domingo, 9 de janeiro de 2022

Lima Barreto (Coisas de "mafuá")

 - Mas, onde esteve você, Jaime?

- Onde estive?

- Sim! Onde você esteve?

- Estive no xadrez.

- Como?

- Por causa de você.

- Por minha causa? Explique-se, vá!

- Desde que você se meteu como barraqueiro do imponente Bento, consultor técnico do “mafuá" (*feira, mercado) do padre A, que o azar me persegue.

- Então eu havia de deixar de ganhar uns "cobres"?

- Não sei! A verdade, porém, é que essas relações entre você, Bento e "mafuá" trouxeram-me urucubaca. Não se lembra você da questão do pau?

- Isto foi há tanto tempo!... Demais o Capitão Bento nada tinha a ver com o caso. Ele só pagou para derrubar a arvore; mas você...

- Vendi o pau, para lenha, é verdade. Uma coisa à toa de que você fez um “lelé” medonho e, por causa, quase nós brigamos.

- Mas o capitão não tinha nada com o caso.

- À vista de todos, não! Mas foi o azar dele que envenenou a questão.

- Qual, azar! Qual nada! O capitão tem os seus "quandos" e não há negócios que se meta, que não lhe renda bastante.

- Isto é para ele, mas para os outros que se metem com ele, sempre a roda desanda.

- Comigo não se tem dado isso.

- Como não?

- Sim. Tenho ganho "algum" - como posso me queixar?

- Grande coisa! O dinheiro que ele te dá, não serve pra nada. Mal vem, logo vai.

- A culpa é minha que o gasto, mas do que não é minha culpa - fique você sabendo - é que você tenha sido metido no xadrez.

- Pois foi. Domingo, anteontem, não fui ao "mafuá" de você?

- Meu, não! É do padre ou da irmandade.

- De você, do padre, da irmandade, do Bento ou de quem quer que seja, o certo é que lá fui e caí na asneira de jogar na tua barraca.

- Homessa! Você foi até feliz!... Tirou uma galinha! Não foi?

- Tirei! É verdade, mas a galinha do "mafuá" foi que me levou a visitar o xadrez.

- Qual o quê!

- Foi, Pena! Eu não tirei a "indrômita" à última hora?

- Tirou, e não vi você mais.

- Tentei passá-la ao Bento, por três mil-réis, como era costume, mas ele não quis aceitar.

- Por força! A galinha já tinha sido resgatada três ou quatro vezes, não ficava bem...

- A questão, porém, não é essa. Comprei A Noite, embrulhei nela a galinha e tomei o bonde para Madureira. No meio da viagem, o bicho começou a cacarejar. Tentei acalmar o animal, ele porém, não estava pelos autos e continuou: "crá-crá-cá, cró-cró-có". Os passageiros caem na gargalhada, e o condutor me põe fora do bonde e, tenho eu que acabar a viagem a pé.

- Até aí...

- Espere. O papel estava despedaçado e, também, para maior comodidade, resolvi carregar a galinha pelos pés. Ia assim, quando me surge pela frente a "canoa" dos agentes. Suspeitaram da proveniência da galinha, não quiseram acreditar que eu a tivesse tirado do "mafuá". E, sem mais aquela, fui levado para o distrito e metido no xadrez, como ladrão de galinheiros. Iria para a "central", para a colônia, se não fosse ter aparecido o caro Bernardino que me conhecia, e afiançou que eu não era vasculhador de quintais, à alta hora da noite.

- Mas que tem isso com o “mafuá"?

- Muita coisa: vocês deviam fazer a coisa clara. Dar logo o dinheiro de prêmio e não galinhas, bodes, carneiros, patos e outros bicharocos que, carregados alta noite, fazem a polícia tome um qualquer por ladrão... Eis aí!

 Fonte:
Lima Barreto. Marginália (obra póstuma), 1953. Crônica de 1921.

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