- Mas, onde esteve você, Jaime?
- Onde estive?
- Sim! Onde você esteve?
- Estive no xadrez.
- Como?
- Por causa de você.
- Por minha causa? Explique-se, vá!
- Desde que você se meteu como barraqueiro do imponente Bento, consultor técnico do “mafuá" (*feira, mercado) do padre A, que o azar me persegue.
- Então eu havia de deixar de ganhar uns "cobres"?
- Não sei! A verdade, porém, é que essas relações entre você, Bento e "mafuá" trouxeram-me urucubaca. Não se lembra você da questão do pau?
- Isto foi há tanto tempo!... Demais o Capitão Bento nada tinha a ver com o caso. Ele só pagou para derrubar a arvore; mas você...
- Vendi o pau, para lenha, é verdade. Uma coisa à toa de que você fez um “lelé” medonho e, por causa, quase nós brigamos.
- Mas o capitão não tinha nada com o caso.
- À vista de todos, não! Mas foi o azar dele que envenenou a questão.
- Qual, azar! Qual nada! O capitão tem os seus "quandos" e não há negócios que se meta, que não lhe renda bastante.
- Isto é para ele, mas para os outros que se metem com ele, sempre a roda desanda.
- Comigo não se tem dado isso.
- Como não?
- Sim. Tenho ganho "algum" - como posso me queixar?
- Grande coisa! O dinheiro que ele te dá, não serve pra nada. Mal vem, logo vai.
- A culpa é minha que o gasto, mas do que não é minha culpa - fique você sabendo - é que você tenha sido metido no xadrez.
- Pois foi. Domingo, anteontem, não fui ao "mafuá" de você?
- Meu, não! É do padre ou da irmandade.
- De você, do padre, da irmandade, do Bento ou de quem quer que seja, o certo é que lá fui e caí na asneira de jogar na tua barraca.
- Homessa! Você foi até feliz!... Tirou uma galinha! Não foi?
- Tirei! É verdade, mas a galinha do "mafuá" foi que me levou a visitar o xadrez.
- Qual o quê!
- Foi, Pena! Eu não tirei a "indrômita" à última hora?
- Tirou, e não vi você mais.
- Tentei passá-la ao Bento, por três mil-réis, como era costume, mas ele não quis aceitar.
- Por força! A galinha já tinha sido resgatada três ou quatro vezes, não ficava bem...
- A questão, porém, não é essa. Comprei A Noite, embrulhei nela a galinha e tomei o bonde para Madureira. No meio da viagem, o bicho começou a cacarejar. Tentei acalmar o animal, ele porém, não estava pelos autos e continuou: "crá-crá-cá, cró-cró-có". Os passageiros caem na gargalhada, e o condutor me põe fora do bonde e, tenho eu que acabar a viagem a pé.
- Até aí...
- Espere. O papel estava despedaçado e, também, para maior comodidade, resolvi carregar a galinha pelos pés. Ia assim, quando me surge pela frente a "canoa" dos agentes. Suspeitaram da proveniência da galinha, não quiseram acreditar que eu a tivesse tirado do "mafuá". E, sem mais aquela, fui levado para o distrito e metido no xadrez, como ladrão de galinheiros. Iria para a "central", para a colônia, se não fosse ter aparecido o caro Bernardino que me conhecia, e afiançou que eu não era vasculhador de quintais, à alta hora da noite.
- Mas que tem isso com o “mafuá"?
- Muita coisa: vocês deviam fazer a coisa clara. Dar logo o dinheiro de prêmio e não galinhas, bodes, carneiros, patos e outros bicharocos que, carregados alta noite, fazem a polícia tome um qualquer por ladrão... Eis aí!
- Onde estive?
- Sim! Onde você esteve?
- Estive no xadrez.
- Como?
- Por causa de você.
- Por minha causa? Explique-se, vá!
- Desde que você se meteu como barraqueiro do imponente Bento, consultor técnico do “mafuá" (*feira, mercado) do padre A, que o azar me persegue.
- Então eu havia de deixar de ganhar uns "cobres"?
- Não sei! A verdade, porém, é que essas relações entre você, Bento e "mafuá" trouxeram-me urucubaca. Não se lembra você da questão do pau?
- Isto foi há tanto tempo!... Demais o Capitão Bento nada tinha a ver com o caso. Ele só pagou para derrubar a arvore; mas você...
- Vendi o pau, para lenha, é verdade. Uma coisa à toa de que você fez um “lelé” medonho e, por causa, quase nós brigamos.
- Mas o capitão não tinha nada com o caso.
- À vista de todos, não! Mas foi o azar dele que envenenou a questão.
- Qual, azar! Qual nada! O capitão tem os seus "quandos" e não há negócios que se meta, que não lhe renda bastante.
- Isto é para ele, mas para os outros que se metem com ele, sempre a roda desanda.
- Comigo não se tem dado isso.
- Como não?
- Sim. Tenho ganho "algum" - como posso me queixar?
- Grande coisa! O dinheiro que ele te dá, não serve pra nada. Mal vem, logo vai.
- A culpa é minha que o gasto, mas do que não é minha culpa - fique você sabendo - é que você tenha sido metido no xadrez.
- Pois foi. Domingo, anteontem, não fui ao "mafuá" de você?
- Meu, não! É do padre ou da irmandade.
- De você, do padre, da irmandade, do Bento ou de quem quer que seja, o certo é que lá fui e caí na asneira de jogar na tua barraca.
- Homessa! Você foi até feliz!... Tirou uma galinha! Não foi?
- Tirei! É verdade, mas a galinha do "mafuá" foi que me levou a visitar o xadrez.
- Qual o quê!
- Foi, Pena! Eu não tirei a "indrômita" à última hora?
- Tirou, e não vi você mais.
- Tentei passá-la ao Bento, por três mil-réis, como era costume, mas ele não quis aceitar.
- Por força! A galinha já tinha sido resgatada três ou quatro vezes, não ficava bem...
- A questão, porém, não é essa. Comprei A Noite, embrulhei nela a galinha e tomei o bonde para Madureira. No meio da viagem, o bicho começou a cacarejar. Tentei acalmar o animal, ele porém, não estava pelos autos e continuou: "crá-crá-cá, cró-cró-có". Os passageiros caem na gargalhada, e o condutor me põe fora do bonde e, tenho eu que acabar a viagem a pé.
- Até aí...
- Espere. O papel estava despedaçado e, também, para maior comodidade, resolvi carregar a galinha pelos pés. Ia assim, quando me surge pela frente a "canoa" dos agentes. Suspeitaram da proveniência da galinha, não quiseram acreditar que eu a tivesse tirado do "mafuá". E, sem mais aquela, fui levado para o distrito e metido no xadrez, como ladrão de galinheiros. Iria para a "central", para a colônia, se não fosse ter aparecido o caro Bernardino que me conhecia, e afiançou que eu não era vasculhador de quintais, à alta hora da noite.
- Mas que tem isso com o “mafuá"?
- Muita coisa: vocês deviam fazer a coisa clara. Dar logo o dinheiro de prêmio e não galinhas, bodes, carneiros, patos e outros bicharocos que, carregados alta noite, fazem a polícia tome um qualquer por ladrão... Eis aí!
Fonte:
Lima Barreto. Marginália (obra póstuma), 1953. Crônica de 1921.
Lima Barreto. Marginália (obra póstuma), 1953. Crônica de 1921.
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