domingo, 20 de julho de 2025

Laé de Souza (O vendedor de bonecas)


A beleza feminina, sem dúvida, abre caminho e facilita negociações. Determinados ramos utilizam-se do expediente com relativo sucesso.

Há pouco tempo, um amigo que já andava endividado confessou-me ter adquirido um veículo novo a prestações, por não conseguir fugir aos argumentos e, principalmente, à beleza de uma vendedora. E já anda quase enrascado com um consórcio.

Guilhermindo, vendedor de seguros, de quem o chefe, um machista nato, sempre chamava a atenção e lhe mostrava a planilha de vendas da colega, ferindo os brios do infeliz, sob os argumentos de como permitia que uma mulher o ultrapassasse em volume de negócios.

Ramiro, estabelecido com escritório de cobranças de cheques sem fundos, trocou todo o seu departamento jurídico por formosas donzelas que, após uma semana de treinamento, saíram a campo em busca dos emitentes dos “voadores”, que hoje são recebidos com acréscimos, sem muita dificuldade (com raríssimas exceções) e sem a emissão de um grande número de correspondências e intermináveis batalhas jurídicas.

No ramo de brinquedos, seguindo a tendência do mercado, é que Juju utilizou-se do expediente. Como esse segmento não é tão volumoso em vendas, apesar dos seus preços altos, não há como contratar terceiros. Assim, a coisa funciona na base da economia familiar e a sua linda mulher é quem oferece o produto. Enquanto o coitado carrega sacolas cheias, ela vai dois metros à frente como que numa passarela, exibindo sua beleza e o mostruário com uma dúzia de bonecas. Não há como evitar de olhar ou até de aproximar-se para, pelo menos, consultar os preços. Mulheres acompanhadas dos maridos ou namorados os arrastam para longe, fugindo como o diabo foge da cruz. Fecham a cara e se ligam nos olhares dos acompanhantes que, mesmo disfarçadamente, sempre dão uma olhadela. Creia, não dá para resistir, mesmo sob o risco de levar um beliscão ou uma bolsada da mulher.

Do meu lado, uma mulher vermelha de raiva, falava ao marido: “Me respeite. Quando estiver sozinho, faça suas cachorradas, mas quando eu estiver junto, exijo ser respeitada.” E o fulano, envergonhado, tentava disfarçar. Senhores sisudos olham de soslaio e muitos adquirem as tais bonecas. Os que só olham e recusam a oferta do produto, são intimidados pelo forte Juju que adverte: “Se não quer, então, pare de olhar.” Eu mesmo comprei duas, após demorada escolha e consulta à opinião da vendedora sobre a cor do vestido da boneca. E foi suave ouvir sua voz: “Juju, pega duas deste modelo para o cavalheiro.” Meu amigo, o tal endividado, queria comprar todo o estoque e foi duro convencê-lo a levar apenas vinte, sob forte argumentação minha ao seu ouvido de que a situação econômica dele anda mal.

Segundo comentários, Juju está na região. Se, eventualmente, seu marido chegar em casa com algumas bonecas de vestidinho bordado para lhe dar de presente, fique ligada e pode ter certeza de que a dupla está negociando na cidade.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
Souza, Laé de. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Editora Ecoarte, 2018. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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