— E agora, meus amigos, se viram bem e suficientemente olharam a moeda, façam a gentileza de entregá-la a mim, valete Albert, para que a torne a colocar no cofre.
Os convidados se entreolharam à espera de que o objeto aparecesse. Olhares interrogadores. A moeda não aparecia.
— Não é possível que se haja extraviado. — assegurou lorde Sedgwick, com tranquilidade.
— Eu a vi há um momento na mão de alguém. Ah, sim! Barrow, ela estava com você. Que fez dela?
— Passei-a a outros.
— Bem. Terá corrido para debaixo de alguma fresta.
Enquanto lorde Sedgwick se inclinava para olhar em sua própria cadeira, os demais hóspedes o imitavam.
— Não se incomodem, senhores. — continuou. — Bebamos à nossa saúde e deixemos que Albert a procure quando tivermos saído da sala.
Entretanto, notava-se nele certa preocupação: a moeda era raríssima e a contava entre os mais preciosos espécimes de sua coleção. Por outro lado, os presentes eram seus amigos e pessoas alheias a qualquer suspeita. Por isso se levantou, exclamando com voz alegre, enquanto se dirigia a um pequeno salão ao lado:
— Divirtamo-nos com música alegre, senhores.
* * *
— Encontrou a moeda? — perguntou lorde Sedgwick a seu valete quando este, depois de tê-la procurado, entrou no salãozinho.
— Não, senhor. E estou certo de que a moeda não está na sala de jantar. Levantei a mesa e procurei cuidadosamente em todos os cantos.
— Bem, voltaremos a falar a esse respeito amanhã.
Nesse momento, a voz estridente de um jovem se ouviu:
— Um momento, senhores! — disse. — Essa moeda é um verdadeiro tesouro para a coleção de lorde Sedgwick. Deixaremos que a coisa termine assim? É possível? Não é possível! A moeda desapareceu enquanto passava por nossas mãos. Que pensará disso o proprietário? Não é preciso dizer. Senhores: exceção feita para as senhoras, nós temos a obrigação moral de provar nossa inocência, e peço que me seja permitido esvaziar meus bolsos aqui, em presença de todos. Rogo-lhe, lorde Sedgwick, não se oponha. Peço-lhe isso como um favor!
O jovem Hammerseley era conhecido por todos os presentes: multimilionário, generosíssimo, superior a toda suspeita, desejava que os comensais pudessem demonstrar o mesmo.
Lorde Sedgwick quis protestar.
— Tem inteira razão! — replicou outro hóspede. — Eu próprio não poderei ir tranquilo se este assunto não se decidir.
— As senhoras esperarão aqui. — anunciou o anfitrião. E entrou na sala de jantar.
Ainda não tinha transposto a porta quando seus olhos se fixaram no rosto pálido de lorde Clifford. Este, isolado do grupo, parecia estar sob o peso de um profundo golpe. No vasto refeitório, não existia senão esse rosto pálido, de olhar alucinado, cujos traços finos se descompunham de terror.
A cena era tão triste que lorde Sedgwick se reprovou por ter reclamado a moeda. Mas tudo já estava tão adiantado que era materialmente impossível desistir da busca. Tanto era assim que o senhor Blacke, o hóspede de mais importância aquela noite, já se dispunha a esvaziar os bolsos e deixar-se revistar.
— E agora, meu querido lorde Sedgwick, tenha a gentileza de comprovar o senhor próprio que minha roupa não possui bolsos secretos.
Lorde Sedgwick, como que dominado pelo pedido autoritário do velho senhor, fez o que ele exigia. Depois disse laconicamente:
— Não encontrei nada nos bolsos deste cavalheiro.
E os olhares dos presentes passaram da imponente figura de Blacke à de Clifford. Tinha este o aspecto de uma pessoa que se vê obrigada, contra sua vontade, a submeter-se a algo muito desagradável. De pálido pusera-se lívido. Uma atmosfera de pesadelo flutuava no salão. Para abreviar essa situação desagradável, na qual aparecia implícita a confissão, um dos presentes se adiantou. Mas mal pusera a mão à altura do bolso, lorde Clifford disse com voz alterada:
— Senhores, não duvido que a proposta seja cortês e justa, mas para que tenha verdadeiro valor é necessário que seja cumprida por todos nós. E eu...
Deteve-se. Sua lividez tinha desaparecido.
—E eu, — acrescentou. — não estou disposto a submeter-me a uma prova que considero muitíssimo humilhante. Nossa palavra devia ser suficiente e, por mim, afirmo que não furtei a moeda...
Calou-se um instante e olhou para lorde Sedgwick com tal silenciosa imploração que este se sentiu comovido.
— Os jovens trazem frequentemente nos bolsos fotografias ou cartas que poderiam comprometê-los. É natural que lorde Clifford se oponha a revelar seus segredos pessoais. — interveio Hammerseley. — Escute, Clifford: você não pode sair desta casa desta maneira. Se quer, pode afastar-se com lorde Sedgwick, e nós aguardaremos aqui o resultado da busca.
— Não, eu não tenho nada que fazer nesta casa. Boa noite, senhores.
Ao pronunciar essas palavras, o jovem saiu com a cabeça altaneiramente erguida. Uma hora depois, logo que o valete Albert lhe mostrou a moeda encontrada numa fresta, entre duas mesas do refeitório, lorde Sedgwick dizia ao velho Blacke:
— Temos todos nós a obrigação moral de ir esta noite em busca de lorde Clifford e apresentar-lhe nossas escusas. Embora sem confessá-lo, todos nós pensamos que ele fosse o culpado.
— É verdade! — concordou Blacke. — E eu em primeiro lugar.
O carro do financista, levando a este e a lorde Sedgwick, moveu-se rapidamente para a casa na qual o jovem Clifford recebera, até bem pouco tempo, os seus amigos.
— Lord Clifford já não mora aqui. — disse o porteiro, e só depois de uma boa gorjeta deu a direção do novo domicílio do rapaz.
Para lá se dirigiram os dois cavalheiros e se acharam em frente do mesmo caso: viram-se obrigados a desembolsar outra gorda quantia para destravar a língua do porteiro. Depois de muito andar, acharam-se metidos em um labirinto de ruas pobres e sujas.
— Não é possível que tenha caído tanto. — disse lorde Sedgwick, presa de profunda emoção.
— Temos que subir? — perguntou o senhor Blacke, olhando para um altíssimo casarão.
— Temos que encontrá-lo, embora para isso percamos uma noite de sono.
Subiram uma interminável escada, até onde havia uma porta sem a indicação do nome do locatário.
— Vejo luz. — disse lorde Sedgwick. — Vamos bater.
A porta se abriu e no vão apareceu o próprio lorde Clifford, que, com voz tranquila, disse:
— Boa noite, senhores. Por certeza encontraram a moeda e veem-me dizer, não? Obrigado. Tenham a bondade de entrar.
Era uma casa paupérrima. Sobre uma mesa, ao lado da garrafa de água, havia dois pedaços de pão. O jovem tomara já o seu aspecto desenvolto.
Quando percebeu que lorde Sedgwick olhava a mesa, exclamou:
— O senhor, por certo, não explica a presença deste pão. Eu o furtei de sua mesa e não foi o único que subtraí. Não comia há vinte e quatro horas e, quando me sentei à sua mesa, não tinha lá muita certeza de que amanhã poderia comer novamente. Em presença de antigos e comuns amigos, era humanamente impossível que eu revelasse minha condição...
Calou-se e passou uma mão sobre a fronte. Depois continuou:
— Pedir ajuda a algum amigo? Solicitar um empréstimo do qual eu próprio saberia que não poderia nunca pagar? Um lorde não faz isso. Há seis meses que me oculto, e evito os amigos. Agora, os senhores sabem a verdade e já não tem ela muita importância. Dentro de algumas semanas deixarei Londres. Mas até que o navio não me leve para longe, desejo que todos julguem que sou ainda aquele lorde Clifford que conhecem há anos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Anna Katharine Green (Brooklyn/EUA, 1846 – 1935, Buffalo/EUA) foi uma das primeiras autoras dos Estados Unidos a escrever romances investigativos e se destacou dos contemporâneos pelos enredos bem escritos e legalmente precisos. É considerada a "mãe dos romances investigativos". Ainda criança e adolescente, por conta do trabalho do pai que era advogado, aprendeu bastante sobre lei criminal, investigação e o trabalho da polícia em crimes. Desde cedo mostrava interesse na prosa romântica, tendo se correspondido com Ralph Waldo Emerson. Quando não conseguiu reconhecimento como poeta, ela se dedicou a escrever ficção e em 1878 publicou o livro The Leavenworth Case, que foi um grande sucesso no ano de seu lançamento. Logo ela se tornaria uma autora best-seller, publicando mais de 40 livros. Morreu em sua casa em 1935, em Buffalo, aos 88 anos. O trabalho de Anne que popularizou o estilo no país uma década antes de Arthur Conan Doyle escrever a primeira história de Sherlock Holmes. Anne também leva o crédito por ter escrito histórias de detetive na forma clássica e por desenvolver o conceito de romances em série. Seu principal personagem era o detetive Ebenezer Gryce, da Polícia Metropolitana de Nova Iorque, mas em três romances ele é auxiliado por uma assistente jovem e agitada, chamada Amelia Butterworth. Ela também escreveu histórias de detetives voltadas para o público feminino, com a personagem de Violet Strange, uma debutante com uma vida secreta como detetive. A crítica lhe dedicava boas avaliações, como o fato de trazer para seus enredos a qualidade detetivesca de Agatha Christie e Conan Doyle. Além de criar solteironas idosas e jovens detetives do sexo feminino, os dispositivos inovadores da trama de Anne incluíam cadáveres em bibliotecas, recortes de jornais como "pistas", o trabalho do legista e testemunhas especializadas, peças presentes em qualquer série contemporânea que trabalhe com investigação criminal. Anne era um caso de sucesso feminino em um meio literário dominado por homens, porém não pode ser considerada uma feminista, já que era contra o sufrágio e contra muitos ideais do feminismo.
Fontes:
A Noite Ilustrada, edição de 31 de agosto de 1943. Traduzido e adaptado por autor desconhecido do século XX.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Anna_Katharine_Green
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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