Lançados para longe da pátria pelos movimentos revolucionários que estalaram depois da guerra, o conde Ricardo e o príncipe Romualdo conversavam, displicentes, naquele começo de verão oriental, à sombra do grande plátano do parque do hotel, trocando ideias e fazendo comentários discretos sobre a situação política dos países em que haviam reinado. Estirados nas suas cadeiras de viagem, mostravam, ambos, um profundo desinteresse pelas coisas vulgares do mundo. E era por isso que, de vez em quando, mergulhavam em silêncio profundo, quedando a acompanhar com os olhos, melancólicos e soturnos, as oscilações da fumaça clara que atiravam, preguiçosos, para o ar.
O dia estava morno, quieto, parado, anunciando para a noite uma nova tempestade do Deserto. E era nisso que pensavam os dois fidalgos ilustres, despojos elegantes de dois tronos desmoronados, quando o príncipe começou a seguir com os olhos, uma a uma, as folhas amarelas que se desprendiam da árvore, e que se vinham espalhar no chão, estendendo pelo solo um crespo tapete de topázio. De repente, lançando para o espaço uma nuvem de fumaça cheirosa, o príncipe observou, alisando a barba negra e cerrada:
- Como os homens se assemelham às árvores!...
O conde Ricardo fechou o livro que principiara a ler, e, erguendo para a fronde os seus olhos muito azuis e muito doces, esperou a explicação do companheiro.
E o príncipe continuou:
- Enquanto a árvore está verde, e tem seiva, nenhuma folha o abandona, senão arrancada à força. Venha, porém, o verão, e com ele, a falta de seiva, a decadência da planta, e nenhuma quer ficar mais presa ao ramo!
Compreendendo o símbolo, o conde acentuou, sacudindo, triste, a cabeça leonina:
- São como os amigos...
E o príncipe confirmou:
- São como os amigos...
No silêncio do dia, as folhas, uma a uma, continuavam a cair…
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.
Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.
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