e uma sombra negra, que os precedia; porém não ouvindo bulha de remos, não desconfiaram ser surpresa alguma da parte dos inimigos.
Os franceses para melhor ocultarem a sua empresa tinham envolto os remos com pano, e assim caminhavam silenciosamente.
A fortuna teria coroado a sua tentativa, se um forte relâmpago não viesse mostrar aos portugueses o perigo que os ameaçava. Os soldados gritam às armas, e uma descarga de mosquetaria de uma das naus faz retroceder os lanchões franceses. Foi este o sinal do combate.
As baterias da Ilha das Cobras principiaram a fazer fogo sobre a cidade, a esquadra seguiu o exemplo: os navios portugueses atiraram sobre os franceses, porém sem se aproximarem, por estarem estes cobertos com a artilharia da fortaleza. O estampido do trovão, então em todo o seu furor, a luz dos relâmpagos, os tiros de uma numerosa artilharia e os gritos das pessoas, que fugiam espavoridas de suas habitações, faziam um todo horrível.
Todo o povo fugia atropeladamente para fora da cidade; a mesma guarnição abandonou os seus postos: a noite ocultou aos franceses o abandono da cidade.
Uma só pessoa não fugia com os outros: via-se que com infatigável vigor carregava barris do Forte do Calabouço para sua casa: esta pessoa era Henrique.
– Aonde vais, Henrique, gritaram os seus companheiros, que já tinham abandonado as armas para correrem com maior presteza; aonde vais? Vem conosco; daqui a pouco tudo estará reduzido a ruínas e cinzas; vem.
– Não! respondeu Henrique; ainda não vinguei Henriqueta: e ele continuava no seu porfiado trabalho.
* * * * * * * * * * * * * * *
Depois de quatro horas de um continuado fogo, Duguay-Trouin à frente dos seus desembarca na cidade. Um silêncio de morte reinava por toda a parte! As ruas estavam em algumas partes impraticáveis pela queda de edifícios abatidos pelas balas. Aqui e ali viam-se cadáveres de diversas pessoas que a morte tinha surpreendido na sua fuga.
– Saque! Saque!! gritavam os soldados franceses.
Todo o cuidado do almirante foi infrutífero para impedir o saque. Os soldados corriam desenfreados pelas ruas. Um grupo deles tendo no meio Henrique aproxima-se a Duguay-Trouin, e lhe entregam o que eles dizem prisioneiro.
– Como te chamas? pergunta o Almirante.
– Henrique.
– Por que não fugiste com os teus compatriotas?
– Porque amo os franceses; e porque sem mim eles não encontrariam um imenso tesouro.
– Um imenso tesouro! E onde está ele?
– Se vós me prometeis metade, a outra é vossa; e eu também exijo que me leveis para França.
Um sorriso imperceptível correu pelos seus lábios.
– Eu exijo que me acompanhe uma força de pelo menos 50 homens, pois desconfio que haja oposição.
Duguay-Trouin dá ordem a uma companhia que acompanhe Henrique, e recomenda todo o cuidado ao chefe que a comanda, porém ele deixa-se ficar.
– Não vindes, senhor? lhe diz Henrique.
– Não, o capitão que comanda os meus é mais que suficiente para esta expedição. Henrique viu a sua principal vítima escapar-se; mas ele levava 50 atrás de si. Acompanhado dos soldados encaminha-se para a sua casa, depois de ter penetrado no interior, volta-se para o capitão e diz:
– Senhor, mandai que dois soldados guardem a porta, e que todos os outros nos acompanhem.
– Até aqui, replica o capitão, eu vos tenho seguido sem hesitar, porém permiti que eu agora tome algumas precauções. Camarada, continua o capitão voltando-se para um soldado; ficareis ao lado deste homem, e ao menor sinal de traição cravai a vossa espada no seu coração. Agora podeis conduzir-nos.
Henrique, tendo de um lado o capitão e do outro o soldado com a espada desembainhada, e abrindo a porta faz ver uma grande quantidade de barris.
– Eis aqui o tesouro! diz ele.
O capitão desce, e vê com espanto que todos os barris estavam cheios de pólvora.
– Traição! Traição! gritam todos.
O soldado que estava junto de Henrique quer atravessá-lo com a espada; porém este saltando para cima de um barril e puxando por uma pistola diz:
– Henriqueta eu te vingo!! e disparando a pistola para dentro de um dos barris, comunica o fogo a esta quantidade enorme de pólvora!!
Uma forte explosão se ouviu, e uma coluna imensa de fogo, paus e corpos humanos, subiu até às nuvens!!! Toda a cidade tremeu.
Henrique e os 50 homens que o acompanharam todos morreram!
Um mês depois Duguay-Trouin partiu para França levando consigo 4 naus, 6 fragatas, 60 navios do comércio português e 600 mil cruzados; porém não gozou de todas estas presas feitas no Brasil. Uma grande tempestade destroçou, antes de chegar à França, grande parte da sua esquadra.
A Providência castigou a França por ter querido invadir a América...
Na manhã do dia 11 de setembro de 1711, os sinos da Igreja da Sé, situada no morro do Castelo, e os tambores dos regimentos de milícias tocaram a rebate. O povo corria atemorizado pelas ruas da cidade; uns dirigiam-se para o Castelo e outras eminências da cidade, e os mais timoratos corriam para as suas casas. Os soldados de milícias, saindo fardados e armados de suas habitações, dirigiam-se com a pressa que lhes permitia o seu armamento, para se reunirem aos seus respectivos corpos. A guarnição portuguesa, desde o dia 10 já estava sobre pé, e se tinha postado no prolongamento da costa, compreendida entre o Forte do Calabouço e o Saco do Alferes. O ruído das armas, os pesados passos dos soldados, o surdo rodar das carretas das peças de artilharia, o som do clarim, tudo enfim atemorizava as almas fracas, ao mesmo tempo que incutia valor nos peitos valentes e destemidos.
O povo, que coroava o morro do Castelo, podia distinguir com facilidade uma esquadra que bordejava fora da barra: era ela a causa do terror espalhado entre os habitantes de São Sebastião. No dia 10, depois do meio-dia, viu-se algumas velas que se dirigiam para a entrada do porto; em pouco tempo pôde-se distinguir a sua nacionalidade. Todos os navios traziam o pavilhão francês.
O governador D. Francisco de Castro, não esperando da parte dos franceses senão hostilidades, já por cobiçarem as inumeráveis riquezas minerais, descobertas nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, já pelo assassinato cometido na pessoa do Almirante Du Clerc, deu ordens para que as fortalezas do porto e a guarnição fizessem todo o possível para impedir a entrada da esquadra inimiga.
Toda a tarde do dia 10, e parte da manhã do dia 11, os franceses bordejaram fora da barra e do alcance da artilharia dos fortes. O seu prudente chefe, o Almirante Duguay-Trouin, não queria aventurar a sorte da esquadra debaixo de seu comando, em um ataque mal dirigido, e onde não visse um feliz êxito; assim esperava ele um vento favorável para poder entrar com vantagem no porto. Às 8 horas da manhã principiou a soprar da parte do sul um vento rijo e forte. Duguay-Trouin faz sinal a toda a sua esquadra para que o siga, e ele, pondo-se à sua frente, dirige a proa de seu navio para a entrada da barra.
As pessoas que viam das iminências e arredores da baía o aspecto hostil que tomava a esquadra inimiga, esperavam com ansiedade o êxito do combate.
As fortalezas e fortes abriram o fogo, porém a esquadra continuava a sua marcha. A capitania foi a primeira que sofreu o fogo dos fortes; uma chuva de balas caía ao redor dela e fazia ferver o mar; os artilheiros franceses, como morrões acesos, esperavam com impaciência o momento do combate. Duguay-Trouin, depois de estudar a posição de toda a sua esquadra, manda fazer sinal para que ela abra o seu fogo, e embocando a sua buzina de comandante, solta estas palavras há muito esperadas: – Fogo! fogo de bombordo e estibordo!!
Uma detonação terrível se ajuntou ao concerto infernal. Toda a esquadra seguiu o exemplo.
– Assim! assim! meu bravos!.. sustentem o fogo; que um turbilhão de fumaça nos oculte à artilharia dos fortes!
Uma fumaça densa e branca ocultou aos olhos dos espectadores a cena do combate; porém eles ainda podiam conhecer que a esquadra continuava a avançar.
Um mancebo de alta estatura, que comandava uma das companhias postadas no Forte do Calabouço, via com impaciência que a esquadra francesa penetrava no porto, e que os navios de guerra portugueses estavam estacionários.
– Ah! que não esteja eu dentro de uma daquelas Naus! Então; enquanto uma só tábua estivesse unida a outra, eu defenderia a entrada do porto!... Agora é que eles principiam a suspender ferro!... mas já é tarde!!... Oh! e eu nada posso!!...
Henrique tinha razão. A esquadra portuguesa foi lenta em seu movimento; e quando ela quis impedir a marcha vitoriosa da esquadra francesa, foi tarde.
Duguay-Trouin atravessou toda a baía, fazendo continuadamente fogo, e com pouco custo apoderou-se da Ilha das Cobras, aonde desembarcou.
Henrique, temendo o bombardeamento da cidade pela esquadra francesa e Fortaleza da Ilha das Cobras, pede licença ao comandante de seu batalhão, por um instante, para ir pôr em segurança a sua querida irmã Henriqueta.
Henriqueta e Henrique moravam em uma casa com frente para o mar e, por conseguinte, exposta ao fogo inimigo. Henrique sobe apressadamente as escadas de sua casa e encontra a sua cara irmã muito assustada. Ela lança-se nos braços de seu irmão e oculta as suas belas faces no peito deste.
Ambos amantes, ambos órfãos, viviam estes dois irmãos. Henrique tinha 16 anos e Henriqueta 10 quando perderam seu pai; a vinda de Henriqueta ao mundo tinha custado a vida à sua mãe... Infelizes!...
Henrique sentia por esta única pessoa de sua família o amor sagrado e puro de um irmão; amor sem tempestade e egoísmo.
– Henrique, diz Henriqueta, eu tenho medo destes tiros!...
– Não tenhas medo.
– Tu queres que eu não tenha medo?! ah! mas eu não posso, eu tremo!
– Sossega, minha cara irmã; vai ajuntar alguma roupa tua para sairmos desta casa.
– Sim, sim eu vou... Vê, vê Henrique, aquele navio que ainda vem fazendo fogo!? – e ela apontava para um dos navios franceses que cobriam a retaguarda da esquadra, e que ainda não tinha lançado ferro.
– Ele se há de cansar. Vai aprontar a tua roupa.
Henriqueta caminhava para seu quarto, quando uma bala, atravessando a parede, passa assobiando por diante dela.
– Ah! Henrique!!...
Ambos ficaram pálidos como a morte. Henrique sustém sua irmã meio desfalecida, e a conduz para uma cadeira.
– Minha irmã, cobra alento, não te assustes.
– Henrique, eu tenho medo!!...
Uma pancada forte e seca fez este voltar a cabeça, e ver ao mesmo tempo uma das janelas, que estavam bem fechadas, fazer-se em mil pedaços, e uma bala, batendo em sua irmã, atirá-la no chão toda ensanguentada!
– Henrique, adeus!... (foram as últimas palavras que proferiu esta desgraçada.) E Henrique?
Oh! eu não posso pintar o seu desespero. Ele levantava a sua irmã em seus braços,
beijava as suas faces já frias, procurava reanimá-las; dirigia preces ao céu, para que lha restituísse; levantava os braços para a esquadra francesa em sinal de maldição... Oh! como não devia ele sofrer!...
– Infames assassinos! dizia ele, infames! ah eu juro pelo frio corpo de minha irmã, de vingar-me! ah! sim, tremei!...
Henrique não pôde por muito tempo resistir ao terrível choque, que feriu repentinamente a mais cara afeição de sua alma, ele caiu desmaiado junto de Henriqueta.
Alguns de seus amigos, procurando-o, acharam-no neste estado e com muito custo conseguiram que ele recuperasse os sentidos. Henrique não deu mais uma só palavra, porém via-se no seu olhar frio e brilhante que uma só ideia o preocupava.
Quando ele acompanhou o corpo de sua irmã para a sua última morada, antes que o túmulo os separasse para sempre, chegou-se para ela, e dando-lhe um beijo, disse-lhe com voz trêmula:
– Henriqueta, tu serás vingada!...
D. Francisco de Castro vendo os franceses senhores da Fortaleza da Ilha das Cobras, retirou-se para Mata-Porcos, e de lá expedia as ordens para a defesa da cidade.
Duguay-Trouin lhe enviou uma nota, pedindo satisfação pela morte de Du Clerc e a entrega de seus assassinos. D. Francisco de Castro recusou ambas as coisas, e então começaram de novo as hostilidades.
A noite de 21 a 22 de setembro foi uma noite de horror. Nuvens de uma cor medonha se estendiam como um manto por todo o firmamento, e de entre as vagas do mar se ouvia um mugido triste e sinistro. Os gritos de – alerta! bom quarto! – que os sentinelas e marinheiros enviavam uns aos outros só interrompiam este lúgubre silêncio.
meia noite, o almirante francês, seguido de grande número dos seus, desce com precaução para uma das praias que cercam a fortaleza, onde já estavam prontos alguns lanchões, e manda embarcar a sua gente, e lhes ordena que tomem por abordagem a esquadra portuguesa.
– A noite está escura, diz o almirante, ela nos favorece. Marinheiros franceses, fazei o vosso dever!
Os lanchões partem; o almirante sobe para a fortaleza e manda apontar toda a sua bateria para a cidade.
As sentinelas postadas nas praias da cidade viam ao longe um rastilho luminoso, causado pela ardentia do mar, e uma sombra negra, que os precedia; porém não ouvindo bulha de remos, não desconfiaram ser surpresa alguma da parte dos inimigos.
Os franceses para melhor ocultarem a sua empresa tinham envolto os remos com pano, e assim caminhavam silenciosamente.
A fortuna teria coroado a sua tentativa, se um forte relâmpago não viesse mostrar aos portugueses o perigo que os ameaçava. Os soldados gritam às armas, e uma descarga de mosquetaria de uma das naus faz retroceder os lanchões franceses. Foi este o sinal do combate.
As baterias da Ilha das Cobras principiaram a fazer fogo sobre a cidade, a esquadra seguiu o exemplo: os navios portugueses atiraram sobre os franceses, porém sem se aproximarem, por estarem estes cobertos com a artilharia da fortaleza. O estampido do trovão, então em todo o seu furor, a luz dos relâmpagos, os tiros de uma numerosa artilharia e os gritos das pessoas, que fugiam espavoridas de suas habitações, faziam um todo horrível.
Todo o povo fugia atropeladamente para fora da cidade; a mesma guarnição abandonou os seus postos: a noite ocultou aos franceses o abandono da cidade.
Uma só pessoa não fugia com os outros: via-se que com infatigável vigor carregava barris do Forte do Calabouço para sua casa: esta pessoa era Henrique.
– Aonde vais, Henrique, gritaram os seus companheiros, que já tinham abandonado as armas para correrem com maior presteza; aonde vais? Vem conosco; daqui a pouco tudo estará reduzido a ruínas e cinzas; vem.
– Não! respondeu Henrique; ainda não vinguei Henriqueta: e ele continuava no seu porfiado trabalho.
* * * * * * * * * * * * * * *
Depois de quatro horas de um continuado fogo, Duguay-Trouin à frente dos seus desembarca na cidade. Um silêncio de morte reinava por toda a parte! As ruas estavam em algumas partes impraticáveis pela queda de edifícios abatidos pelas balas. Aqui e ali viam-se cadáveres de diversas pessoas que a morte tinha surpreendido na sua fuga.
– Saque! Saque!! gritavam os soldados franceses.
Todo o cuidado do almirante foi infrutífero para impedir o saque. Os soldados corriam desenfreados pelas ruas. Um grupo deles tendo no meio Henrique aproxima-se a Duguay-Trouin, e lhe entregam o que eles dizem prisioneiro.
– Como te chamas? pergunta o Almirante.
– Henrique.
– Por que não fugiste com os teus compatriotas?
– Porque amo os franceses; e porque sem mim eles não encontrariam um imenso tesouro.
– Um imenso tesouro! E onde está ele?
– Se vós me prometeis metade, a outra é vossa; e eu também exijo que me leveis para França.
Um sorriso imperceptível correu pelos seus lábios.
– Eu exijo que me acompanhe uma força de pelo menos 50 homens, pois desconfio que haja oposição.
Duguay-Trouin dá ordem a uma companhia que acompanhe Henrique, e recomenda todo o cuidado ao chefe que a comanda, porém ele deixa-se ficar.
– Não vindes, senhor? lhe diz Henrique.
– Não, o capitão que comanda os meus é mais que suficiente para esta expedição. Henrique viu a sua principal vítima escapar-se; mas ele levava 50 atrás de si. Acompanhado dos soldados encaminha-se para a sua casa, depois de ter penetrado no interior, volta-se para o capitão e diz:
– Senhor, mandai que dois soldados guardem a porta, e que todos os outros nos acompanhem.
– Até aqui, replica o capitão, eu vos tenho seguido sem hesitar, porém permiti que eu agora tome algumas precauções. Camarada, continua o capitão voltando-se para um soldado; ficareis ao lado deste homem, e ao menor sinal de traição cravai a vossa espada no seu coração. Agora podeis conduzir-nos.
Henrique, tendo de um lado o capitão e do outro o soldado com a espada desembainhada, e abrindo a porta faz ver uma grande quantidade de barris.
– Eis aqui o tesouro! diz ele.
O capitão desce, e vê com espanto que todos os barris estavam cheios de pólvora.
– Traição! Traição! gritam todos.
O soldado que estava junto de Henrique quer atravessá-lo com a espada; porém este saltando para cima de um barril e puxando por uma pistola diz:
– Henriqueta eu te vingo!! e disparando a pistola para dentro de um dos barris, comunica o fogo a esta quantidade enorme de pólvora!!
Uma forte explosão se ouviu, e uma coluna imensa de fogo, paus e corpos humanos, subiu até às nuvens!!! Toda a cidade tremeu.
Henrique e os 50 homens que o acompanharam todos morreram!
Um mês depois Duguay-Trouin partiu para França levando consigo 4 naus, 6 fragatas, 60 navios do comércio português e 600 mil cruzados; porém não gozou de todas estas presas feitas no Brasil. Uma grande tempestade destroçou, antes de chegar à França, grande parte da sua esquadra.
A Providência castigou a França por ter querido invadir a América...
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* René Trouin, melhor conhecido como René Duguay-Trouin mas também grafado como Du Guay-Trouin (Saint-Malo, 10 de junho de 1673 — Paris, 27 de setembro de 1736), foi um corsário francês. Alcançou o posto de almirante e de comandante na Ordem de São Luís.
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