quarta-feira, 16 de julho de 2025

José Feldman (E se for verdade?)

Acordo, como de costume, com os primeiros raios de sol filtrando pela janela. O calor suave me envolve, e ao meu lado, Sol, minha fiel companheira, já está acordada, com aquele olhar curioso e brincalhão. Aos 70 anos, a vida me ensinou a valorizar cada instante, mesmo que a sombra do câncer tente me roubar o brilho.

Moro em uma casa isolada, longe dos amigos e da família que, por razões que nunca entendi bem, se afastaram. A solidão é uma companheira constante, mas não deixo que isso me abale. Encontro formas de lidar com esse vazio. Converso com Sol como se ela pudesse entender cada palavra. E quem sabe? Ela é a única que realmente me escuta.

Para preencher os dias, criei uma rotina. Acordo cedo, faço as tarefas de casa e preparo o café. Às vezes, ligo para amigos antigos, apenas para ouvir suas vozes do outro lado da linha. Mesmo que as conversas sejam curtas, elas me lembram de que não estou completamente sozinho. A tecnologia me ajuda a me conectar, mesmo à distância.

Hoje, decidi que iríamos dar um passeio no parque. A brisa fresca me acariciava o rosto, e Sol corria à minha frente, como se estivesse me dizendo: “Vamos, ainda há muito para viver!” O caminho até o parque não é fácil, mas a cada passo, sinto o peso da solidão diminuir. Sorrio ao lembrar de um velho amigo que sempre dizia que a vida é como um jogo de cartas: o que importa é como você joga com as cartas que tem.

Chegando ao parque, observo as crianças brincando, os risos ecoando no ar. Um dia, fui como elas, cheio de sonhos e promessas. Agora, a doença me lembra constantemente de que a vida pode ser frágil. Mas, mesmo assim, não deixo que a tristeza tome conta. A cada sorriso que encontro, a cada elogio que recebo por causa da minha cadela, sinto que ainda tenho um papel a desempenhar.

Sol, sempre brincalhona, atrai a atenção das pessoas. Ela é uma estrela, e eu, seu humilde acompanhante. Um grupo de crianças se aproxima, e, em um instante, estamos cercados de risadas e carinhos. “Ela é tão linda!” dizem, e eu me sinto grato. É nesses momentos que percebo que a vida é feita de pequenas alegrias.

À noite, quando o sol se despede e a escuridão envolve a casa, sento-me na varanda com Sol ao meu lado. O céu está cheio de estrelas, e eu me pergunto se elas também têm suas próprias histórias. É fácil se deixar levar pela melancolia, mas eu prefiro olhar para o futuro. Cada novo dia traz a possibilidade de um milagre, e enquanto eu e Sol estivermos juntos, sempre haverá esperança.

Sim, a solidão pode ser desafiadora, mas eu a enfrento com gratidão. A doença pode me minar aos poucos, mas não me destruirá. O que importa é como encaro cada manhã. O câncer pode levar meu corpo, mas nunca meu espírito. O que importa é como encaro cada manhã. A ausência de visitas me ensinou a valorizar as pequenas interações, a encontrar alegria nas coisas simples. Continuarei a ser aquele homem alto astral, sempre pronto para ajudar os outros, mesmo que minha própria luta seja dolorosa e silenciosa.

E assim, adormeço com a certeza de que, ao acordar, haverá um novo dia. Um dia para brincar com Sol, para rir com os vizinhos, para viver. Porque, afinal, a vida é isso: um conjunto de momentos, e eu escolho fazer deles os melhores que posso.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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