Os títulos dos poemas são de versos de Mário Quintana in "A rua dos Cataventos".
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ESTÃO PARADAS COMO NOS VITRAIS
Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.
A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.
Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,
Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
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EU PINTAVA TREZENTOS ARCO-ÍRIS
Pintaria trezentos arco-íris
No céu de chumbo desse teu futuro
Para que ele não fosse tão escuro
E alegre com a sorte, tu te rires.
É tempo de a tristeza despedires
De veres o que está além do muro
E que o teu sol rebrilhe, grande e puro
Para que à luz te vejas e te admires.
A chuva misturada com o pranto
Vai, da alma, lavar o desencanto
Que em dias já passados tu tiveste.
Enfrenta cada dia sem temer
Que a vida só te paga com prazer
Aquilo que primeiro tu lhe deste.
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FORAM LEVANDO QUALQUER COISA MINHA
Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.
De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.
Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,
E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
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SOBRE A MARGEM TRANQUILA DE UM AÇUDE
Sobre a margem tranquila de um fresco açude
Fez uma pausa longa o Tempo, a acalmar
Exausto de correr sempre a vindimar
Risos, vontades, crenças e juventude.
Também eu me detive nessa atitude
De conceder a mim mesmo esse vagar
Vergando-me ante mim, não sendo eu altar
Num gesto de humildade que me desnude.
Temos andado os dois sempre de mãos dadas
Desperdiçando as horas, que são sagradas
Em correrias loucas e sem sentido.
Vejo agora que me expus ao grave risco
De fazer desta vida um pequeno cisco
E chegar ao fim sem nunca ter vivido.
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TU DEIXASTE A LEITURA INTERROMPIDA
Tu deixaste a leitura interrompida
Nas linhas de um parágrafo qualquer
Quando foste atender uma mulher
Que à porta perguntava por guarida.
O livro que tu lias era a vida
Prosseguir a leitura era mister
Mas tu, que sempre acolhes quem vier
Disseste que a visita era querida.
Não lhe viste esse olhar desfigurado
Nem a foice cravada no cajado
Quando ela em tua casa se instalou.
Para te dar trouxe as trevas e um açoite
E ao partir, logo nessa mesma noite
Com ela, de mãos dadas, te levou…
Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.
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