FRUTUOSO PETELECO e Juvenal Carcomido se encontram na praça principal da cidade onde residem. Se cumprimentam, sentam no único banco existente e começam a conversar.
Frutuoso: — Meu velho, você acredita que as minhas segundas-feiras têm gosto de papelão molhado?
Juvenal: — Acredito. As minhas não. Só quando o meu despertador decide dormir mais que eu.
Frutuoso: — Hoje meu café discutiu comigo. O filho de uma rapariga disse que estava exausto de sempre ser o primeiro.
Juvenal: — O meu dejejum fugiu. Entrou num livro de receitas da minha esposa e não saiu mais, pelo menos até a hora em que resolvi botar os pés na rua. Acho que virou sobremesa.
Frutuoso: — E o seu trabalho como anda?
Juvenal: — Uma porcaria. Se eu soubesse fazer outra coisa além de desapartar briga de urubus, caia fora.
Frutuoso: — Já lhe passou pela cabeça enxugar gelo?
Juvenal: — Engraçadinho... apesar de não saber fazer outra coisa que desapartar briga de urubu, ontem preenchi uma planilha chamada "Planilha de Preenchimento da Planilha".
Frutuoso: — Isso é arte contemporânea.
Juvenal: — Ou sobrevivência performática.
Frutuoso: — Vamos mudar de assunto. Já pensou em trocar de banco?
Juvenal: — Melhor não. Se mudarmos de banco, mudamos de conversa.
Frutuoso: — Talvez o banco novo fale francês. Mas alto lá. Se você olhar para os lados, verá que a praça só tem esse banco.
Juvenal: — Verdade. O mais sensato é continuarmos aqui. Voltando à nossa conversa, hoje senti que a manhã estava me observando...
Frutuoso: — A minha não só me olhou, como tentou me convencer que terça-feira não existe. E eu quase acreditei. Faltou pouco...
Juvenal: — Ontem fui ao supermercado comprar um pacote de esquecimento. Só tinha latinha de memória afetiva em promoção.
Frutuoso: — Também fui ao supermercado. Levei uma dessas latinhas. Meia hora depois, estava de volta para devolver. Muito pesado.
Juvenal: — Frutuoso, me responda sem pensar muito: já se sentiu como uma geladeira desligada num deserto?
Frutuoso: — Sim. Principalmente quando recebo e-mails sobre reuniões que não aconteceram.
Juvenal: — O tempo me ligou hoje. Logo pela manhã. Disse que estava cansado de correr. E de ter você colado na aba dele. Não é hilário?
Frutuoso: — O tempo realmente me bloqueou. Disse que eu vivia de ressaca de manhã. Realmente um troço de maluco.
Juvenal: — Vamos lançar um livro?
Frutuoso: — Só se o prefácio for escrito por um poste.
Juvenal: — Hoje cedo mal havia colocado os pés fora da cama, pensei em adotar uma nuvem passageira.
Frutuoso: — E por qual motivo uma nuvem?
Juvenal: — É que ela me pareceu solitária. E disse estar cansada do Hermes Aquino. Desde 1976 esse cantor vem divulgando-a pelo Brasil afora e ela não ganha absolutamente nada.
Frutuoso: — Tem que ver se ela aceita um contrato para trabalhar de chuva alternada. Se não tiver medo, aliás, o mais importante: averiguar minuciosamente se ela não tem receio dos trovões sentimentais.
Juvenal: — Mudando a prosa: Você acredita que a minha sombra pediu demissão ontem? Me disse na lata que não aguentava mais me seguir sem saber para onde eu ia.
Frutuoso: — Acredito sim. A minha fez algo quase igual. Virou autônoma. Abriu uma empresa de abraços em silêncio.
Juvenal: — Tomara que essa nova empreitada dela dê certo. Hoje cedo, quando vinha para cá, topei na porta da farmácia do seu Bizantino com um calendário chorando. Pela história que me contou, acho que ele desconfia que ninguém mais acredita nos dias passados.
Frutuoso: — A nossa geração está ficando pirada. Ontem quando fui na padaria o ventilador de teto piscou para mim. Pode ser impressão minha, flerte, ou pior, só cansaço. Afinal de contas, permanecer o dia todo girando sem parar num espaço enorme sem um minuto de descanso...
Juvenal, mudando de assunto: — Você já conversou com uma cadeira?
Frutuoso: — Claro. Elas são ótimas falantes. Só não gostam de gente indecisa, tipo esses banquinhos de restaurantes onde os frequentadores sentam e levantam como se tivessem um par de marimbondos colados no traseiro.
Juvenal: — Estava pensando em escrever um tratado sobre o não-dito.
Frutuoso: — Boa ideia, Juvenal. Aliás, excelente ideia. Mas pense num detalhe: se você for publicar aqui no jornal local, fale com o Marcos Pena de Galinha Caipira para que ele traga a matéria à público em código Morse...
Juvenal e Frutuoso se levantam do banco ao mesmo tempo. O assento de pedra range silenciosamente e parece se aliviar do peso que suportava.
Juvenal faz um convite: — Escuta aqui, meu amigo Frutuoso. Eu vou dar uma passadinha no dentista. Quer me acompanhar?
Frutuoso: — O que você vai fazer lá?
Juvenal: — Dar uma cantada de leve na Suzana Bico de Papagaio, a secretária do doutor Percival, e ao mesmo tempo verificar se a sala de espera da criatura sofreu alguma modificação. Desde que fui lá, pela última vez, saí com a ideia de que a recepção remonta a um espaço de tempo esquisito. Sempre cheia de almas penadas e os pacientes, como um todo, não atinando exatamente com o que estão esperando.
Frutuoso: — Você falou em tempo e eu me lembrei que ele, o tempo é só uma fila mal organizada. Isso vale para todas as filas onde esperamos para sermos atendidos. Na padaria, por exemplo, a gente por um tempo enorme “ficamos” em standby. Pela espera cansativa e enfadonha, perdemos a paciência, o bom senso, e por fim, não sabemos se continuamos na agonia estafante para comprar o pão e o leite, ou se saímos correndo se descabelando igual essas moscas varejeiras que pousam em nossos rostos como se fizessem um voo de reconhecimento para verificarem se de alguma forma nos reconhecem, ainda que por ouvir dizer.
O banco onde ambos os amigos estavam a conversar, (embora com eles ainda parados em pé, meio que indecisos), respira aliviado. Frutuoso Peteleco sofria da síndrome do intestino irritado, ou irritável e, por conta, tinha a péssima mania de soltar uns puns fedidos. A pobre base com a saída dele, se alivia do cheiro desses traques inoportunos e realmente começa a se sentir mais livre, leve e solto. Sorri faceiro, dá graças aos céus, quando os dois senhores, finalmente se afastam e seguem em direção ao prédio onde funciona a clínica odontológica, local de trabalho da inoxidável e linda Suzana Bico de Papagaio.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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